REALIDADES OSCILANTES: OBSERVAÇÕES SOBRE O

PERFORMATIVO NO TEATRO CONTEMPORÂNEO1

OSCILLANTING REALITIES: OBSERVATIONS ON THE

PERFORMATIVE IN CONTEMPORARY THEATER

Frithwin Wagner-Lippok (Diretor de Teatro)

Tradução de Heidrun Friedel Krieger Olinto de Oliveira e Mariana Maia Simoni (PUC/RJ)

Resumo

No contexto de um projeto teatral teórico-prático, o autor investigou a função estética e o significado social de “performatividade” em alguns experimentos teatrais contemporâneos. Usando exemplos de encenações “pós-dramáticas”, estratégias de apresentação e extratos de entrevistas, o conceito de “performatividade” é desenvolvido como uma paradoxal estrutura de papéis, e a relação específica entre ator e público é ilustrada pelo paradigma estrutural da “fita de Möbius”: a ambiguidade de suas posições desconstrói a hierarquia dos papéis sociais daqueles que estão presentes, produzindo o evento teatral. A transgressão de limites da representação no sentido da apresentação e da auto-apresentação leva, em diferentes medidas, a combinações criativas de ficção e realidade e a uma mudança na atitude de recepção.

Palavras-chave | performatividade | teatro pós-dramático | realidade | ficção | autenticidade

Abstract

In the context of a theoretical-practical theatre project, the author investigated the aesthetic function and social meaning of “performativity” in a few contemporary theatre experiments. Using examples from “post dramatic” theatre shows, presentation strategies and excerpts of interviews, the concept of “performativity” is elaborated as a paradoxical structure of roles. The specific relation between actor and audience it entails is illustrated through the structural paradigm of the Möbius loop: the ambiguity of their positions dismantles the hierarchy of social roles of those present who, together, bring forth the theatrical event and in doing so lose any individual authority over it. The transgression of the limits of representation towards presentation and self-presentation leads, in variable proportions, to creative combinations of fiction and reality, and thereby to a change in how the work is received by the public.

Keywords | performativity | post dramatic theatre | reality | fiction | authenticity

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O senso comum costuma experimentar a realidade em sua incontornável concretude e estabilidade. Essa visão oferece conforto para quem procura amparo no meio do mieles strom da modernidade e de suas fantasias extravagantes e histórias desconcertantes. Apreciam-se as excursões para o reino da poesia, mas de forma comportada, porque nas divagações imaginárias – como nas piscinas – as bordas devem ser marcadas impedindo, assim, ser tragado pelo turbilhão do horror vacui em que os barcos perdem o controle sobre a sua rota e direção.

A língua defende os “fatos brutos” contra as ilusões e o livre pensar por considerá-los indestrutíveis, sólidos, reais. Apesar de todo esse realismo, as pessoas sempre voltam a refugiar-se no jogo e na fantasia enriquecendo, driblando, imitando, simulando e suspendendo por certo tempo a sua insuportável – mas também irrenunciável – realidade. O teatro, desde sempre, melting pot de simulação passou a ser quintessência de uma alternativa mais ou menos aceitável, embora também sempre sob suspeita, na vida cotidiana. Quem “faz teatro” simula algo para os outros; quem “desempenha um papel” na profissão ou na família provavelmente é outro fora desses papéis.

A equivalência entre o mundo e o palco já foi reconhecida por Shakespeare e aprofundada, mais tarde, nas investigações de Erving Gofmann (GOFMANN, 1959); no entanto só nas últimas décadas esta (não) equivalência como possibilidade estética explícita passou a ser traduzida em normas teatrais praticamente sem limites, que recorrem tanto a precursores como Bertolt Brecht quanto a Heiner Müller. Desde 1999, essa transformação passou a ser chamada, de modo um pouco infeliz, de teatro “pós-dramático” (LEHMANN, 1999) e, desde então, analisada como “estética performativa” (FISCHER-LICHTE, 2004). Esse conceito geral abrange formas de apresentação e de produção que rompem com as últimas leis de gênero e com regras teatrais “dramáticas” tradicionais, deixadas intocadas pela modernidade clássica – entre outras, o lugar central do texto, a diferenciação entre atores e espectadores e a distinção inequívoca entre ator e personagem.

Três experimentos exemplares me permitem ilustrar essas transformações. As reflexões propostas tentam focalizar este campo e seus deslocamentos e motivar o questionamento de nossa realidade.

 


I

a

No final da apresentação os espectadores não sabiam se podiam ou não aplaudir. Ao fim e ao cabo em nenhum momento havia aparecido nenhum ator no palco, apenas umas máquinas que se mexiam de vez em quando proferindo ruídos. Agora estavam todas no fundo do palco e pareciam esperar os aplausos por sua “apresentação”. Após breve silêncio, os espectadores começaram a aplaudir. Neste momento, uma das máquinas avançou até o proscênio para receber o aplauso. Foi um instante comovente e perturbador como raramente teria ocorrido com atores autênticos.

b

Subimos de elevador até o oitavo andar de um edifício no Kottbusser Tor em Berlim. Vamos testemunhar uma apresentação teatral num apartamento privado no bairro de Kreuzberg, junto com a especialista em artes cênicas Sabine Schouten, da Freie Universität de Berlim, que utiliza esta experiência para introduzir a edição publicada de sua tese de doutorado, em 2007. Já na entrada do edifício, neste bairro parcialmente degradado, somos barrados por três tipos mal encarados com um cachorro: “Aqui não tem teatro para vocês! No máximo uma apresentação privada feita por nós!”. Isso em caso de não pagarmos o “pedágio” exigido... Obviamente pagamos, e em seguida entramos em um apartamento onde nos espera algo totalmente inesperado: afundados em macios almofadões cor-de-rosa assistimos à declamação de poemas de uma velha senhora, proprietária do apartamento, sobre sua gata morta.

Nossa saída ocorre, em contraste, de forma ordenada: os tipos mal encarados ainda estão lá, mas nos devolvem o dinheiro e se revelam como atores de fato, conferindo à encenação um toque especial...

c

Você vai a uma apresentação teatral, mas não há peça. Parece que a maioria dos atores está doente. Aparentemente não vai haver peça, porque um homem de terno preto – talvez tenha ocorrido algo grave – narra por alto o conteúdo aos espectadores. Nisso, ele vai se perdendo cada vez mais em detalhes e até começa a imitar pequenas cenas entre os personagens. Tampouco se reconhece um cenário; talvez o diretor e o cenógrafo também estejam doentes. Seja como for, o palco está vazio, exceto ao fundo, onde há um grupo de mesas que parecem pertencer a outra peça. A sala está iluminada com projetores pendurados aleatoriamente e uma luz de trabalho ofuscante. Passam a se produzir pequenas descoordenações: por exemplo, começa a tocar uma música que não deveria tocar, o narrador reage fazendo algumas observações críticas sobre os técnicos; se produz, inclusive uma pequena discussão entre ele e a assistente técnica. Nesse meio tempo, ele garante ao público de forma pouco convincente que tudo foi “ensaiado” e “preparado”, até “arquivado”, ou seja, “gravado”. Nisso, ao lado do homem de terno preto, surge, como se viesse de outro mundo, perdida, uma atriz desempenhando fragmentos de um último “papel” que sobrou.

