PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO DE MULHERES QUE SOFRERAM COM A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO RIO DE JANEIRO: SUBSÍDIOS PARA A ENFERMAGEM
DOI:
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2010.v0i0.%25pPalavras-chave:
enfermagem, saúde da mulher, violência de gêneroResumo
INTRODUÇÃO: A violência de gênero ocorre em vários países e atinge uma parcela significativa da população feminina. Essa problemática apresenta um caráter endêmico e pode ocorrer de diferentes formas, em vários espaços da sociedade, independente de classe social, etnia, idade, cultura, ou do grau de desenvolvimento do país. Essa forma de violência está entre as principais causas de morte da população economicamente ativa, o que corresponde à fase reprodutiva da mulher. O referencial de gênero possibilita uma compreensão aprofundada do fenômeno da violência contra a mulher, considerando que as relações entre homens e mulheres não são apenas baseadas na biologia, sendo os gêneros masculino e feminino construídos socialmente e variando conforme a cultura na qual estão inseridos. Existe ainda uma situação de subalternidade da mulher em relação ao homem, o que configura e agrava a violência contra a mesma. As mulheres se tornam mais vulneráveis ao abuso físico e emocional masculino devido à posição cultural e social que o homem ocupa. A violência de gênero é conhecida também como violência doméstica e sexual, e incluem o assédio moral e sexual. No campo teórico ainda existe uma enorme dificuldade em dimensionar o perfil do fenômeno da violência de gênero em mulheres, apesar de existirem estudos epidemiológicos. Isso ocorre porque é difícil a obtenção de dados concretos a partir dos sujeitos envolvidos na questão em pauta. O objeto de estudo é o perfil sócio-demográfico de mulheres que vivenciaram violência de gênero no município do Rio de Janeiro – recorte de 2003 a 2005.
OBJETIVOS:
· Caracterizar a demanda assistida nas DEAMs do Rio de Janeiro;
· Analisar o perfil sócio-demográfico de mulheres em situação de violência de gênero à luz da discussão temática.
METODOLOGIA: Pesquisa quantitativa, abordagem epidemiológica, com recorte dos registros de ocorrência em mulheres em situação de violência de gênero, entre os anos de 2003-2005. Buscamos, nessa trajetória científica, conhecer as diversas situações e relações que ocorrem na vida social, econômica e do comportamento humano. O método analítico conduziu à caracterização das variáveis da demanda atendida nas Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAMs), e a integração do individual com o social. Descrevemos as principais características dessas mulheres em situações de violência, analisamos à sua relevância social para o benefício da clientela. A população do estudo são mulheres atendidas nas DEAMs no período 2003 a 2005. A pesquisa desenvolveu-se por meio das bases de dados do programa de informatização cedido pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), do Estado do Rio de Janeiro. Devido à natureza deste estudo e seus objetivos, utilizamos um instrumento conforme os dados representativos das Bases de Dados das DEAMs. Estes dados foram organizados e distribuídos em tabelas e gráficos.
RESULTADOS: Os dados foram analisados produzindo uma relação significativa, e esclarecendo alguns pontos sobre a temática da violência de gênero. Os dados foram organizados e distribuídos em tabelas e gráficos. No momento, analisamos as informações referentes aos anos de 2003 a 2005, através de uma discussão numa abordagem epidemiológica e sustentados nos conceitos dos documentos do Ministério da Saúde, pertinente na área temática da pesquisa, com a finalidade de produzir discussões que se aproximem da realidade. Devido à natureza desse estudo e seus objetivos, utilizamos um instrumento conforme os dados representativos das Bases de Dados das DEAMs. Para tal, consultamos os registros de Boletins de Ocorrência das DEAMs cedidos pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Estado do Rio de Janeiro.
Os dados obtidos até o momento nos possibilitaram uma análise parcial do perfil sócio-demográfico da clientela assistida entre os anos de 2003 a 2005. Ampliando os objetivos desse trabalho, estenderemos a análise para mais três anos (2006 a 2008), uma vez que julgamos importante a obtenção desses resultados e análise para apresentação no Instituto de Segurança Pública (ISP), o que entendemos poder contribuir com essa pesquisa.
