NOSSA EXPERIÊNCIA COM A SITI COMPANY

OUR EXPERIENCE WITH SITI COMPANY

Claudia Mele (FAV)

Beth Lopes (USP)  

Matteo Bonfitto (UNICAMP)

Resumo

Os artigos referentes à experiência com a SITI Company, vivenciada por Claudia Mele, Beth Lopes e Matteo Bonfitto, descrevem o workshop ocorrido entre os meses de janeiro e fevereiro de 2010, na cidade de Nova Iorque. Cada um dos artigos revelará aspectos específicos dessa experiência, preservando assim o espaço de subjetividade de cada um dos três autores. Desse modo, enquanto Claudia Mele desenvolve em seu discurso uma correlação entre sua prática artístico-pedagógica e aquela desenvolvida pelo grupo americano, e Beth Lopes amplia o horizonte de reflexão em termos estéticos, Matteo Bonfitto constrói sua análise a partir da noção de obstáculo. Sendo assim, através da inter-relação entre tais textos é possível perceber, de certa maneira, o caráter multifacetado do fenômeno em questão.

Palavras-chave | Viewpoints | Suzuki | treinamento | ator-performer | SITI Company

Abstract

The articles written by Claudia Mele, Beth Lopes and Matteo Bonfitto describe their impressions of the workshop with SITI Company that occurred in January and February 2010 in New York. Drawing on each author's individual sensibility, the texts relate this experience from different viewpoints, thus shedding light on specific dimensions of the work. Claudia Mele develops a correlation between her pedagogical-artistic work in Brazil and the workshop proposed by the american company. Beth Lopes widens the perspective with an aesthetic reflection. Matteo Bonfitto builds his analysis focusing on the notion of obstacle. Through the intertextual encounters of these articles, it is possible to perceive the multifaceted aspect of the SITI Company´s workshops.

Keywords | Viewpoints | Suzuki | training | actor-performer | SITI Company

Introdução

Essa introdução, assim como os artigos que a seguem, está relacionada com uma experiência específica: um workshop prático com a SITI Company em Nova Iorque, ocorrido entre janeiro e fevereiro de 2010. Nesse caso, tal experiência será relatada através dos olhares de três participantes desse processo: Claudia Mele, Beth Lopes e Matteo Bonfitto.

O workshop, estruturado em duas partes, envolveu dois treinamentos: o treinamento com a técnica Suzuki e o treinamento com os Viewpoints.1 Inspirado nos princípios do movimento instaurado pela Judson Dance Theater, nos anos 60, que buscava novos conceitos para a dança e arte moderna, The Six Viewpoints2 foi criado pela coreógrafa Mary Overlie que se afinava com as estratégias de composição discutidas por esse movimento que, por sua vez, contrariava a “linearidade, a continuidade, a representação, a figuração, em favor de estruturas sem lógica, da simultaneidade, da justaposição e da repetição” (FEBVRE, 1995: s/p - Tradução livre de Gustavo Ciríaco). Foi a partir desses conceitos que surgiu a dança pós-moderna americana e toda uma nova forma de ver a arte. Anne Bogart encontrou Mary Overlie em 1979, na Universidade de Nova Iorque, e lá conheceu um modo próprio de estruturar o tempo e o espaço na improvisação em dança, que Overlie aplicava não somente na composição coreográfica, como também em sua metodologia de ensino. Mais tarde, em 1987, quando Bogart travou contato com Tina Landau no American Repertory Theatre, em Massachusetts, as duas desenvolveram um trabalho conjunto, ao longo de dez anos, com os Six Viewpoints de Overlie aplicados ao teatro, expandindo-os para nove Viewpoints físicos3 e cinco Viewpoints vocais4. Há dezoito anos Anne Bogart utiliza esse sistema, articulado com o método Suzuki, no treinamento dos atores da SITI Company, companhia que dirige.

A técnica Suzuki, criada pelo diretor japonês Tadashi Suzuki, teve como inspiração o teatro grego, o teatro clássico japonês (Nô e Kabuki), as artes marciais e o balé. Ela é constituída de sequências de movimento e caminhadas que focam a atenção no centro do corpo, com uma ênfase em movimentos vigorosos executados pelos membros inferiores.  A técnica se utiliza dos stomps (potentes batidas com os pés no chão), e grand e demi plíes5, tendo como objetivo um maior enraizamento e conexão da parte inferior do corpo com o solo e a produção de um tônus mais expressivo.  Nesse trabalho, os movimentos corporais se aliam a um treinamento vocal procurando conectá-los a fim de produzir corpos e emissões vocais mais potentes.

 

Cabe acrescentar, por fim, que a articulação feita pela SITI entre tais treinamentos adquire um sentido específico para eles. De fato, se por um lado a exploração da técnica Suzuki é vista como um meio de dilataçāo e intensificação da presença do ator, os Viewpoints são vistos como um canal de expansão horizontal, criativa, e não-hierárquica.

Uma vez feita essa breve introdução, segue então os artigos já referidos de autoria de Claudia Mele, Beth Lopes e Matteo Bonfitto.

Consciência de si e do coletivo

Collective and self awareness

Claudia Mele (FAV)            

O primeiro contato que tive com o sistema6 Viewpoints foi através de Enrique Diaz e Mariana Lima7, quando participei do projeto de Residência do Teatro Poeira onde, por três meses, ficamos mergulhados na pesquisa para a construção do espetáculo Gaivota - tema para um conto curto. Achei interessante a ideia de um sistema que procura organizar os elementos de tempo e espaço, tantas vezes experimentados por nós artistas cênicos, dentro de uma estrutura que os transforma em ferramentas para a improvisação e com a finalidade de atenção no coletivo.