Em seguida, a história é interrompida: de forma grosseira, solicita-se ao narrador que pare, o seu tempo terminou e a “segunda parte” deve começar. O homem, furioso, abandona a sala. Alguém o segue para acalmá-lo. O homem volta, quer continuar a história, fica estressado. A jovem, que enquanto isso ia colocando, muito decidida, canetas e cadernos em cima das mesas do outro palco, não pára de exigir que abram espaço para a “cena seguinte”. Ele, perplexo, insiste na importância da história, ela responde aos berros que deve respeitar os tempos combinados. Mas o homem não permite que o expulsem. Enquanto, em pânico, ele tenta se desfazer rápido do resto da história (“para que vocês saibam mais tarde do que se trata!”), exige-se repetidamente que ele deixe o palco – uma cena, de fato, constrangedora. Finalmente, a história, da qual apenas se ouviram fragmentos, acabou de ser contada, o homem abandona o lugar e se refestela exausto em uma poltrona ao lado.

Então, entra em cena uma técnica e pede que você e os demais se aproximem das mesas e se sentem. Ninguém se recusa, ninguém quer causar mais escândalo. Você, como um bom menino, senta em uma das carteiras escolares. A atriz de antes, que enquanto durou o deslocamento provocou um ruído ensurdecedor atrás das cortinas, entra em cena com um vestido vermelho esvoaçante e anuncia em estilo ditatorial: “Ditado!” Todo mundo concorda com a cabeça. Agora você vai ter que escrever um ditado. Não na escola, mas no teatro. Como espectador. Mas é muito semelhante: também agora, você preferia consumir a “matéria” sentado na poltrona, de forma passiva e relaxada. E ao contrário, tem que fazer bem os deveres e concentrar-se. Aos poucos você é invadido por um sentimento parecido a quando você era estudante: começa a “colar”, você tem vontade de dar uma de levado, mas ao mesmo tempo quer tirar uma boa nota, provavelmente os exercícios serão corrigidos... Efetivamente: ao fim da apresentação, um dos atores lê em voz alta os nomes de todos os presentes e divulga as notas do ditado, que foram obtidas um pouco antes, publicamente, em um jogo de dados. “Oportunidades iguais para todos”, anuncia um graffiti.

Infelizmente, o acaso quis que você tirasse uma nota muito ruim. Você sabe perfeitamente que se trata apenas de um jogo, que a sua nota não tem nada a ver com seus méritos, e no entanto, você está chateado. Mas agora será servida champagne e além disso você tem a possibilidade de mostrar, em um canto atrás do telão disposto para isso,  “alguma coisa sua” , que será retransmitida por vídeo na sala do teatro; e em outro canto, também atrás do telão, diante do qual se colocou um padre com seu hábito e uma máscara estranha, você pode, se quiser, “confessar algo”. Você se encanta pela segunda oferta e, efetivamente, uma espécie de padre confessor (trata-se de uma mulher) o aconselha, o consola e, conforme o caso, até pergunta por suas preocupações. Vale o segredo da confissão, mas você não confia muito nisso.

Fora, começou a se formar um tumulto. O antigo narrador agora também usa uma máscara e explica em tom conspiratório todas as ações de que supostamente você pode participar. Mas depois de um tempo, você se dá conta de que tem alguém imitando tudo o que ele descreve, será que são também atores? Ou o homem da máscara vai descrevendo o que vai encontrando?

II

As três cenas descritas são exemplos do “terremoto” que afeta o teatro desde os anos 1990 e que tanto se apresenta como teatro “pós-dramático” quanto como “teatro performativo”. Em todos estes casos o espectador experimenta inevitavelmente um conflito pessoal que o afeta e que implica uma tomada de decisões. Sair ou ficar? Responder ou calar? Intervir ou compartilhar a culpa por uma situação insuportável e irresponsável? Consentir que se tornem públicas certas coisas sobre si ou preferir o anonimato? O visitante (já que “espectador” deixou de ser provavelmente o termo adequado) sempre dispõe de diferentes opções, mas não dispõe da seguinte: não assumir uma posição. Até entender o que está ocorrendo, se vê absorvido pelos acontecimentos e deve tomar decisões, como por exemplo, quando lhe pedem que mude de lugar ou lhe oferecem uma bebida.

 

X – o caso comum

Você é esse visitante. Vai ao teatro. Você só quer se divertir, deixar pelo menos uma vez os outros trabalharem por você, relaxar... Você pergunta na bilheteria quanto tempo dura a peça.

Eles dizem que ninguém sabe ao certo; isso também depende de você. Que estranho: por que de você? Você é apenas um espectador.

É impossível, para você, entender a conexão entre os acontecimentos, ou você vê/escuta apenas uma parte deles. Em suma: estão ocultando informação de você, e você é tomado por uma sensação de incerteza parecida com a de chegar a uma cidade nova ou de se apresentar pela primeira vez no novo emprego...

Em seguida, você fala com outros visitantes que tiveram uma experiência parecida, vocês tomam uma cerveja juntos, já é tarde demais para comer alguma coisa. Você volta para casa com a sensação de que essa experiência não tem nada a ver com teatro, mas tem muito a ver COM VOCÊ...

III

No outono de 2008, na condição de diretores de teatro, Christina Schmutz e eu realizamos um projeto teórico-prático patrocinado pela Generalitat de Catalunya. Este projeto se compõe de diferentes módulos interconectados que giram em torno da questão da autenticidade teatral e lançam luz sobre uma indagação atual nos estudos das artes cênicas: em que consiste a função estética e o significado social da tendência performativa no teatro contemporâneo?

Dado que dispomos de boas razões práticas e teóricas para não ignorar este desenvolvimento, e dado que nós mesmos incluímos em antigas montagens elementos que hoje são rotulados de “pós-dramáticos” e/ou “performativos”, desejávamos rastrear com mais detalhes as marcas e os efeitos de tal desenvolvimento, e para tanto iniciamos o projeto antes mencionado.

O questionamento inicial devia focalizar o discurso geral sobre o “teatro pós-dramático” (LEHMANN, 1999) a partir de um conceito a este relacionado de forma difusa, mas que resulta muito mais produtivo no que se refere ao seu conteúdo: performatividade.

 

Pós-dramático – performativo

Os exemplos acima descritos2 podem facilmente se classificar como “pós-dramáticos”, chegando a uma definição negativa, que determina o que este teatro já não é, ou seja, “teatro dramático”, porque rompe de diversas maneiras com as leis do gênero dramático: usurpando do texto a sua centralidade, renunciando a uma fábula (fechada), destruindo a identidade dos dramatis personae ou simplesmente deixando de “encenar” um texto já dado para apresentar em cena acontecimentos desenvolvidos propriamente, situações lúdicas, determinadas atmosferas. Entre estes se destacam, por exemplo, as Lecture-Performances dos anos 1990, onde se entrecruzam a palestra e a performance3. O leque de possibilidades de afastar-se do conceito de dramático é tão amplo como a variedade de formas pós-dramáticas. É por isto que o conceito de pós-dramático expressa, no melhor dos casos, uma delimitação mais ou menos clara em oposição ao conceito “dramático”; e no pior dos casos, serve para contribuir para a delimitação de uma determinada cena teatral em oposição a um teatro “estabelecido4.