A amostra investigada durante os três primeiros anos descritos (2003 a 2005) foi constituída de 21.699 mulheres. Considerando a violência de gênero e suas especificidades, os resultados nos mostram que a grande maioria das mulheres, 17.580 (81%), está na faixa etária entre 15 e 44 anos e conferem o maior índice de registro, assim como as maiores vítimas da violência de gênero, quer nos aspectos físicos e psicológicos. Especula-se que isso se dá principalmente, pelo fato dessas mulheres terem uma vida social mais ativa, o que lhes confere certa vulnerabilidade para determinados atos violentos praticados por pessoas conhecidas ou não. Observamos dentre os registros, que há uma predominância de 11.931 (55%) mulheres de etnia branca, as quais são reconhecidas por denunciarem mais a agressão, não implicando, necessariamente, que elas sejam as mais vitimadas, tendo em vista a sub-notificação dos outros grupos étnicos. Em relação ao estado civil, 11.090 (51,1%) são solteiras. A maioria das mulheres vítimas de violência, 15.157 (70%), tem profissão ou recebe remuneração. Esses dados nos conduzem à idéia de que a independência financeira e a ausência de vínculo matrimonial são fatores predisponentes para o registro da violência sofrida. Dentre os registros, constatamos que a maioria dos agressores das mulheres em situação de violência de gênero, 20.075 (92,51%), são os maridos, amantes, namorados, parentes, amigos ou vizinhos. As mulheres e as crianças são as principais vítimas da violência sofrida no espaço doméstico, praticada, sobretudo, por maridos, companheiros, pais e padrastos. Ao investigar a frequência do local de ocorrência do delito nas mulheres em situação de violência, verificamos que a residência é o principal lugar descrito por 15.490 (71,4%) mulheres vítimas. A violência de gênero ocorre também em vias públicas apresentando um menor quantitativo, 4.186 (19%), o que ainda é preocupante. O tipo de agressão mais frequente vivenciada por essas mulheres foi a agressão psicológica, com 10.826 vítimas, ou seja, 49,9% do total, afetando principalmente o equilíbrio mental e emocional, fazendo-se importante a atuação dos profissionais de saúde no apoio e na redução do trauma decorrente das agressões. Em relação aos bairros onde ocorreu a violência contra essas mulheres, constatamos que a maioria aconteceu na região norte do município do Rio de Janeiro com um quantitativo de 12.699 registros (58,5% do total). Quando pesquisamos sobre o bairro de residência do envolvido nos episódios de violência de gênero, as localidades da zona norte também apresentaram uma maioria, 13.147 (60,6%). A maioria das mulheres que denunciou a agressão sofrida através de boletins de ocorrência, o fez nas delegacias da zona norte da cidade, o que representa 12.354 (57%) dos registros. Uma lógica encontrada para o fato da zona norte representar sempre a maioria nessas estatísticas é o fato de que essa região do município possui mais bairros, assim há um maior número de registros de ocorrência, até porque nela também encontram-se maior número de delegacias e postos policiais.
CONCLUSÕES: Os resultados obtidos parcialmente, até o presente, nos possibilitam identificar as principais características das mulheres que vivenciaram e registraram um ou mais episódios de violência de gênero entre os anos de 2003 a 2005. Os dados presentes nos registros dos boletins de ocorrência foram oficialmente cedidos pelo ISP.
O perfil sócio-demográfico da demanda assistida nas DEAMs do município do Rio de Janeiro é de mulheres jovens, por terem uma vida social mais ativa, o que lhes confere uma certa vulnerabilidade. Em relação à etnia há uma predominância da cor branca, o que não quer dizer necessariamente que estas mulheres sejam as mais vitimadas levando em conta a sub-notificação de outros grupos étnicos. Quanto ao estado civil metade dessas mulheres se declararam solteiras. A maioria tem profissão ou recebe remuneração, assim a ausência de vínculo matrimonial e independência financeira fazem com que essas mulheres denunciem mais seus agressores. Em quase todos os casos de violência de gênero, a maioria dos agressores são conhecidos e fazem parte do círculo de amizades ou convívio familiar, como maridos, amantes, namorados, parentes, amigos ou vizinhos. O local de ocorrência do delito é, na maioria das vezes, a própria residência, no espaço doméstico, acontecendo muitas vezes também em espaços públicos. Os resultados mostraram ainda que a agressão psicológica foi a mais freqüente, o que afeta principalmente o equilíbrio mental e emocional das mulheres, requerendo a participação dos profissionais de saúde no apoio psicológico e emocional. Em relação aos dados sobre os bairros onde ocorreu a violência contra as mulheres, bairro de residência do envolvido e delegacia da circunscrição onde ocorreu o fato, verificamos que nos três casos, a maioria dos bairros estão sempre localizados na região norte do município do Rio de Janeiro. Uma lógica encontrada para o fato dessa região representar sempre a maioria nessas estatísticas é o fato de que ela possui mais bairros se comparada com as outras regiões, assim naturalmente há um maior número de registros de ocorrência. Constatamos então que o espaço familiar, que deveria constituir-se no refúgio de paz, harmonia e relacionamento das famílias, é por excelência, o espaço em que a violência doméstica tem o seu ponto mais alto de incidência nas agressões intrafamiliar. Perpetradores ou agentes do abuso sexual na maioria absoluta dos casos são membros próximos da família. São estes que detém o poder na relação e, muitas vezes, estão presentes em relações doentias, histórica e culturalmente construídas e legitimadas. As agressões, salvo exceções, sempre vêm de quem detém o poder na relação. No vácuo da comunicação afetiva, violência é forma de expressão em que as famílias necessitam conquistar. Há necessidade de uma revolução do pensamento, uma “ecologia mental” como antídoto. A “mudança de paradigma civilizatório” é, certamente, o oposto da corrida pela paz, harmonia e relacionamento entre as famílias.
REFERÊNCIAS:
1 – Programa de Prevenção, Assistência e Combate à violência contra a Mulher – Plano Nacional. Diálogos sobre Violência Doméstica e de Gênero, construindo políticas públicas. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Governo Federal, 2003, p. 9 e 11.
2 – Ministério da Saúde (BRASIL). Sementes do SUS. Volume 2. 1ª Edição. Editora IBSaúde. Sapucaia do Sul. 2007.
3 – Painel de Indicadores do SUS n° 02 – Temático Saúde da Mulher. v. 1. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Monitoramento e Avaliação da Gestão do SUS. Ministério da Saúde, 2009, p. 17.
4 – Protocolo de Assistência à Saúde Sexual e Reprodutiva para Mulheres em Situação de Violência de Gênero. O que devem saber os profissionais de saúde para promover os direitos e a saúde das mulheres em situação de violência doméstica. Departamento de Medicina Preventiva. Faculdade de Medicina da USP, 2002, p. 10.
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