Como professora de corpo para atores, e com formação em teatro e em dança contemporânea, estava familiarizada com os termos e conceitos apresentados nos Viewpoints e já havia trabalhado separadamente cada um dos tópicos, mas nunca como um sistema integrado, com o foco no coletivo. Essa foi a grande diferença para mim. Comecei a utilizar alguns exercícios com meus alunos e fui me interessando mais pelo sistema.

Procurando aprofundar esse conhecimento, em 2008, durante seis meses, exercitei Viewpoints com a coordenação da diretora Christiane Jatahy em um curso livre e no projeto de Residência do Teatro Poeira para a construção do espetáculo Corte seco. Paralelamente, li o livro de Anne Bogart e Tina Landau The Viewpoints book, a practical guide of viewpoints and composition e nesse momento comecei a sistematizar a minha forma de aplicar os Viewpoints. Interessante notar que, como se trata de um sistema aberto, cada professor/diretor, com sua subjetividade, vai transformando e revendo os conceitos e formas de trabalhar. E por isso foi de extrema importância quando, em janeiro de 2010, tive a oportunidade de ir à fonte, em Nova York, receber o conhecimento diretamente da SITI Company e também tomar contato com o Suzuki, técnica criada pelo diretor japonês Tadashi Suzuki, inspirada no teatro grego e japonês (Nô e Kabuki), nas artes marciais e no balé.

O curso teve duração de cinco semanas com carga horária de duas horas diárias para Suzuki e outras duas para Viewpoints. Na primeira semana de aula, devido à técnica Suzuki, mal podíamos subir ou descer escadas tal o grau de esforço que havíamos feito, principalmente com nossos quadríceps. Chamou-me a atenção o primeiro movimento dado, no primeiro dia de aula, ter sido um grand plié em dez tempos. Fiquei um pouco preocupada e aliviada de ter chegado meia hora antes e realizado um aquecimento individual.

Durante as aulas, procurava tomar cuidado principalmente em relação aos meus joelhos, e algumas vezes realmente me poupei de esforços maiores. Observei que na técnica Suzuki é muito importante a consciência da direção dos ossos para poupar e ampliar os espaços articulares e que a busca de um tônus mais expressivo não deveria estar associado à rigidez. Mas não era sempre o que observava nas aulas. Muitas vezes, a busca desse tônus mais expressivo se transformava em corpos rígidos que intensificavam seus padrões de tensão. Como a atenção dos movimentos muitas vezes era focada na parte inferior do corpo, a parte superior ficava extremamente comprometida com excessos de tensão nos ombros, pescoços e costas, além da falta de consciência abdominal resultar em hiperlordoses lombares. A falta de consciência reforça os padrões de tensão. Se o ator está conectado aos novos estímulos, consciente e presente na execução dos movimentos, isso pode resultar em uma relação mais dinâmica com o corpo e com o ambiente, ocasionando mudança de padrões, mas se ele realiza apenas uma reprodução mecânica dos movimentos, desvinculada dos estímulos do momento, a repetição e intensificação dos padrões de tensão são inevitáveis.

Comecei a ter questões em relação à técnica, como ela é aplicada na SITI Company, já que venho de uma formação que busca justamente a soltura e não rigidez da musculatura e uma maior consciência das conexões corporais.  Angel e Klauss Vianna8, meus mestres, começaram sua pesquisa justamente porque vinham do balé e buscavam um corpo menos rígido e mais conectado com seus movimentos.9 Angel sempre focou seu trabalho em três pilares: ossos, articulações e pele. Segundo ela, os ossos localizam a região estrutural, nosso alicerce; as articulações orientam as direções, como as posições do corpo; e a pele absorve o volume do corpo. Através desses três pilares, o tônus muscular se organiza constituindo corpos mais expressivos. O objetivo do Suzuki é exatamente a construção de corpos mais expressivos e não rígidos. Essa rigidez está relacionada a uma diminuição dos espaços articulares. A ideia de espaço corporal, segundo Neide Neves,

está intimamente ligada à ideia de respiração. Em linguagem corporal, fechar, calcificar e endurecer são sinônimos de asfixia, degeneração, esterilidade. Respirar, ao contrário, significa abrir, dar espaço. Portanto, subtrair os espaços corporais é o mesmo que impedir a respiração, bloqueando o ritmo livre e natural dos movimentos (NEVES, 2008: p.50).

Um corpo que não respira, que não abre espaço em suas articulações, enrijece e se machuca. Se os exercícios forem realizados sem uma clara consciência das direções ósseas e da força abdominal exigida, por exemplo, pode-se chegar até a alguns resultados expressivos em curto prazo, mas à custa de lesões e tensões desnecessárias.

Procurei ficar atenta a essas questões e também observar como essa técnica se articulava com os Viewpoints, dado em seguida. Na minha experiência como professora, antes da viagem, escolhi como aquecimento para esse sistema elementos do Contato-Improvisação10, por acreditar, como discípula de Angel e Klauss, que o estímulo da pele é uma das melhores formas de produzir corpos mais expressivos. Após esse aquecimento, os alunos ganhavam consciência, expressividade e atenção que muito contribuíam para o desenvolvimento dos exercícios de Viewpoints. Após retornar ao Rio de Janeiro comecei a aliar esse aquecimento a alguns exercícios do Suzuki e em um curtíssimo intervalo de tempo pude perceber uma diferença de tônus, atenção e força nos corpos dos alunos, que muito me agradou. Quando a técnica do Suzuki é realizada com consciência seus resultados são extremamente eficientes. Até hoje, três meses depois do final do curso, percebo como o Suzuki me deu resistência, uma maior estabilidade e percepção da parte inferior do corpo, além de ter ampliado de forma significativa a minha emissão vocal.