O conceito de performatividade, em comparação, faz alusão a um fenômeno que deve ser considerado positivo, extremamente revelador e muito valioso do ponto de vista heurístico, dada sua capacidade de gerar hipóteses; um fenômeno cuja potência dialética e propriedades paradoxais geraram toda uma paisagem de novas questões, assim como também um desejo por respostas. Neste conceito, emerge a ideia de que algo é penetrado, modelado, remodelado, radicalizado, superado, esculpido. Aparentemente se trata de um processo de força e ressonância, que pode ser observado e formulado conceitualmente. Além disso, se o termo “pós-dramático” representa o outro em relação ao gênero dramático, o conceito de “performativo” permite delimitar sua definição em oposição ao semiótico característico do teatro tradicional, voltando nossa atenção para o essencial: o abandono dos significantes (verbais), junto com a especulação sobre seus significados e a observação de fenômenos formais mais “silenciosos”5, o que levado ao extremo leva à limitação da performance em sua forma mais pura.

Mas, afinal, o que significa o termo performativo? A própria palavra está composta por “forma” e pelo prefixo per que, grosso modo, significa “através”: fazer com que uma coisa passe pelo interior da forma, ou que a forma passe pelo interior de uma coisa, modelá-la, filtrar sua expressão. Talvez seja também o fenômeno em que a forma se modela a si mesma e se autoexpressa. Originalmente o conceito “performativo” é de origem linguística. John L. Austin6, em sua teoria dos atos da fala, descreve além de enunciados “constatativos”, que se referem a estados de coisas ou afirmam fatos, também enunciados “performativos”, com os quais se realizam ações: “Eu os declaro marido e mulher” é menos uma frase que a execução de um ato que “muda o mundo” (FISCHER-LICHTE, 2004: p.32). A senhora X e o senhor Y constituem a partir de agora um matrimônio. As frases performativas significam aquilo que realizam, quer dizer, são auto-referenciais; e são criadoras da realidade social de que fala seu conteúdo; são constituidoras de realidade.

No entanto, só se chega à consumação de um ato quando se cumprem determinadas condições extralinguísticas: padres ou juizes devem pronunciar esta oração, e devem fazê-lo diante de testemunhas que afianciem a ocorrência de fato desta frase. Assim, a mera enunciação deste tipo de sentença não basta: “A enunciação performativa se dirige sempre a uma comunidade que está representada pelos indivíduos presentes. Neste sentido, significa a representação de um ato social. Graças a ele não apenas se realiza o enlace matrimonial, mas simultaneamente este também é encenado” (FISCHER-LICHTE, 2004: p.32). Esta apresentação pública, ainda que seja apenas diante das testemunhas, se converte, portanto, em pressuposição para o êxito da consumação de um ato.

Austin tinha especial interesse justamente por aqueles casos em que os atos da fala esbarram na realidade, e fazem surgir, assim, uma terceira possibilidade. Os atos da fala performativos podem se caracterizar aparentemente também por sua capacidade de desestabilizar dicotomias conceituais, e até provocar a sua colisão.7 Em oposição às duas primeiras caraceterísticas – auto-referencialidade e constituição de realidades – a condição institucional, que segundo Austin é decisiva para determinar se um ato da fala performativo é bem ou mal sucedido (sendo verdadeiro ou falso enquanto enunciado), não pode ser simplesmente transferida a uma apresentação de teatro. No exemplo da performance Lips of Thomas, de Marina Abramovic, de 1975, se demonstra que o quadro institucional de uma representação artística, de modo algum, é inequívoco. A performer nua – que talhava um pentagrama na barriga com uma gilete, se autoflagelava e deitava sobre um bloco de gelo situado debaixo de um aquecedor, fazendo com que a ferida sangrasse ainda com mais força – meia hora depois foi libertada desta posição por espectadores irados. Afinal, esses espectadores violaram as condições institucionais daquela representação ou, antes, as satisfizeram com a sua ação? Se pode considerar que a performance foi bem sucedida graças, apenas, à sua colaboração, ou, em vez disso, eles a destruíram? Por fim, qual é o limite de uma apresentação como esta e de que modo se pode garantir o seu êxito?

Em comparação ao ritual social do casamento, na apresentação artística as condições institucionais que decidem o sucesso ou o fracasso da realização dos atos (da fala) são de difícil definição. Diferente do caso de atos da fala bem sucedidos (“Eu os declaro marido e mulher” como padre na presença dos noivos e das testemunhas, e cumprindo com determinadas condições prévias, como por exemplo que se exclua a bigamia, que os proclames tenham sido realizados em tempo, etc.) e contrastando claramente com as apresentações teatrais tradicionais (em que não se questiona a distinção entre parecer e ser, entre ator e espectador, responsáveis e visitantes, produtor e consumidor, entre o que oferece e o que recebe, etc., nem através da disposição do espaço, nem da “cenografia”, nem do comportamento dos funcionários do teatro, nem da “maneira de atuar” dos atores, nem através de nenhuma outra alternativa oferecida aos visitantes da apresentação), o performativo tanto nas apresentações de Abramovic quanto em outras encenações pós-dramáticas faz com que algo entre em colisão resultando na destruição da usual bipartição entre ator-espectador, e entre produtor-consumidor.

Na verdade, a troca de papéis de espectador para colaborador (no fundo já provocada por Brecht com o Verfremdungseffekt) representa um veículo frequente da arte performativa para promover uma oscilação de interpretações e deste modo permitir experiências limítrofes: estas se distinguem das experiências de teatro convencional em que alguém “interpreta como limite (até mesmo insuperável), o que é percebido pelo outro como espaço de transição convidando a cruzar para o outro lado” (FISCHER-LICHTE, 2004: p.358). O que se transpassa então são “as fronteiras entre palco e espectadores, indivíduos e coletividade, ou entre arte e vida” (FISCHER-LICHTE, 2004: p.358), e se transpassam justamente como espaços de transição, ou seja, travessias transformatórias em que se pode experimentar novos enfoques, novas formas de reação. “Uma estética do performativo tem como objetivo esta arte da travessia de fronteiras. [...] A fronteira se converte em umbral que não separa, mas une” (FISCHER-LICHTE, 2004: p.356).

Graças a esta mudança de papéis fica estabelecido, e ao mesmo tempo “se faz evidente, que o processo estético da representação se realiza sempre enquanto autocriação, como um laço autopoiético, permanentemente cambiante que interage entre público e atores (laço recursivo autopoiético) Com autocriação queremos dizer que embora todos os implicados a realizem conjuntamente, é impossível que seja planificada, controlada, e neste sentido produzida completamente por uma única individualidade; a autocriação foge de forma permanente ao controle dos indivíduos” (FISCHER-LICHTE, 2004: p.80-81).

O par conceitual produtor-receptor se dissolve. Atores e espectadores figuram por sua atitude como co-atores em uma representação que já não pode ser entendida, consequentemente, como expressão de um sentido pré-existente. Se converte, antes, em evento, em última instância indisponível, não controlável.

O cruzamento de fronteiras no teatro performativo de modo algum corresponde a processos de desdiferenciação, à negação de diferenças ou a nivelamentos. Isso levaria irremediavelmente – de acordo com a teoria do sacrifício de René Girard – à irrupção de violência.8 A produção de “vítimas conciliatórias” (encenadas por exemplo na encarnação do “bode expiatório”, ao qual se atribuem na tradição hebraica ritualmente todos os pecados da coletividade, e que, em seguida, “é enviado ao deserto”, em oposição a um segundo bode que é a vítima real, quer dizer, efetivamente sacrificado, abatido) se pode entender, tal como expõe Girard, como mecanismo de cercear e suavizar o potencial agressivo do grupo inteiro (GIRARD, 1987: p.35-36).  

