Editorial

Arte e Filosofia não são estranhas uma à outra. Bem ao contrário, possuem um vínculo essencial, o que se verifica pelo incontável número de pensadores que tomaram objetos da arte ou a própria arte como circunstância, a mais adequada, para pensar o homem, o mundo e a dinâmica da realidade. Pelo lado da arte, ao menos para os que com ela convivem, é notório o movimento de busca e de aproximação do pensamento filosófico de modo a alcançar não apenas melhor compreensão do fazer artístico mas também sua intensificação.

No entanto, essa aproximação, que poderia até ser considerada natural,  dificilmente aparece quando se trata de publicação ou evento que não seja exclusivo dos membros da arte ou da filosofia separadamente. Em nossos dias, aliás, mesmo isso já vai rareando. Artes cênicas e Literatura, Metafísica e Lógica, Artes plásticas e Música, Filosofia Antiga e Estruturalismo, etc. etc. etc. Tornam-se especialidades cada vez mais incapazes de erguerem-se para responder às solicitações urgentes, por perderem gradualmente a capacidade de expor-se ao risco e ao desafio do que se dá a pensar.

Resguardadas em suas fronteiras bem definidas aquietam-se e atrofiam suas forças.

O percevejoonline, com este número dedicado às Artes Cênicas e Filosofia, deseja dar mais um passo na direção de um livre encontro entre campos do fazer e do saber de modo a oferecer subsídios para que o vínculo existente entre eles possa enriquecer as reflexões afins e minimizar o desconforto e a insegurança que em geral são reflexo da falta de familiaridade com conceitos e linguagem de cada uma das dinâmicas, tanto no fazer da arte quanto no fazer da filosofia. 

Os ensaios e artigos publicados tiveram origens diversas. Em dezembro de 2007, nosso Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas organizou o II Colóquio Internacional O Corpo e suas Traduções, versão brasileira e atualizada do primeiro colóquio, de mesmo nome, realizado em novembro de 2006 na Universidade de Paris X. Esses encontros reuniram pesquisadores franceses e brasileiros participantes de um Acordo de Cooperação Internacional firmado entre a UNIRIO e a Universidade de Nanterre (Paris X), em 2006. Em 2008, uma primeira seleção de textos escritos em francês deu origem à publicação Le corps et ses traductions, organizada pelos professores pesquisadores Camille Dumouilé e Michel Riaudel (Paris: Éditions Desjonquères). Por considerar alguns desses artigos fundamentais para a manutenção do diálogo proposto entre Arte e Filosofia, selecionamos alguns desses ensaios, em versão em português, para divulgação no meio eletrônico, em nosso periódico, para integrar, a partir dos enfoques apresentados, as diferentes sessões em que organizamos esse número, entre Pensamento em Cena, Traduções do Corpo na Literatura e no Teatro e Corpo e Imagem.

São eles: de Jonathan Pollock: O Corpo e suas traduções – Um escoar de areia; de François Laroque: Traduções do corpo para a cena e no texto shakespeariano (1591-1613); e de Yves-Michel Ergal: O inominável do corpo nas obras de Melville; artigos em que o entrecruzamento entre filosofia e artes cênicas se dá a partir da observação de diferentes autores e obras. Mas ainda havia os inéditos escritos originalmente em português para o Colóquio brasileiro, que aguardavam publicação. É o caso dos textos de Guiomar de Grammont: Don Juan: paradigma do desejo na Contemporaneidade; de Evelyn Furquim Werneck Lima: O Corpo entre Memória e Espaço Teatral; Charles Feitosa: Traduções do Corpo na Dança e no Cinema, trabalhos que, a partir de pontos de vista diversificados, transitam por objetos e questões da arte contemporânea.

Mas este número dedicado ao tema A Tradução Conceitual e Estética do Corpo também se congratula por publicar artigos selecionados a partir de chamada pública, como os textos de José Luiz Rinaldi: MÃO – exercício para uma delimitação do Fazer Poético, com que abrimos a discussão arte e filosofia; os artigos motivados pela reflexão sobre Antonin Artaud, a que dedicamos a sessão Artaud, de Filipe Gradim Oliveira: Artaud e a Dança do Corpo sem Deus, de Nara Salles: O Corpo sem Órgãos, e de Tiago Fortes: O Corpo é um Instrumento de Trabalho do Ator?. E, finalmente, na sessão dedicada ao estudo da relação entre corpo e imagem, apresentamos também o artigo de Andrea Elias: Filmografia Felliniana: Corpos que Narram Porque Dançam, dedicado à imagem do corpo no cinema de Fellini.

Esse conjunto de reflexões de natureza e interesses diversificados pretendem estimular o encontro sempre profícuo entre o campo do pensamento e os diferentes atos de criação, de modo a comprovar a necessidade de alargamento de interesses e fronteiras entre saberes e fazeres.

 

Editores Especiais: Prof. Dr. Charles Feitosa e Prof. Dr. Jose Luiz Rinaldi