Quanto aos Viewpoints, nas duas primeiras semanas, trabalhamos com os nove tópicos separadamente. Começamos por relação espacial e topografia, ambos referentes a espaço, e depois passamos para tempo: ritmo, duração, resposta cinestésica e repetição, para no fim focarmos na arquitetura e descobrir a diferença entre forma e gesto. Paralelamente íamos, através desses elementos, percebendo a conexão com o grupo e trabalhando a atenção no coletivo.

Como professora, diferentemente da SITI Company, opto por começar pelo coletivo e só depois ir especificando cada um dos nove viewpoints físicos. Para isso, concentro-me nos movimentos em uníssono. O movimento de forma uníssona nos permite abrir a percepção para o coletivo deixando transparecer, de forma óbvia, quando essa conexão não acontece. Podemos ver claramente quando estamos ou não “presentes”. Nas minhas aulas, nos primeiros dias, procuro enfatizar esses movimentos para que a relação entre o coletivo se aprofunde nas aulas subsequentes. Um dos exercícios de aquecimento proposto por um dos professores da Siti Company logo nos primeiros dias, e também incluído no livro de Anne Bogart e Tina Landau, é o ritual de Saudação ao Sol da Ioga. Na prática tradicional da Ioga a atenção está com o indivíduo e seus movimentos internos e de respiração. Na prática proposta por Anne, os movimentos devem acontecer em uníssono conectando as respirações e acelerando os movimentos todos juntos. É um exercício poderoso para a conexão do grupo, principalmente se este grupo já está familiarizado com os movimentos da Ioga, pois dessa forma eles param de se preocupar com o resultado formal e técnico de cada movimento e ficam atentos à respiração e aceleração coletivas.

Nas minhas aulas procuro dar ênfase, principalmente na primeira parte, cujo objetivo é aquecer e conectar o grupo, a esses exercícios em uníssono como, por exemplo, pedir que os alunos acelerem e desacelerem suas caminhadas, parem e mudem de nível todos no mesmo andamento. Já havia feito, com o Enrique Diaz, o exercício de caminhadas de aceleração e desaceleração, um exercício extremamente simples e potente. Incluí as variações de nível, não precisando ser movimentos em uníssono, mas apenas o tempo e as variações sentado, deitado e em pé, porque isso também possibilita o aquecimento do centro do corpo. Para mudarmos de nível necessariamente teremos que acionar nossos músculos abdominais.

Os exercícios em uníssono exigem que o ator-performer esteja aqui agora, “presente”, princípio fundamental dos Viewpoints, para que ele possa entrar em contato com os outros, com o espaço e com ele próprio.  A partir do momento que o performer se coloca “presente” e pára de se preocupar em “fazer” ele passa a “estar”. E então as conexões acontecem e ele está pronto para ter tranqüilidade de perceber que não só o que ele faz comunica, mas tudo no seu entorno, o espaço, as relações que se estabelecem com esse espaço, os objetos, a música e os movimentos gerados dessa percepção, compõem a comunicação daquele instante de improvisação.

O Viewpoints acorda todos nossos sentidos, tornando claro o quanto e com que frequência vivemos somente em nossas cabeças e vemos apenas através de nossos olhos. Através do Viewpoints aprendemos a ouvir com todo o nosso corpo e ver com um sexto sentido. Nós recebemos informações de níveis que não tínhamos consciência da existência e começamos a responder com semelhante profundidade. [...] O Viewpoints alivia a pressão de ter que inventar tudo por si mesmo, de gerar tudo sozinho, de ser interessante e forçar a criatividade. O Viewpoints permite que nos entreguemos, que possamos cair em um espaço criativo vazio e confiar que há algo lá, outra coisa além do nosso próprio ego ou imaginação, para nos pegar. Viewpoints nos ajuda a confiar em deixar algo acontecer no palco, ao invés de fazer acontecer. A fonte para a ação e invenção vem até nós a partir dos outros e a partir do mundo físico ao redor de nós. (BOGART, 2005: p.19-20) 11. [Tradução livre da autora]

Acredito que essa seja a maior contribuição dos Viewpoints. A utilização consciente dos elementos cênicos de tempo e espaço, aliados a essa percepção de totalidade, possibilita uma liberdade com limites, situa o ator-performer no contexto da cena e permite-lhe estar tranquilo para criar, ampliando seu repertório, permitindo que se torne um pesquisador de seu próprio movimento, mas totalmente conectado com o grupo.  Aliado a outras técnicas como a de Angel e Klauss Vianna, ao Contato-improvisação e ao Suzuki o ator está pronto, presente e atento para o início do jogo.

Treinamento: a face e o dorso

The training: the face and back

Beth Lopes (USP)

O cruzamento do Suzuki com o Viewpoints é uma experiência sensível que motiva a continuidade do treinamento pelo ator-performer12. Assim como as práticas vindas de estudos sobre Vsevolod Meyerhold, Étienne Decroux, Jerzy Grotóvski e Eugenio Barba, esta combinação proposta por Anne Bogart e seus performers, quer resgatar a potencialidade do discurso corporal que se constitui muito além das diferenças interculturais, de gênero e raça. A ideia que considera o treinamento para o performer uma técnica eficiente e uma forma de trabalhar uma nova linguagem de atuação somente se desfazem quando se vive esta experiência na prática.  Sendo assim, o treinamento se constitui em um campo onde as correlações de forças desafiam o corpo e provocam uma espécie de metabolização de estados sensíveis adormecidos.