Portanto, a arte não mexe sem risco nas regras, diferenças e fronteiras sociais que persistem no campo religioso pretendendo banir ou atenuar a sua violência imanente: porque sua violência “religiosa” ultrapassa sua própria medida em um processo de escalação excessiva. Por essa razão o performativo deveria antes preocupar-se com a “superação” de oposições rígidas, com a sua transformação em diferenciações dinâmicas, com uma “tentativa de reencantamento do mundo”, que após o Iluminismo desmoronou nos “pares conceituais dicotômicos” (FISCHER-LICHTE, 2004: p.357) de procedimentos racionais, pela colisão destas dicotomias.

Na transgressão da compreensão herdada de papéis (quem, como espectador, tem, honestamente, vontade de participar de forma ativa de um espetáculo teatral, no início?) encontra-se o sentido social, o político do teatro: “não é o fato de mostrar no palco indivíduos politicamente dominados que faz com que o teatro seja político” (LEHMANN, 1999: p.456). O político como suposição de regras e limites ordenados, como a lei sócio-simbólica estabelece uma medida comum em relação à qual a arte é “sempre a exceção [...]. O teatro como atitude estética é, portanto, impensável sem o momento da violação da norma, da transgressão” (LEHMANN, 1999: p.457). O próprio teatro sequer teria surgido sem o ato de transgredir uma fronteira mágica em que “o indivíduo particular se separava do grupo coletivo” (LEHMANN, 1999: p.459), se destacava e se colocava à frente para desempenhar um papel “especial”.

O teatro, ao abrir a visão logocêntrica do mundo “em que domina a identificação” (LEHMANN, 1999: p.459), e ao eliminar e suspender a função semiótica, torna-se político: ele interrompe as categorias do político, afirma o entre-lugar e encena o seu interesse por tudo que se encontra entre as regras subjacente ao existente, além da significação codificada.

Os “papéis”, cuja rígida distinção entra em colapso no teatro performativo, devem ser entendidos em sentido duplo, ou seja, interior e exterior: enquanto corresponsáveis de uma ação que se constitui no “presente” da performance e, no sentido de uma análise de enquadres de Erving Goffman, como parte do entorno social que constitui o enquadre. É precisamente esta diferença racional-hierárquica entre interior e exterior que deve criar identidade social – via integração e delimitação – e que hoje se encontra em uma situação difícil pelos paradoxos desconcertantes de auto-referencialidade e autopoiese.

Com a mudança de papéis promovida pelo entorno performativo colapsam, com frequência, convenções “estabelecidas”: deste modo, o espectador “tradicional” confia na perfeição elaborada da obra de arte que o espera e a que ele está disposto a admirar. Ele se alegra de antemão com a ideia de ir ver a peça, a encenação, “o Hamlet”, que lhe será oferecido por um determinado – e conhecido – ator. Ele é o verdadeiro rei e diante dos seus olhos se desenrolam os acontecimentos, entre outros, arquivados na forma de “papéis” reconhecíveis e reutilizáveis (cf. a afirmação do ator no exemplo C), e que sempre se encontram à disposição. Se o “laço recursivo autopoiético” de caráter performativo impede que o essencial, o verdadeiro, possa ser controlado em seu desenvolvimento,9 a indisponibilidade se converte em princípio: então escapa ao rei freguês o poder de recorrer a algo seguro, e pode ocorrer, em qualquer momento, que o ator cause decepção ou que a peça não provoque riso, ainda que se tenha “encomendado” uma comédia. As demandas consumistas de um público aristocrático-burguês refestelado em sua poltrona são afrontadas pelo performativo no mesmo modo como desaparecem as oposições dicotômicas entre ator e espectador ou entre “papel social” e “privado”.

Esse processo de desierarquização se inicia já no autor – e o dramaturg que, a partir de meados do século XX, no teatro em língua alemã, ganha uma nova imagem profissional situada entre autor e diretor – e seu texto, aquela instância irrefutável desde os autores trágicos gregos, ainda hoje respeitada basicamente (com razão), e apenas limitada do ponto de vista jurídico e modificada de acordo com critérios de editoras especializadas na publicação de peças de teatro. Formas teatrais pós-dramáticas e performativas rompem com esta situação – do modo mais simples, quando textos sequer são usados, ou quando passam a ser inventados por elas próprias.10

O sólido, o tocável, e assim também o manipulável se dissolvem pelo efeito corrosivo do performativo e escapam às mãos de um público desejoso que os quer agarrar. Permanecem em seu lugar, o fluido, o transitório e a lembrança de acontecimentos que flutuam, em alguma parte do tempo, apenas em sua forma processual. Ainda que esta condição caracterize a essência do processo teatral, a sua presença central ao mesmo tempo viola uma exigência tácita dominante de qualquer “obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”: ser arquivável, segura e sempre dócil (BENJAMIN, 1979). E, neste sentido, podemos supor que o performativo é precisamente aquilo que ameaça a substância dramática do teatro e por outro lado preserva, e talvez até salve, o cerne do processo teatral.

Do dito se deduz que graças à força do “laço autopoiético recursivo”, construtor de realidade, destruidor de dicotomias, se vê invertida outra característica essencial do teatro dramático: a “representação”: não se imita, não se “interpreta” uma “presença” existente em outro lugar (a obra, a fábula, a personagem, etc.), mas se produz uma encenação. Um evento ocorre, aqui e agora, de forma individual, imprevisível e irrepetível – o fugaz “produto” instantâneo de uma combinação e uma combinatória cada vez distintas de convidados, artistas e fatores espaço-temporais, inclusive da temperatura e de todos os demais elementos casuais, e ainda das perturbações que formam parte do acontecimento, do mesmo modo que as ações planejadas e previstas.11 Sobretudo o que muda em cada apresentação é o público, e mesmo se este permanecesse igual, as suas vivências e reações não seriam idênticas às do dia anterior, em função das diferenças dos momentos temporais e das suas circunstâncias particulares, e sobretudo em função da própria repetição e das lembranças por ela motivadas.12

Neste sentido, a performatividade não é algo novo, mas apenas a expressão radical do caráter de evento básico do teatro, que de qualquer modo se superpõe a qualquer apresentação significativa, tornando-a impossível por definição, por ser irrepetível e, portanto, uma utopia. O prefixo “re” na representação é seu próprio inimigo: enquanto “re” reflexivo, ou seja, como referência, se vê relativizado (se não anulado) pelo “re” da repetição temporal. Na medida em que exige igualdade, re-produção, ele se torna ridículo pela própria efemeridade. Talvez possamos localizar no teatro burguês a tentativa desesperada e sempre fracassada desta utopia, tal como Adorno a reconheceu na figura de Ulisses. (ADORNO, 1987). A realidade é ou incontrolável, ou inexperimentável. Apenas pelo preço da fascinação, por ser acorrentado ao mastro, pelo preço do fascinum, do remo mágico-defensivo do barco que passa remando, febril, Ulisses é capaz de compartilhar da beleza do canto das sereias: os remadores livres não o escutam por terem os ouvidos tapados preventivamente. A realidade escapa ou irrompe tão logo seja presa ou limitada. É impossível retê-la, e o seu gozo provavelmente só seria possível se deixássemos de querer controlá-la e domesticá-la. Uma sociedade (burguesa) que cristaliza e canoniza a sua arte já perdeu ou silenciou esta arte. Os verdadeiros “performers”, os espectadores, passam sem saber por cima dos cadáveres e celebram a si próprios e seus trajes de noite. O resto do drama antigo se torna mera autoafirmação dos espectadores que flanam pelo teatro em pares: “pênis e vagina, pênis e vagina, pênis e vagina, sempre lado a lado”, diz René Pollesch citando Brecht, que supostamente teria feito esta observação mordaz ao presenciar a chegada do público ao Berliner Ensemble (POLLESCH, apud RADDATZ, 2007: p.205). O teatro performativo é a tentativa de romper esta condição trágica tornando a arte disponível, no entanto, apenas como experiência transitória, evento histórico irrepetível e, ao mesmo tempo, configurado coletivamente.

