VIEWPOINTS E O MÉTODO
SUZUKI – UMA PALESTRA COM DONNIE MATHER
Donnie
Mather
(Atlantic
Theatre Conservatory, EUA)
Tradução
de Isabel Tornaghi
Resumo
Essa palestra, apresentada na
abertura do II Engrupedança: Diálogos e
Dinâmicas/UNIRIO, em 2009, relata pontos centrais do treinamento Viewpoints,
com base na experiência pessoal do ator Donnie Mather com a SITI Company, dirigida por Anne
Bogart. O texto trata do conteúdo dos diferentes viewpoints, ou pontos de vista, exemplificando
o treinamento, sua aplicação e os resultados, através de diversas produções da SITI Company nos Estados Unidos. Donnie
Mather introduz ainda, o método Suzuki, que segundo ele complementa o
treinamento Viewpoints.
Palavras-chave | Viewpoints
| método Suzuki
| SITI
Company | Anne Bogart |
treinamento
Boa tarde a
todos, como estão vocês? [Risos] Levante sua mão, se você falar Inglês. [Risos]
OK, excelente. Quero agradecer a UNIRIO e à Joana [Ribeiro] por ter me convidado
para dar esta conferência, e ser acompanhado
por Enrique [Diaz], Bel [Garcia], e Isabel [Tornaghi] nesta conversa.
Eu pensei em
falar um pouco sobre a minha história pessoal no estudo de Viewpoints, e como me relaciono com isso, porque é algo de que
normalmente não falo muito, em aula ou em uma oficina. Porque em uma aula,
quando estamos treinando, é muito importante manter o foco nos artistas, para permitir-lhes criar a sua própria relação
pessoal com a técnica.
E isso começa com
uma história: em 1992 eu fui ver uma peça chamada Piquenique de William Inge. E quando
cheguei ao teatro, entrei e o espaço estava vazio. Não havia cenário, apenas um ciclorama branco
no fundo do palco, o chão era branco e inclinado em direção ao público. Esta
peça, Piquenique, fora escrita há quarenta anos, no estilo de
Tennessee Williams, e se passava no Sul dos Estados Unidos da América, na
primeira metade do século XX. Mas quando sentei
no meu lugar, não vi nada que sugerisse esse
ambiente - e de repente as luzes de serviço se apagaram; e os alto-falantes
soltaram um Jazz a todo volume; e se acenderam algumas pequenas luzes roxas fluorescentes
ao redor do palco - os atores adentraram o espaço e a peça começou. E
imediatamente fui transportado para um mundo que era muito específico e não se
precisava de cenário. Os atores usavam trajes de época, havia muito poucos
adereços - acho que um menino atravessou o palco de bicicleta umas duas vezes. Mas
a peça residia nos corpos dos atores e no espaço entre os atores. E aquela noite
mudou a minha vida. [Risos]
Eu queria saber -
mesmo antes da peça terminar - como eles fizeram para criar este mundo?! Que
tipo de formação os preparou para criar essa peça? E assim descobri que a
diretora era Anne Bogart (1951), e alguns dos atores em cena eram membros da
recém formada companhia de teatro.
A sua companhia
de teatro se chamava Saratoga International
Theater Institute [SITI], co-criada com Tadashi
Suzuki, do Japão. E descobri que a prática que eles compartilhavam era uma
técnica que se chama de treinamento Viewpoints
e uma segunda técnica chamada Método Suzuki.
Para mim, essa
história é importante porque eu encontrei o trabalho primeiro no palco e, em
seguida, a técnica. E a razão pela qual eu acho que isso é importante para mim
é que muitas vezes quando alguém fica conhecendo o treinamento pode pensar que
ele é para um determinado tipo de teatro, um único estilo. Então, eu comecei a
praticar com a SITI Company há mais de 14 anos,
com ambas as técnicas, e nos últimos dez anos também tenho dado aulas.
Eu fiquei animado
com o Viewpoints, porque... primeiro,
por ser físico e, em segundo lugar, porque lidava com improvisação. A formação
que eu estava tendo naquele momento se parecia
com uma versão do método americano, a versão americana do método Stanislávski.