O primeiro desafio consiste em testar os limites do corpo com a “gramática dos pés” sistematizada por Tadashi Suzuki13 que, trazida junto com o enraizamento nas camadas profundas da tradição oriental, pressupõe desenvolver a sensibilidade física tendo em vista uma linguagem de corpos. As habilidades adquiridas, embora exijam resistência física e disciplina, não se reduzem ao azeitamento das juntas e ao fortalecimento das fibras musculares. O método consiste na execução perfeita de exercícios com pés, pernas e braços - caminhando, sentando ou realizando as posições de ‘estátuas’- que devem fortalecer e fixar o centro de gravidade.  O principal objetivo é o treinado se deslocar sem perder o centro de energia (hara), considerando ainda que tais posições requisitem uma reorganização corporal diferente da postura cotidiana, embora mantenha esta sempre como referência. As diferentes caminhadas são acompanhadas por músicas que tem o pulso bem marcado. Cabe lembrar a caminhada básica, uma espécie de marcha, em que os pés martelam o chão, sustentada por determinada pulsação.  À medida que o aprendiz vai adquirindo a precisão com os exercícios - uma força, antes não visível, toma o lugar da incerteza dos passos e movimentos.

Esta energia que funde a potência corporal é, também, a força motriz da voz, o que dá uma qualidade significativa à voz. O impulso da respiração conecta-se com o centro gravitacional provocando uma fricção entre as palavras e o corpo, revelando assim o sentido do treinamento criado por Suzuki e praticado há muitos anos pelos atores da companhia. O controle da respiração é o segredo para a fruição dos sentidos do texto fazendo com que as intenções sejam articuladas a partir de curtas alternâncias nos movimentos de inspiração e expiração, impulsionando com força e dilatando as palavras e as ações. Os exercícios para manter o centro energético, as análises atentas e o comando exigente dos professores-atores da SITI Company levam o treinado a um estado de concentração e por isto, potente, capaz de transformar as palavras decoradas em textos vibrantes. Quanto isto acontece a impressão é que o performer esquece-se de si, distancia-se do olhar sobre si com que inicia os exercícios para, finalmente, irradiar-se pelo espaço. Transformado pela imersão em um conjunto de relações, ele se abre e deixa fluir diante do espectador toda a sua singularidade.  A diferença entre interpretar e dizer vai ficando nítida à medida que o texto e corpo reagem de modo recíproco. Interpretar é uma ação que demanda uma análise do objeto, uma explicação e a construção de um significado ideal com os elementos dados. Dizer é a ação de deixar fluir, ressignificar e revelar os níveis de tensões entre os diferentes impulsos corporais. A eficácia das palavras, dos fluxos respiratórios e da gestualidade é, neste caso, sempre sustentada pelo centro energético.  “O Suzuki quer fazer emergir a potência animal” – disse a performer e professora japonesa Akiko Aizawa quando questionada sobre como deveriam ser ditos os dois trechos de textos decorados, Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchecov e Contos de Inverno, de William Shakespeare. À medida que o treinamento vai avançando o corpo vai ganhando vigor e habilidade, como um tigre poderoso e ágil.

 

O treinamento se enriquece ainda mais com a combinação do Viewpoints14, o conjunto de improvisações estruturadas por nove elementos, na medida em que este traz um contraponto lúdico.  A simplicidade das propostas de improvisações deixa o lugar comum depois da experiência com o Suzuki. Como um animal sobrevivente em um mundo selvagem, o corpo torna-se visivelmente forte e preciso na sua intencionalidade, equilibrando a energia guerreira do Suzuki com os elementos essenciais dos Viewpoints. Juntos proporcionam ao performer a mais pura teatralidade. Se o Suzuki permite ao performer o controle dos movimentos e da respiração, os Viewpoints desafiam esta ordem. O Suzuki é uma velha árvore frondosa enquanto os Viewpoints são a ventania que arranca suas folhas.

Para entender os Viewpoints, assim como na Fenomenologia15, deve-se reconhecer o mundo em que estamos inscritos antes de qualquer análise ou reflexão. Do quarto andar da janela onde acontecem os workshops da SITI Company os performers são estimulados a olhar para a rua e a reconhecer as relações intersubjetivas que se articulam a partir daquele recorte. Para onde vão/vem, como vão, como passam pelos outros, pelos carros, pelos prédios, pelas vitrines?  Como andam e por que param? O que olham? Como são: a rua, os prédios, as janelas (dentro e fora), a arquitetura? A redescoberta do tempo/espaço e seus entrelaçamentos, chave das improvisações constitui a experiência destes elementos em seu próprio corpo e são a fonte de toda composição discursiva. Esta descoberta vivencial e originária fundamentada na vida constitui o conhecimento dos Viewpoints, uma pedagogia que faz brotar do corpo inesgotáveis combinações de ações e reações para além do senso comum. 

A experiência dos performers neste treinamento passa, inevitavelmente, pela transformação da percepção tornando o corpo cognoscente, um portal de novos conhecimentos16. Esta percepção é tatuada automaticamente no corpo a partir deste re-olhar para a vida, evidentemente, emoldurada por uma visão estética. A partir desta experiência subjetiva, a consciência de que é dentro de si mesmo que o performer vai encontrar a essência da sua manifestação artística é ampliada.