O termo “representação” expressa a reprodução de uma “pré-sença” supostamente em outro lugar que aqui está ausente, mas “representada” pelos significantes do teatro semiótico. Onde se localiza esta ausência? Se quisermos evitar a metafísica deste não-lugar, desta utopia, é inevitável definir, como empreendimento impossível, a representação em sua totalidade e, portanto, ela mesma como utopia. Uma dialética interessante e ainda inexplorada encontra-se na ideia de que a sociedade burguesa, em sua eterna busca deste não-lugar (na forma de obras artísticas impossíveis e sua repetição fracassada) possivelmente é mais revolucionária por causa da conservação dessas utopias do que a tentativa pós-pós-moderna de se desfazer destas utopias e se estabelecer na confiança com respeito a uma imanência pura do aqui e agora.

Uma vez definida a “performatividade” – como estrutura desierarquizante, auto-referencial e construtora do real das apresentações teatrais, permitindo enxergar o seu caráter básico de evento ao transgredir definições tradicionais de teatro como “laço autopoiético recursivo”, paradóxico ao provocar oscilações entre distintas interpretações e ao desestabilizar dicotomias – podemos questionar o caráter do autêntico no palco e enfrentar o problema central do sentido estético e da significação social da performatividade.

Como ficou claro, do caráter básico de evento do fenômeno teatral se depreende, como consequência estética essencial, a desestabilização da distribuição de papéis e a ênfase sobre a ambiguidade, a não ser que este caráter esteja domesticado e desativado (como ocorre no caso de Ulisses) pela canonização de determinados papéis. Na medida em que o teatro (dramaturgia, direção, atores) está agora disposto a relativizar o semiótico e a abrir-se ao “imaginário”, pode extrair autenticidade a partir deste seu caráter de evento, ou seja, “aquilo que é o caso”13 e reproduzir o “mundo” de forma melhor e mais completa ou inventar um mundo novo, em contraposição àquilo que supostamente seria, ou deveria ser, o caso, há muito desacreditado pela história.

Roland Barthes é o observador que, na perspectiva de seu projeto teórico, atribui ao signo uma significação que vai muito mais além de sua mera consideração como significante, emancipando, deste modo, tanto a materialidade de pessoas e coisas, cores e sons, que configuram uma apresentação teatral, como também o dificilmente reproduzível valor próprio das ideias e das imagens imaginadas pelos sujeitos, da primazia da significação (objetiva), do semiótico: “São preferíveis as ilusões da subjetividade à mentira da objetividade – é preferível o imaginário do sujeito à sua censura” (BARTHES, apud LINDER, 2008: p.98).

IV

Uma conversa realizada em novembro de 2008, com Frank Raddatz, teórico em artes cênicas e diretor do mais renomado periódico alemão dedicado aos estudos teatrais, Theater der Zeit, permite ilustrar de forma diferenciada a tensão entre representação, performatividade e autenticidade em apresentações teatrais.

Representação em crise

WAGNER-LIPPOK: Cenas performativas lembram a oscilação entre diferentes realidades interpretativas. Tenho a impressão que ali uma realidade passa a outra sem interrupção, e creio ser possível descrever essa situação matematicamente pela fita de Möbius. Uma fita normal tem dois lados, se nós cortamos e torcemos 180 graus um dos extremos, colando as duas pontas novamente, obtemos uma fita de Möbius com apenas um lado. E isso é terrivelmente fantasmagórico. Ao dizer que me encontro em um dos planos (da realidade) e olhar para cima, encontro-me simultaneamente também no outro plano, de onde olho para baixo. De fato, apenas preciso caminhar alguns passos e já chego lá embaixo, agora mesmo não posso demonstrar, mas quando alguém vai andando por esta fita acaba chegando ao mesmo lugar, no entanto abaixo de si mesmo em sua posição original, olhando para baixo. Isso significa, portanto, que nos encontramos diante de duas realidades em uma superfície normal; pensamos estar sozinhos lá em cima e cremos que lá embaixo se encontram os antípodas. Em nosso caso isso significa que: eu me encontro na “realidade” agora e o outro plano é o interpretado. Que se possa passar de um ponto a outro me parece como um sonho para o artista que trabalha performativamente. Tal como faz Marina Abramovic em suas performances, em que ela causa dores corporais extremas a si mesma, provocando emocionalmente os espectadores até fazê-los subir no palco para interromper a história. E deste modo, cria-se a situação em que eles já não sabem se continuam sendo espectadores ou se já fazem parte da performance. Dito de forma mais taxativa, se não é justamente porque querem interromper a performance que participam dela. Bom, esta é a ideia com que estamos trabalhando, no sentido da fita de Möbius, de uma fita paradoxal.

RADDATZ: Neste último exemplo também fica muito claro como esta categoria é forçada: o que ela descreve é claramente uma performance artística, isso não tem nada a ver com o teatro. Teatro, na verdade, significa reflexão. Mas claro que existem pontos de contato.

WAGNER-LIPPOK: Sim, isso me lembra Harold Pinter, que nos anos 70 experimentava essas formas em suas peças. Mas é verdade que também há crises matrimoniais que começam assim, quando de repende a comunicação se transforma em uma série de mal entendidos, inclusive em guerras conjugais, e em guerras autênticas; tem gente que de fora quer interromper ou reorientar, dizendo: bom, agora falando sério, de verdade, falando como atores. Mas então tem um deles que continua interpretando o papel, e nesse momento já nos encontramos diante de uma situação paradoxal. Se o teatro pretende imitar a vida, então também deve representar estas estruturas paradoxais, porque também fora do teatro desempenhamos estes distintos papéis: ou estamos dentro, ou fora de um papel...

RADDATZ: Mas realmente não precisamos ficar presos a esta lógica mimética. Na realidade o intento consiste em desprender-se da estrutura mimética; devemos afirmar estes espaços artísticos como realidade própria; que eles também afirmem outras realidades distintas à realidade em que nos movemos, e que justamente a qualidade da arte signifique que não duplicamos o que já conhecemos. E é precisamente este outro espaço que se abre aqui que me permite experimentar. Uma peça que escrevi trata da história de um soldado que ficou traumatizado pelos acontecimentos da guerra do Vietnam e que conta a uma psiquiatra o que passou na guerra. Seu amigo foi atropelado depois de haver pulado de uma torre, quando na verdade teria sido a sua vez de pular. Por essa razão ele se sente culpado e, para vingar o seu amigo, começa a matar muita gente. Depois de cada assassinato sente uma necessidade maior de vingança, etc. Ao final, os mortos o perseguem, e ele abusa dos cadávares das pessoas que matou e lhes arranca o coração, é uma história terrível.

De vez em quando se produzem interrupções e aparecem citações da Ilíada, de Homero, e então dá-se conta de que a Ilíada descreve exatamente o mesmo: Aquiles, que perde seu amigo, Pátroclo, quando lhe diz: - Faz você. E Pátroclo realiza esse intento desgraçado de atacar Tróia. Nesta empreitada ele perde a vida por causa da intervenção dos deuses. Então Aquiles inicia sua vingança, e depois de causar a morte de uns quantos, precisa de mais e, no final, é a vez de Heitor, e, como isso não lhe basta, então arrasta o cadáver até o alto e celebra um grande funeral, e o que descreve é isso: um funeral no Vietnam, os rituais que se celebram lá para despedir-se dos mortos e tudo isso.