E o que aconteceu comigo, eu acho que aconteceu com muita gente nesse
treinamento, é que o trabalho com a emoção apagou a fisicalidade do ator
– por isso, ao entrar em um treinamento assim físico, senti que isso me
abriu, tanto intelectualmente como emocionalmente.
Pessoalmente,
acredito que todas as técnicas estão tentando alcançar a mesma coisa. Mas na
viagem para chegar lá, tomamos caminhos diferentes. Para mim, foi importante porque era físico - até aquele
momento, o único treinamento físico que eu tivera era no teatro musical - e
porque se tratava de improvisação; naquele tempo, como um jovem artista, eu
tinha um medo enorme de improvisação. Então, eu estava interessado em tentar
enfrentar esse medo.
Quando eu pensava
em improvisação, naquele tempo, e ainda hoje penso sobre improvisação desta
forma, é como se fosse uma grande tela branca para um pintor, e a questão que
se coloca é: - Como começar? Há muitas perguntas: - Que cor você vai usar, qual
o tamanho do pincel? Você começa no meio ou no canto? E assim, as perguntas
podem se tornar esmagadoras, e isso também pode paralisar você.
O que aconteceu
quando eu comecei a praticar os Viewpoints
é que ganhei uma lista de ferramentas na qual
eu poderia me concentrar, e focando a minha concentração nessas ferramentas de
repente eu estava livre para improvisar.
Agora, o
treinamento com a SITI Company é único porque você está treinando
simultaneamente com o método Suzuki e eles são complementares, como o Yin e Yang. O método Suzuki
tem uma forma muito rigorosa, dentro da qual o ator deve encontrar a liberdade,
enquanto o Viewpoints lida com
improvisação, o que envolve muita liberdade, e o desafio para o ator é
encontrar a forma dentro dela.
Claro, como
muitos de vocês sabem, Anne Bogart não foi a primeira a articular o Viewpoints, a responsável por isso foi a
Mary Overlie (1946). Ainda assim, tanto a Mary como a Anne concordariam que
esses pontos de vista não são algo novo que apareceu magicamente no século XX – são ideias que todo intérprete vem usando desde o
início dos tempos.
As ferramentas de
que estamos falando destrincham as duas questões com as quais todo ator tem de
lidar: as questões do tempo e do espaço. Na verdade, todos nós estamos lidando
com tempo e espaço, quer você seja um intérprete ou não. Olhando para esta sala
agora, eu vejo como vocês estão usando o espaço, que é diferente de como nós
estamos usando o espaço, e acho que esse fator em comum é importante, porque o
ator tem que "acordar" essas coisas que já existem. Eu gosto de como
a Anne Bogart coloca isso: que essas coisas sempre existiram e ainda assim o
nosso trabalho como artistas é despertá-las.
Mary Overlie
descreve a técnica como um castelo de cartas, se você remove uma carta a casa
cai. Então, o que ela está apontando com isso é que eles são não-hierárquicos,
em outras palavras, "Forma" não é mais importante do que
"Tempo". Acho que isso indica o que é muitas vezes chamado de
filosofia da técnica. Há muitas técnicas que apontam para o texto - o texto como
a coisa mais importante da encenação. Mas, talvez, o diretor Robert Wilson argumentaria
que o movimento, ou a iluminação, podem ser tão importantes quanto as palavras do
texto.
Durante esse
período em que comecei a praticar com a SITI Company, também
passei algum tempo trabalhando com Mary Overlie, com o que ela chama de "Os
Seis Viewpoints"1. A história do que aconteceu ali, de serem
seis e como eles mudaram para nove - acho que são agora - com Anne... [risos] é
que Mary estava ensinando na NYU [New York University] e Anne a conheceu, em
meados dos anos setenta. Anne ficou muito animada porque... Anne também estava
frustrada com a formação do ator naquele momento e estava procurando algo para
revigorar a fisicalidade dos atores. Então, houve esse grande encontro entre o
mundo da dança e o mundo do teatro - Mary é coreógrafa, bailarina e professora
- e Anne veio do teatro e queria “roubar” de outras mídias. Anne pegou esses
seis Viewpoints, os expandiu e
refinou, para torná-los
específicos para atores, mas eu diria que são aplicáveis aos dançarinos
da mesma maneira.