A determinação dos jogos combinatórios orientada pelos elementos dos Viewpoints, paradoxalmente vai requisitar uma indeterminação que irá guiar as decisões dos performers nos movimentos e ações, para assim desenvolver frações que produzem sucessivas e infinitas variáveis. Esta indeterminação, que surge depois do domínio dos Viewpoints, é a mola para a liberdade criativa no jogo. É o que torna o trabalho do performer presente e singular nesta pedagogia. É como se o corpo estivesse cheio e vazio/presente e ausente ao mesmo tempo. Cheio - pela apreensão de novos sentidos, mas esvaziado17 - para não se prender aos velhos moldes e mecanismos de improvisação e reagir sensivelmente. Além disto, o corpo ocupa o vazio com contaminações de novas influências e significados que germinam no encontro com os outros. A presença do performer, assim, não é apenas uma luminosidade do seu corpo, mas algo que se legitima como um veículo de sentidos profundos.

Torna-se impossível não relacionar a pedagogia com o teatro realizado pela SITI Company para entender que a produção da companhia extravasa as conversações pedagógicas e estéticas, não só na forma do seu trabalho, mas também, na intensa preocupação de divulgação destas experiências para a esfera pública. A companhia se desdobra em longas jornadas de workshops, ensaios abertos e espetáculos. A programação da chamada SITI Company Monday, na temporada 2009-2010, mostrou em cinco sessões como o grupo treina, pesquisa, cria e produz seus trabalhos. O público que ali esteve participou de outra rara experiência: os atores treinando, improvisando com os Viewpoints, refletindo e respondendo abertamente sobre estes eixos práticos do trabalho, em um clima de descontração e generosidade. Conduzidos pela diretora e professora da Columbia University, Anne Bogart, junto com os atores experientes, professores também, mostram a força do trabalho coletivo e revelam as interfaces produção-criação.  A coesão entre seus integrantes conecta com algo intenso e prospectivo, diretamente ligado com a eficácia dos diferentes trabalhos.         

Em Antígona, espetáculo do grupo apresentado recentemente percebe-se que o treinamento dá homogeneidade ao elenco, mas que mesmo assim, pelas frestas deixa entrever as qualidades criativas e particulares de cada um. Neste espetáculo, os atores deslizam pelo palco com os pés descalços, desenhando no espaço formas e linhas com as quais descrevem as paixões dos personagens. A forma de dizer o texto enlaça a atenção do público pelo especifico e dilatado modo do falar. Os sentidos do texto vão se desenrolando transparentes e os personagens são projeções equilibradas dos próprios atores em um jogo de infinitas perspectivas. Neste espetáculo pode-se perceber com clareza a amplitude do projeto artístico. A dramaturgia feita em processo de colaboração por Charles L. Mee assegura um terreno onde os significados são postos em ordem, uma articulação que privilegia na estrutura narrativa a sequencialidade da ficção. O resultado é um teatro vigoroso e sem meias-palavras. Só não se fecha na ideia do teatro convencional pelo trabalho que se concentra na presença do ator e faz do espetáculo uma realidade sem replicá-la, um acontecimento, um campo de percepções, com uma filosofa que articula a existência concreta diante do espectador. 

Tudo isto, no entanto, parece não significar nada, para eles, se a experiência não for compartilhada mutuamente com o público o que implica no “viver-juntos” em todos os seus matizes. E se estas pontes por onde cruzam as subjetividades de atores e espectadores, de algum modo, não forem também passagens para a transformação do mundo objetivo. Sempre querendo acolher o público é que treinamento e as formas estéticas se somam para tornar visível o que é essencial no texto de Sófocles/Mee. No entrançamento dos corpos, perguntas e respostas vão fazendo o público sair do edifício teatral para o lugar específico dos acontecimentos tornando-se ele mesmo uma parte viva do espetáculo. O papel do treinamento não é importante só na preparação e no aprimoramento do performer, mas assegura assim a singularidade da companhia no palco.

Mas não dá para se iludir, como disse Grotóvski (2008: p.18), nem sempre se pavimenta os caminhos para a criação com treinamento. Possivelmente, com muito esforço, o treinamento constitua uma camada. Uma dimensão que depende do modo de “estar-no-mundo”, do quanto se está impregnado por ações constituídas do des-aprender, perceber e reconhecer o mundo vivido que atravessa o seu corpo e o do outro.

Em busca de obstáculos: a experiência com a SITI Company

Searching for obstacles: the experience with SITI Company

Matteo Bonfitto (UNICAMP)

A construção de obstáculos é um procedimento que permeia muitas práticas de atuação. Mas tal afirmação, colocada dessa forma, genericamente, nos leva inevitavelmente a uma simplificação. De fato, tomando como exemplo desde a contra-vontade de matriz-stanislavskiana, passando pelas rupturas brechtianas, até os contra-impulsos grotovskianos, podemos perceber a presença de obstáculos que devem supostamente ser explorados pelo ator-performer. De qualquer forma, tal é a diversidade de procedimentos e poéticas envolvidas nesses casos que qualquer tentativa de colocar a noção de obstáculo em uma categoria abrangente revelaria rapidamente a própria fragilidade. A razão de tal impossibilidade está vinculada, por sua vez, a uma dimensão que não pode ser dissociada dos processos de atuação: a dimensão do “como”. É a partir de tal dimensão que buscarei descrever, ainda que brevemente, a experiência ocorrida com a SITI Company.

Após uma breve introdução, feita pelos atores da SITI, fomos divididos em dois grupos. O workshop, estruturado em duas partes, envolveu dois treinamentos: o treinamento com a técnica Suzuki e o treinamento com os Viewpoints. Nós, que permanecemos no estúdio da SITI, iniciaríamos com o primeiro e prosseguiríamos com o segundo. O outro grupo deveria fazer o percurso inverso. Menciono aqui essa divisão em função, sobretudo, da relevância desse percurso. Em outras palavras, o fato de ter tido a possibilidade de praticar diariamente o treinamento com a técnica de Suzuki primeiramente, e mais tarde os Viewpoints, suscitou percepções específicas, que me fizeram compreender, acredito, de maneira mais precisa, algumas implicações geradas pela articulação entre esses dois treinamentos. Tratarei desse aspecto mais adiante.