E isso continua de forma paralela, e o que faz com que seja tão inquietante é que ambos os fatos sucedam com milênios de distância entre si, e em planos de linguagem completamente diferentes, de modo que se produz um eco muito estranho. No entanto, na Ilíada, e esse é o grande mérito de Homero, se consegue uma superação da vinguança quando o pai de Heitor, Príamo, se introduz secretamente no acampamento de Aquiles e exige a devolução do seu filho. E então começam ambos a chorar e se contam os horrores da guerra, e se dão as mãos, e Príamo, coisa que ainda não havia acontecido nunca –  um pai cujo filho foi morto por outro – lhe pega a mão, e começam a comer juntos, e Aquiles ordena secretamente que limpem o cadáver que ele maltratou brutalmente, e que o envolvam em lençóis limpos, etc. De repente, voltam a abraçar ideias humanistas e dizem: agora disfrutamos de uma trégua, “para que continuar lutando?” Neste momento, ocorre pela primeira vez a civilização da guerra. E esse é o sentido último da Ilíada de Homero: não a glorificação de uma guerra de dez anos, mas, por assim dizer, a ideia de “Canta, ó Musa, a ira de Aquiles” – e ao final, mostrar como essa ira pode ser superada.

 

Mas para essa ideia não há nenhuma equivalência: onde encontrar um exemplo de um abraço amistoso entre um general americano e outro vietcongue? Ou qualquer outro exemplo comparável de uma guerra do século XIX ou XX? E aí se abre de repente um abismo.

Em última análise, não consigo mais entrelaçar ou emaranhar as fitas (de Möbius), se partir de duas fitas, porque uma delas se rompe.

V

Um caminho independente pelo terreno da representação, performatividade e autenticidade das encenações teatrais é trilhado pelos integrantes do Institut für Angewandte Theaterwissenschaften (Instituto de Ciências Teatrais Aplicadas), da cidade de Giessen, cujo diretor Heiner Goebbels é o criador da performance com máquinas, citada inicialmente. Desta escola procedem também as (quase exclusivamente) mulheres do grupo de performance She She Pop (SSP). No workshop True Fiction – Performing the Self, realizado no Institut del Teatre de Barcelona entre 2 e 5 de fevereiro de 2009, televisionado pelo canal BTV, o grupo demonstrou de que modo cria autenticidade no palco.

O “trabalho do ator sobre si mesmo” e – para citar o segundo título conhecido de Stanislávski – “o trabalho do ator sobre o papel” coincidem aqui: SSP emprega para suas apresentações e workshops elementos da própria biografia como matéria e modelo para a construção do papel do eu, uma biografia instantânea, sem dimensões fixas, convertendo-se em uma função constituída pelas atribuições realizadas por si mesmo e pelos outros, pelo aglomerado diário feito de crenças e preconceitos, recordações e ideias, emoções atuais e percepções como as que agora mesmo assaltam o “dono” deste eu efêmero. No palco se elabora uma identidade multifacetada, flexível, em frequente contradição consigo mesma, que se pode chamar de estratégia. O dispositivo do grupo SSP são estratégias para a auto-representação que se assemelham essencialmente às estratégias artísticas: os membros do grupo SSP se encenam a si mesmos e a seu público no processo recíproco entre o espaço livre e as fronteiras na encenação, e deste modo, invertem a dúvida sobre a autenticidade do sujeito.

A exigência de ser autêntico deixa deste modo de se dirigir ao indivíduo para ser realizada pela situação. Esta deve ser aproveitada ao máximo, o que demanda uma estratégia. Os participantes atuam de forma autêntica na medida em que seguem esta estratégia no quadro dessas condições e regras.

Estas representações são mais “autênticas” por sua dependência de uma situação? Será que as qualidades profissionais dos atores podem concorrer com não profissionais eventualmente superiores? Existe alguma diferença entre performers e atores profissionais? Em outras palavras: Onde está a fronteira entre autenticidade e interpretação? (MATZKE, 2006: p.96). O performer é, no grupo SSP, criador e protagonista de sua ação no palco; não há autoria prévia, nem dramaturgia, nem direção. Ocorre uma “autoencenação”.

Uma das conclusões decisivas do projeto Invasió de la realitat – formes performatives en el teatre contemporani (projeto teórico-prático realizado por Frithwin Wagner-Lippok e Christina Schmutz em 2008, cf nota nº 1) foi que uma situação de atuação bem definida (game) pode motivar improvisações fascinantes capazes de eletrizar um público atual, familiarizado com a mídia, pelo menos do mesmo modo que as mudanças “surpreendentes” de uma ação dramática (play). É interessante que esta observação nos conduza ao conceito de surpresa, de imprevisível, com o que aparece um novo aspecto da “autenticidade”: verossimilhança no sentido de ausência de planejamento do transcurso da ação ou da atuação. Os membros do grupo SSP destacam a diferença entre game e play: um play possui (graças ao texto dramático) um fio argumentativo já dado que, na segunda leitura ou visão, não surpreende pelos acontecimentos que contém mas porque ele mesmo é quase inacreditável (não trivial ou banal) e porque esconde em seu interior algo indeterminável, incompreensível, um enigma, a decisão inexplicável de um dos responsáveis pela ação (do personagem dramático) ou o inexplicável do próprio mundo e de sua configuração (no caso de personae tipificadas ou alegóricas). Apesar de frequentes repetições, a surpresa mantém o seu vigor como a primeira vez, e, no caso das grandes obras dramáticas, torna-se ainda maior e mais profunda. Em contraposição, um game é superior graças ao transcurso aberto da ação: neste sentido, mantém constantemente a intriga porque não se sabe o que acontecerá quando performers talentosos começam a trabalhar com ideias sempre novas e com novos elementos de tensão.

À tensão extrema cabe opor, no game, a qualidade (do mesmo modo pouco previsível) da atuação. Uma performance, como as típicas do grupo SSP, pode representar, apesar de ser autêntica no sentido da imprevisibilidade de decisões de atuação, uma repetição banal ou trivial de experiências cotidianas e, em sua qualidade de cópia, converter-se apenas moderadamente em “autêntica”. A diferença entre dois lados do aspecto “imprevisibilidade” da autenticidade (a novidade de um procedimento como fato e sua novidade de conteúdo) também ficou clara no workshop. Especialmente nas performances do final, houve momentos surpreendentes, altamente preciosos; no entanto, a maioria das representações se orientou no sentido de “formatos” de autointerpretação conhecidos e previsíveis.

Deste modo, se adivinha uma diferença essencial entre arte dramática e arte performativa, e ao mesmo tempo seu dilema, que pode ser formulado provisoriamente do seguinte modo: o primeiro deles tem a tendência de sofrer uma carência de representação surpreendente e espontânea e neste sentido autêntica, e assim mesmo de desenvolvimento da ação no palco; o último sofre muito pela ausência de procedimentos ou de ações que tenham um conteúdo interessante, que mereçam ser vistos e que neste sentido sejam “autênticos”, quer dizer novos, ou representados desta maneira. Atores empenhados ou performers talentosos podem compensar, em grande parte, a debilidade do gênero em que trabalham, de modo que em ambos os casos se pode oferecer ao público diversão de alto valor.

Por último, não quero deixar de mencionar um aspecto relacionado com as estratégias onde se utiliza material autobiográfico (como no caso do grupo SSP): como se soluciona o problema da representação cênica autêntica quando se coloca a questão “verossímil ou não” ou quando a “autenticidade [...] não é realidade pura mas um efeito da representação, uma estratégia especial da encenação” (KURZENBERG, 2005: p.111) e em consequência se necessitam sensibilidade e intimidade para “afiançar o que se apresenta”? Se converte, então, a verossimilhança irradiada no novo critério pragmático do “autêntico” a ser respeitado, no grupo SSP, tanto pelos intérpretes amadores quanto pelos profissionais? E não terá um ator profissional em última análise, melhores condições quando simplesmente adota a estrutura performativa, a atuação com a própria autobiografia? Neste contexto vale a pena reproduzir um pequeno extrato da entrevista entre o catedrático de teatro e dramaturgo Samuel Weber e Kathrin Tiedemann, diretora do Forum Freies Theater FTT de Düsseldorf, que também participou ativamente do projeto (RADDATZ e TIEDEMANN, 2007: p.37-38):

KATHRIN TIEDEMANN: Talvez você tenha ouvido falar do grupo Rimini Protokoll que costuma desenvolver seus conceitos teatrais a partir das narrativas biográficas das pessoas com quem trabalham como atores. Outros diretores fazem com que os papéis de bombeiro em cena sejam atuados por bombeiros de verdade.

 

SAMUEL WEBER: Desconheço estas encenações. Mas o conceito de realidade que se esconde por trás da ideia de “bombeiro de verdade” me parece suspeito. Um conceito geral se representa aqui como realidade. Mas a realidade da que falamos neste caso é o mundo de mercadorias, que aparentemente se desenvolve através de categorias autoidênticas, como as marcas, mas, ao mesmo tempo, desvaloriza as pessoas como produtos de marca hipostasiados e deste modo as despoja de sua singularidade. A realidade me parece muito mais ambivalente e heterogênea [...] Por isso, a tendência de levar ao palco um bombeiro como exemplar dos bombeiros em geral pode representar, em última análise, o auge da estetização.

Observações finais               

As apresentações “autênticas” sem dimensão performativa, e que portanto se podem descrever integralmente como representações, aludem necessariamente a uma “presença” metafísica que “representam”. Esta posição é questionada desde princípios da era moderna (Descartes). Por isso os modelos mais críticos, os que questionam esta presença, dão um passo além, ainda que não se trate de uma resposta materialista (como faz Brecht). Os modelos puramente representativos não possuem essa perspectiva crítica e neste aspecto são mais incompletos que aqueles que tematizam, questionam, experimentam ludicamente a condição tácita prévia de uma presença fora da ação cênica do aqui e agora.

Entretanto, é possível pensar em apresentações representativas “autênticas”, por exemplo quando as crianças interpretam “personagens” de modo verossímil no palco. Diante disso, o conceito de “autêntico” se desvincula do observador e se converte em um atributo do intérprete. Em resumo: quando ele sabe ou pode saber que “o personagem” representado por ele é questionável por sua existência ou, dito de outro modo, é duvidoso em sua qualidade, então deixa de ser “autêntico”. Está antes ocultando uma parte da “verdade” independentemente se o espectador percebe ou não. Esta “verdade”, o suposto saber entre o palco e o público, constitui o pacto básico da peça teatral, composta pela coexistência de um texto e um papel, em que aos atores e espectadores são atribuídas tarefas distintas (complementares).


Por esta razão se definiu autenticidade como a qualidade relacional entre o ator e o público. Se supostamente no teatro se vêem refletidas e previamente modeladas as ações sociais, cabe deduzir daí o “sentido social” da performatividade teatral: o ator “autêntico” oferece sob a máscara do paradigma cênico um modelo de papel, cuja qualidade essencial é a relação autêntica e fiel à verdade entre ele e o observador. O espectador pode contrastar e examinar neste modelo de papel seus modelos e outros modelos de papel.

Como resultado se ganhou uma rearticulação do conceito de autenticidade em relação ao ator e à cena: não se trata de mera questão de gosto afirmar qual tipo de representação cabe considerar como “autêntica”, mas este traço depende, na perspectiva pragmática, das relações interpessoais (válidas ou questionáveis) e das expectativas com respeito às formas que se cristalizaram a partir destas.

Referências

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BENJAMIN, Walter. Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit. Drei Studien zur Kunstsoziologie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1979.

FISCHER-LICHTE, Erika. Ästhetik des Performativen. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2004.

GIRARD, René. Das Heilige und die Gewalt. Düsseldorf: Benziger Verlag, 1987.

GOFFMAN, Erving. The Presentation of Self in Everyday Life. University of Edinburgh Social Sciences Research Centre. Anchor Books edition, 1959.

KURZENBERGER, Hajo. Theatralität und populäre Kultur. In: Gabriele Klein e Wolfgang Sting (orgs.). Performance. Positionen zur zeitgenössischen szenischen Kunst. Bielefeld: Transcript Verlag, 2005, p.107-123.

LEHMANN, Hans-Thies. Postdramatisches Theater. Frankfurt am Main: Verlag der Autoren, 1999.

LINDER, Christian. Fragmente der Wollust. Außenseiter und Veführer – Über Leben und Werk von Roland Barthes. Lettre, Herbst, 2008.

MATZKE, Mieke. Spiel-Identitäten und Instant-Biographien. In: Gabriele Klein und Wolfgang Sting (orgs.). Performance. Positionen zur zeitgenössischen szenischen Kunst. Bielefeld: Transcript Verlag, 2005, p.93-106.

RADDATZ, Frank-M. Interview mit René Pollesch. In: ____. Brecht frißt Brecht. Neues Episches Theater im 21. Jahrhundert. Berlin: Henschel Verlag, 2007.

RADDATZ, Frank-M. e Kathrin Tiedemann (orgs.). Reality strikes back – Tage vor dem Bildersturm. Verlag Theater der Zeit, Recherchen 47, 2007.

 

 



Notas

1 Este texto se superpõe, em partes, ao artigo “Invasió de la realitat  – formas performativas no teatro contemporâneo”, publicado na Revista Estudis Escènics, 2009. Ele contém as conclusões básicas do Projeto teórico-prático com o mesmo nome, realizado por mim e Christina Schmutz em 2008, com apoio da Generalitat de Catalunya, Institut del Teatre, Instituto Goethe, Internationales TheaterInstitut (ITI), Allianz, Departamento de Alemão da Universidad de Barcelona e da Sala Beckett.

2 O exemplo A alude a performance de Heiner Goebbels de 2007, uma encenação auditiva e visual em um palco vazio, com sons e imagens criados ao vivo; pode-se ver, por exemplo, um solo de piano interpretando Bach enquanto chove. Goebbels se interessa em distanciar-se do teatro centrado no texto e nos personagens para dar lugar a outros aspectos, como as coisas que Albert Stifter trata com tanto carinho. O exemplo B é uma breve encenação da diretora de cinema turca Ayse Polat e faz parte do Projeto teatral X Wohnungen Berlin 2004. Theater in privaten Räumen (Casas X Berlin 2004. Teatro em espaços privados). Sabine Schouten recorreu a esta experiência para apresentar seu tema Sinnliches Spären – Wahrnehmung und Erzeugung von Atmosphären im Theater  (Observação sensível – percepção e criação de atmosferas no teatro); a atmosfera da entrada no edifício, com os três tipos mal encarados, em contraste com a atmosfera kitsch dos almofadões do sofá no apartamento da velha senhora. O exemplo C é a descrição detalhada da nossa “performance cênica”, que teve lugar no Obrador da Sala Beckett de Barcelona em 28 de fevereiro e em 1 de março de 2009, e que faz parte do projeto mencionado no título.