Retomemos a questão dos obstáculos. Com relação ao treinamento com a técnica Suzuki eles representaram o eixo principal de trabalho. Desde as quatro posições básicas, passando pelos exercícios com as standing statues (estátuas em pé) e as seating statues (estátuas sentadas) até as várias caminhadas, os obstáculos eram criados e progressivamente ampliados em sua complexidade.

Tomando como exemplo as posições básicas mencionadas acima, é possível reconhecer alguns desses obstáculos. O impulso que gera os movimentos deve seguir uma dinâmica muito precisa; o executor deve buscar o menor lapso de tempo entre o sinal dado pelo lider e a própria reação física. Ao mesmo tempo, a dinâmica de tal reação, assim como as batidas dos pés no chão, não pode comprometer a estabilidade da posição corporal. Ou seja, já aqui se percebe a necessidade de uma articulação entre prontidão, precisão, plasticidade e potência. Apesar da familiaridade com alguns dos princípios presentes nesse caso18, trata-se aqui de uma abordagem que requer o desenvolvimento de habilidades específicas. Já nos exercícios com as estátuas, além dos aspectos mencionados, obstáculos emergiram também através da necessidade de se estabelecer uma relação entre o centro de força (hara) e o foco; eles deveriam convergir para o mesmo ponto, mesmo ao explorar diferentes direções. Nas caminhadas, obstáculos eram gerados pela combinação entre as posturas corporais, a redução do apoio dos pés no chão e o acompanhamento ritmico das músicas utilizadas. Todos esses obstáculos eram intensificados, por sua vez, pela verbalização de fragmentos de textos, dois escritos por Shakespeare - Contos de Inverno e Sonho de uma Noite de Verão - e um de Tchekhov, O Jardim das Cerejeiras, e aqui chegamos a um ponto importante desse treinamento. Tal como colocado por Suzuki, esse treinamento visa não somente uma potencialização corporal, mas tem como objetivo o estabelecimento de uma conexão profunda entre corpo e voz; ele tem como função, poderia dizer, a produção de uma ‘voz incorporada’ ou seria ainda melhor dizer, de ‘vozes incorporadas’.  

Na segunda parte dos encontros diários, praticamos o treinamento com os Viewpoints (pontos de vista). Eles são desdobramentos de dois grandes blocos - tempo e espaço - e podem ser articulados em diferentes níveis: ritmo, duração, resposta cinestésica, repetição, forma, gesto, arquitetura, relação espacial, e topografia. Esses Viewpoints foram trabalhados progressivamente no workshop e, aos poucos, várias possibilidades de conexão entre eles emergiram, assim como algumas dúvidas, como a que envolve, por exemplo, a diferenciação entre “gesto” e “forma”. De acordo com a abordagem da SITI, entende-se por gesto uma forma que tem um desenvolvimento: início, meio e fim.

Se considerarmos algumas definições de “gesto”, mais ou menos implícitas em elaborações já existentes, veremos que ele é considerado por um lado como algo a ser evitado, como um produtor de maneirismos, como no caso de Grotóvski; e por outro o gesto é visto como um elemento que particulariza ou define o ser ficcional que o executa, como em Stanislávski, Brecht, e Artaud, dentre outros. Sendo assim, podemos reconhecer, em primeiro lugar, na percepção de gesto adotado pela SITI um distanciamento do pensamento produzido por diferentes criadores teatrais e uma aproximação de abordagens mais ligadas à dança, sobretudo aquela surgida a partir dos anos sessenta com a Judson Dance Theater. De qualquer maneira, a relação estabelecida entre gesto e forma nesse caso permanece vaga, fato esse que gera várias questões, por exemplo: toda forma que tem um desenvolvimento, com início, meio e fim, pode ser considerada como gesto? Qual seria exatamente a noção de forma implícita nesse caso? De acordo com a definição de gesto já mencionada, fica claro que por forma não se entende nesse caso somente construções de estruturas fixas espaciais, compostas de linhas, curvas, etc..., mas também os processos dinâmicos espaço-temporais produzidos pelo corpo. Como diferenciar, assim, o gesto de qualquer fluxo de movimentos e ações? Qual seria a diferença existente nesse caso entre gesto, movimento e ação?19  

Independente das questões surgidas durante o processo de treinamento foi importante perceber o horizonte de possibilidades gerado pela articulação entre os Viewpoints. Colocando de lado a exploração de personagens e histórias, a prática desenvolvida com os Viewpoints pode levar a uma significativa ampliação perceptiva, e consequentemente, a uma ampliação do repertório expressivo dos participantes.20

 

Retornando ao eixo deste escrito, ou seja, aos obstáculos presentes nas práticas de atuação, e nesse caso específico, no treinamento com a SITI Company, caberia a pergunta: onde localizar obstáculos em um treinamento que permite a livre exploração de seus elementos? Essa pergunta adquire uma importância particular na medida em que ela abre possibilidades para a percepção de muitas ocorrências expressivas que podem ser percebidas, mas não podem ser explicadas analiticamente. De fato, os obstáculos nesse caso estão relacionados com a construção de “momentos presentes” que envolvem não só a percepção de si e do outro, mas também a percepção dinâmica de todos os aspectos ligados ao tempo e ao espaço trabalhados nos Viewpoints.

Nesse caso, como mencionado pelos atores da SITI, a liberdade funciona como um obstáculo, e é nesse ponto que a meu ver a relação entre os dois treinamentos se faz necessária e adquire uma razão de ser. O rigor, a precisão, e a dilatação vertical produzidos pelo treinamento com a técnica Suzuki fazem com que a horizontalidade não-hierárquica do treinamento com os Viewpoints possa se dar e se desenvolver de maneira consistente. Sem essa relação intrínseca entre os dois treinamentos, a exploração isolada dos Viewpoints pode gerar um naturalismo-realismo banalizado e desvitalizado, como aquele presente nas novelas de televisão.

Os obstáculos parecem representar, desse modo, nos processos de atuação, assim como em outras formas de arte, uma das condições necessárias para a criação.

Referências

BOGART, Anne, LANDAU, Tina. The Viewpoints book, a practical guide to viewpoints and compositions. New York: Theatre Communications Group, 2005.

FEBVRE, Michèle. Dance contemporaine et theâtralité. Tradução livre: Gustavo Ciríaco. Paris: Chikon, 1995.

GROTÓVSKI, Jerzy. Farewell speech to the pupils. TDR: The Drama Review 52:2 (T198) Summer, 2008.

MERLEAU-PONTY, Maurice. La querelle de l'existentialisme. In: Sens et non-sens. Paris: Gallimard, 1995.

NEVES, Neide. Klauss Vianna, estudos para uma dramaturgia corporal. São Paulo: Summus, 2007.

SUZUKI, Tadashi. The way of acting. The theatre writings of Tadashi Suzuki. New York: TCG, 1985.

 

 



Notas

1 A SITI Company, fundada em 1992 pela diretora Anne Bogart, há muitos anos combina em sua prática cotidiana esses dois treinamentos. Tais treinamentos foram adotados pela companhia a partir de dois percursos, de certa forma, semelhantes. De fato, ambos emergiram de relações diretas estabelecidas entre Anne Bogart e os respectivos elaboradores de tais técnicas: Tadashi Suzuki e Mary Overlie.

2 Espaço, história, tempo, emoção, movimento e forma. Nota-se que apesar de Overlie se afinar com o pensamento dos artistas da Judson Dance Theater ela ainda mantém conceitos da arte moderna.

3 Tempo, duração, repetição, resposta cinestésica, arquitetura, topografia, gesto, forma e relação espacial. Nota-se que os Viewpoints originais emoção e história foram subtraídos e substituídos por outros Viewpoints físicos.

4 Altura, dinâmica, aceleração/desaceleração, timbre e silêncio.

5 Nomenclatura do balé: movimentos em que se dobram os joelhos com e sem os calcanhares no chão.

6 Acredito que é a melhor palavra para definir os Viewpoints, mais do que técnica ou método. “Disposição das partes ou elementos de um todo, coordenados entre si e que funcionam como estrutura organizada.” (Novo dicionário Aurélio)

7 Enrique Diaz e Mariana Lima, diretor e atriz, participaram do curso de verão em Saratoga, ministrado por Anne Bogart em 2001.

8 Bailarinos e pedagogos cuja pesquisa tem como foco a conscientização do movimento. Angel Vianna (1928) é diretora da Escola e Faculdade Angel Vianna. Klauss, também nascido em 1928, faleceu em 1992.

9 Não é uma crítica ao balé e sim à forma como ele muitas vezes é ensinado.

10 Contato-improvisação é uma técnica criada pelo bailarino americano Steve Paxton, integrante do movimento da Judson Dance Theater, que tem como elemento primordial a relação de contato e peso entre os corpos.

11 “Viewpoints awakens all our senses, making it clear how much and how often we live only in our heads and see only through our eyes. Through Viewpoints we learn to listen with our entire bodies and see with a sixth sense. We receive information from levels we were not even aware existed, and begin to communicate back with equal depth. […] Viewpoints relieves the pressure to have to invent by yourself, to generate all alone, to be interesting and force creativity. Viewpoints allows us to surrender, fall back into empty creative space and trust that there is something there, other than our own ego or imagination, to catch us. Viewpoints helps us trust in letting something occur onstage, rather than making it occur. The source for action and invention comes to us from others and from the physical world around us” (BOGART, 2005: p.19-20).

12 Opto, no primeiro momento, pelo uso deste binômio levando em conta que a questão da presença, nesta pedagogia, transita entre o ator e o performer, entre o ficcional e o performativo, entre o construído e o eventual, entre o narrativo e o discursivo, alternando momentos de atuação mais clássica (ator) com os de não-atuação (performer). Nos seguintes, fico com o termo performer, para dar fluxo ao texto e por acreditar na abrangência das funções do mesmo.

13 Diretor do teatro contemporâneo japonês que colaborou na criação da SITI Company. O método se constitui em um legado da tradicional cultura japonesa, descendente de Zeami, do Kabuki, do Nô/Noh, das artes marciais, além das influências do teatro grego e do balé clássico.

14 Não vou repetir os elementos por já estarem citados nos outros artigos, mas vou relembrar a comparação feita pelo performer e professor Leon Ingulsrud sobre o ‘Open Viewpoints’: a diferença entre uma criança de cinco anos e um chefe de cozinha numa cozinha cheia de alimentos que eles podem preparar, provavelmente, a bagunça seja a mesma, mas o chefe tem a consciência e a criança a espontaneidade.  

15 Este conceito foi comentado pelo performer e professor Barney O’Hanlon como uma possibilidade de link com o treinamento e assim motivada fui buscar algumas possíveis relações. A Fenomenologia, pensamento filosófico, toma como ponto de partida o fenômeno do comportamento e nele erige a percepção como contato primeiro com o mundo.