3 Como as palestras acompanhadas de slides privados (aparentemente) improvisados de Lili Fischer, ou a conferência de microbiologia sobre o crescimento das células e tumores que Xavier Le Roy articulou, em 1998 em Viena, com a pose ao vivo do seu torso nu.

4 O conceito de “pós-dramático” é inadequado para a distinção entre produções de teatro estabelecido e de teatro livre, o que é visível nas encenações de teatro estabelecido, como as da Volksbühne de Berlim, que por várias razões são rotuladas com este termo, em oposição a certas produções livres que baseiam sua inovação, por exemplo, em duplicar uma parte da ação que ocorre no palco pelo uso do vídeo. Igualmente questionável é o critério de idade segundo o qual diretores como Frank Castorf ou Jürgen Kruse já não são classificados como “pós-dramáticos”, apesar de ambos romperem, em sua estética, muito mais regras “dramáticas” que muitos de seus epígonos.

5 “Efetivamente se pode tentar desviar a atenção dos espectadores em direção ao ruído de uma pedra que se desloca lentamente, descobrir ‘coisas’ que talvez não estejam tão afastadas de uma experiência com a natureza – ou que desta maneira se descobrem a si mesmas em outras dimensões”. Heiner Goebbels em uma entrevista com Peter Laudenbach sobre sua instalação Stiftersdinge, In: Tip, Berlin, 10 de abril de 2007.

6 John L. Austin introduziu em 1955 o conceito “performativo” na filosofia da linguagem no contexto de sua série de palestras  “How to do things with words”, na Universidade de Harvard.

7 No decorrer de suas aulas, por exemplo, Austin apresenta o fracasso do par conceitual “constativo” – “performativo” e deste modo demonstra que é precisamente este vínculo com a realidade, em última instância, a causa para que as oposições dicotômicas se tornem imprecisas e comecem a oscilar.

8 “O religioso tenta incansavelmente suavizar a violência e procura evitar seu desencadeamento. O religioso e a conduta moral têm como objetivo (...) a renúncia à violência, e para chegar a ela contam de forma paradoxal com a mediação da violência” (GIRARD, 1987: p.35-36).

9 Uma citação, talvez barthesiana, captada ao acaso, se converteu no lema do projeto: “O essencial é desconhecido, o essencial não se pode controlar: o momento exato da morte”.

10 Talvez o boom da dança-teatro nos últimos anos possa estar relacionado com isto: a coincidência do caráter performativo com a renúncia ou a impossibilidade do texto, ao mesmo tempo se evitando um problema do “teatro falado” em termos de direitos autorais.

11 Deste fato se deduz que o teatro performativo não esteja necessariamente sujeito a espaços teatrais concretos e condições externas determinadas, mas antes privilegie a influência acidental do vento e das condições climáticas, da luz, dos ruídos, etc, em “localizações” pouco habituais e dificilmente controláveis, como parte do acontecimento teatral – condições que em medida limitada são também válidas para as apresentações ao ar livre; o que demonstra que o teatro convencional, em parte, também se contenta, e até flerta, com os riscos e os imponderáveis (performativos).

12 Jerôme Bel parodia este efeito e a sua “aporia” de “repetição” (que “afeta em cheio” não só os espectadores que retornam à encenação mas também os atores que voltam a atuar) em sua encenação de dança The last peformance (apresentada, em 1999, no dia da dança no Theater am Halleschen Ufer Berlin), em que os atores realizam e repetem várias vezes ações parcialmente vazias de sentido, cada vez mais fragmentadas, e por último apenas gestos residuais, através dos quais os espectadores lembram as partes vistas no começo, e sem querer se dispõem a (re)construir mentalmente “toda a cena” – agora como participantes ativos. No final, não sobra literalmente nada, nem da “peça”, nem dos bailarinos: eles desaparecem do palco, sendo a sua última ação deixar um aparelho reprodutor de som no palco vazio, que no final vai nomeando em voz alta e de forma um pouco fantasmagórica todos os espectadores presentes. Esta cena é citada em perform 13, realizada por mim e Christina Schmutz, onde depois do ditado da terceira parte são lidos os nomes dos espectadores junto com suas notas no ditado e devolvidos seus cadernos. No que se refere a The last performance, de Jerôme Bel, cf. Peter Stamer: “Ich bin nicht Jerôme Bel – Überlegungen zum Verhältnis von Figuration/Räpresentation im Tanztheater”, in: Bettina Brandl-Rissi, Wolf-Dieter Ernst, Meike Wagner (eds.). Figuration – Beiträge zum Wandel der Betrachtung ästhetischer Gefüge. Epodium Verlag, Mainz 2000, serie INTERVISIONEN, Texte zu Theater uns anderen Künsten (vol.2).

13  Segundo a proposição I de Ludwig Wittgenstein em seu Tractatus logico-philosophicus de 1918, “o mundo é tudo o que é o caso”. Em uma apresentação teatral, o caso não apenas são seus significantes e seus significados pretendidos ou analisados, mas também, por exemplo, todos os outros fenômenos percebidos, provocados ou reativamente produzidos, tais como ruídos secundários, associações, atmosferas, etc., e todos os seus efeitos retroativos.

 

FRITHWIN WAGNER-LIPPOK é diretor de teatro, formado no Drama Department da Brock University, em Ontario (Canadá). Fundou o Theater Tantalus em Freiburg, Alemanha (1990), onde dirigiu todas as peças. Foi assistente, entre outros, de Jürgen Kruse e Wolfram Mehring. Diretor e Dramaturgo na Freie Kammerspiele Köln (1997-2000). Assistente de direção no Staatstheater Kassel (2000-2001). Seu primeiro projeto “pós-dramático” de teatro catalão-germânico foi Einsamkeit Solitud 2000, adaptando Na solidão dos campos de algodão, de Bernard-Marie Koltès. A partir de 2000, manteve colaboração regular com Christina Schmutz, com quem produziu e encenou, entre outros, Peix per Peix, de Roland Schimmelpfennig; Deu és un DJ, de Falk Richter; Nomades, de Ulrike Syha e, em 2010, la festa.el foc.la ciutat, de Anja Hilling.

FRITHWIN WAGNER-LIPPOK was trained as an actor and director at the Drama Department of the Brock University, Ontario (Canada). He founded the Theater Tantalus in Freiburg (1990), where he directed all the plays. He worked as an assistant with Jürgen Kruse and Wolfram Mehring. He was appointed director and dramaturge of the Freie Kammerspiele Köln between 1997 and 2000 and was assistant director in Staatstheater Kassel 2000-2001. He realized the first catalan-german “post-dramatic” theatre project: Einsamkeit Solitud 2000 adapting En la solitut dels camps de cotó by Koltès. Since the year 2000, he is a regular collaborator of Christina Schmutz, with whom he staged, among others: Peix per Peix by Roland Schimmelpfennig; Deu és un DJ by Falk Richter; Nomades by Ulrike Syha (International Theatre Festival of Sitges); no dormim by Kathrin Röggla, and in 2010, la festa.el foc.la citutat, by Anja Hilling.