16 Merleau-Ponty vai tomar exatamente o corpo do sujeito da percepção para explicar a sua concepção de Fenomenologia: “O sujeito é seu corpo, seu mundo e sua situação, e de certa forma estabelece com estes uma permuta". (Merleau-Ponty, 1995: p.125)

17 O performer e professor Stephen Duff Webber fez alguns comentários sobre este estado de esvaziamento e fez uma breve referência aos recentes estudos de Ciências Cognitivas e Fenomenologia, a este ‘sair-de-si’ para observar e conhecer a si mesmo.

18 Tive conhecimento e pude experienciar algumas técnicas colocadas em prática no Teatro Kabuki através do contato direto com o Mestre Onoe Ozomu.  

19 Em A Cinética do Invisível (Perspectiva, 2009), ao examinar alguns processos de atuação explorados por Peter Brook e seus atores, elaborei a noção de “forma flutuante”. Porém, os pressupostos envolvidos em tal estudo não poderiam ser aplicados nesse caso.    

20 Contudo, é preciso reconhecer nesse caso a importância da qualidade de condução por parte de quem dirige ou estimula o treinamento. Em outras palavras, uma condução ansiosa, que não é determinada por uma escuta sensível pode fechar possibilidades ao invés de abri-las.

CLAUDIA MELE é atriz, formada pela CAL/Casa das Artes de Laranjeiras, e nos cursos profissionalizantes de Dança Contemporânea e Recuperação Motora e Terapia Através da Dança pela Escola Angel Vianna. Graduada em Licenciatura em Dança pela Faculdade Angel Vianna. Professora de Corpo e Movimento no curso de formação de ator da CAL e professora de Técnica Teatral no curso de formação em dança da Escola Angel Vianna. Há um ano ministra a disciplina Viewpoints no curso de Pós Graduação Lato Sensu em Formação de Preparador Corporal nas Artes Cênicas da Faculdade Angel Vianna e no curso de formação de ator da Cia de Teatro Contemporâneo. Atualmente dirige o espetáculo de improvisação AGORA! - inspirado nos Viewpoints.

CLAUDIA MELE received her actor´s training at CAL (Casa das Artes de Laranjeiras, Rio de Janeiro). She has also completed the professional Contemporary Dance Training program and the Physical Reeducation & Dance Therapy course at the Escola Angel Vianna in Rio, and has a teaching degree in dance from Faculdade Angel Vianna. She teaches Movement & Body Language in the actor training program of CAL, and Theater Technique at the dance program of Escola Angel Vianna. Since last year she is teaching the Viewpoints technique at the post-graduation course in Physical Coaching for Actors at Faculdade Angel Vianna, as well as at the acting program of the Companhia de Teatro Contemporâneo. At present she directs the improvisation show AGORA! - which is inspired by the Viewpoints technique.

BETH LOPES é diretora, pesquisadora e professora de atuação no curso de Artes Cênicas na Universidade de São Paulo. Como diretora e fundadora da Companhia de Teatro em Quadrinhos (1989) é reconhecida pela pesquisa visceral dos atores e pela potência de suas encenações. Nos espetáculos da Companhia, ou com os alunos da universidade, bem como diretora convidada de elencos de produções profissionais, sempre se pode reconhecer o seu estilo ligado à expressão contemporânea. Na sua pesquisa os temas giram em torno do processo criativo do ator: corporeidade, ação, presença física, grotesco, memória e subjetividade. Atualmente está desenvolvendo uma pesquisa de pós-doutorado, sobre a performance, na New York University.

BETH LOPES is artistic director, researcher and a teacher at the Performing Arts course of the University of São Paulo. As artistic director and founder of the Companhia de Teatro em Quadrinhos (1989), her work is distinguished by the visceral research of the actors and the visual power of her mise en scene. In the shows of the company, or with students of the University, as well as in her works for other professional productions, one can always recognize her style dedicated to contemporary expression. Her research concerns the creative process of the actor: corporeity, action, physical presence, grotesque, memory and subjectivity. She is currently developing a post-doctoral research project on performance at New York University.

MATTEO BONFITTO é ator, diretor e pesquisador teatral. Cursou a Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo. Fez a graduação no DAMS da Università degli Studi di Bologna - Itália. É Mestre em Artes pela ECA-USP, e PhD pela Royal Holloway University of London - Inglaterra. Além do trabalho artístico no teatro profissional, apresentado no Brasil e no exterior, é professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Campinas. Tem vasta experiência na área de Artes, sobretudo no que diz respeito aos processos de atuação do ator-performer. Publicou inúmeros artigos sobre esse tema, bem como os livros O Ator Compositor (Ed. Perspectiva, 2002) e A Cinética do Invisível (Ed. Perspectiva, 2009). Em 2010, desenvolveu uma pesquisa junto ao The Graduate Center - CUNY, em New York. Ele funda em 2009 o PERFORMA - Núcleo de Pesquisa e Criação Cênica.

MATTEO BONFITTO is a performer, theater director and a researcher. His actor´s training was developed in different countries such as Brazil, Italy, England, France, and USA. He took his bachelor´s degree at DAMS - Bologna University, got his MA at ECA-USP and earned his PhD at Royal Holloway University of London. Besides his artistic work, presented in Brazil as well as abroad, he is a Professor at the department for performing arts of Campinas State University. His research focuses on the acting processes developed by the actor/performer. He has published many articles on this theme as well as two books: The Actor as a Composer (O Ator Compositor. São Paulo: Perspectiva, 2002) and The Kinetics of the Invisible (A Cinética do Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009). In 2009, he founded a collective called PERFORMA - Núcleo de Pesquisa e Criação Cênica.