Os Viewpoints2
[Físicos] com que eu trabalho incluem:
· Tempo – que
responde à pergunta "o quão rápido, o quão lento?"
·
Duração - quanto tempo alguma coisa dura.
·
Resposta Cinestésica - um ótimo exemplo disso seria
observar um cardume de peixes em movimento, ou um grupo de aves em movimento. É
uma questão de timing, quando alguma coisa acontece.
·
O viewpoint
da Relação Espacial - tem a ver com a distância entre os corpos. Nós estamos em
uma relação espacial agora [risos], que conta uma história sobre quem somos nós
e quem vocês são neste momento.
·
Há o viewpoint da Arquitetura - usando o espaço real em que nós
estamos trabalhando, e permitindo ao espaço entrar em diálogo conosco.
·
O viewpoint
da Topografia - é a jornada, como se atravessa de um ponto para outro do palco.
·
O viewpoint
da Forma - eu estou criando uma forma agora, você está em uma forma agora, eu estou em outra forma novamente. Então, elas podem
ser abstratas, mas também podem ser muito cotidianas. A forma pode estar
isolada em um corpo, ou [em relação] com outro corpo, ou com a arquitetura.
·
E finalmente há o viewpoint do Gesto - um gesto é uma ação, então ele pode
incluir muitas formas diferentes. Aqui está um gesto, aqui está outro gesto
– ou seja, eles podem ser abstratos ou podem ser cotidianos.
O que fazemos
quando começamos a praticar os Viewpoints é tentar despertá-los de
tantas maneiras diferentes quanto formos capazes. É interessante e divertido
trabalhar com formas e timing de modos diferentes do que nós
trabalhamos todos os dias, no entanto frequentemente é muito difícil trabalhar
com aqueles que estão intimamente relacionados ao nosso cotidiano. Assim, cada
artista começa a ter seu diálogo com essas ferramentas - e em última instância,
este é um trabalho coletivo, então você não está só tentando praticar para si
mesmo, mas está tentando praticar com o grupo, para criar uma conexão de grupo,
que pode mudar, talvez, num piscar de olhos.
Essa é como se
fosse uma história muito breve do treinamento do Viewpoints. Mas para mim, pessoalmente, eu acho fascinante porque o
treinamento se transforma à medida que eu me transformo. Depois de quinze anos,
eu estou mais velho, tenho um jeito diferente,
sou uma pessoa diferente. Meu corpo [também], eu tenho que lidar com um corpo
diferente - e isso pode alterar a forma como eu escuto o grupo, ou uma plateia,
por isso a conversa para mim nunca termina.
Eu acho que isso
também aponta para o fato de que se trata de uma prática, no sentido mais
verdadeiro da palavra; é uma prática. Eu adoro mudar o contexto do treinamento
e chegar a lugares como este; em um cenário diferente, em outra cultura, com uma
língua estrangeira, porque eu sinto que isso também me acorda como artista. Nos
dez anos em que venho ensinando eu aprendi muito, mas também
tenho muito mais perguntas sobre esses assuntos, e acho interessante
oportunidades como essa, de oferecer oficinas como a desta semana, para que eu
possa continuar essa investigação.
Na verdade, me
lembra do que é a estrutura para se atuar; você se prepara, se prepara, e aí
joga tudo fora, para que possa estar presente no momento presente. Há muitos
exercícios que se faz no treinamento Viewpoints
que são comuns, que não mudam, mas eles vão mudar de acordo com o contexto. Por
exemplo, tem um contexto esta semana em que um grupo de artistas vai sentir o gostinho desse
treinamento, muito breve, mas eles vão sentir o gostinho, e por isso há
interesse - o que é ótimo para qualquer técnica, e o desafio de uma oficina
como essa é trabalhar como se você estivesse fazendo isso há muitos anos.
O treinamento com
meus amigos da SITI Company é único, porque eu
os conheço há muitos e muitos anos, portanto, o contexto para mim é: será que
consigo tratar essa atriz de um modo diferente, embora eu já a conheça há muitos
e muitos anos? Não estamos falando apenas de despertar
essas ferramentas, estamos falando também de despertar a nossa atenção, em
geral.
Eu acho que meu
tempo está acabando, então vou contar uma última história. Teve uma peça em que
eu trabalhei – a primeira que fiz com Anne Bogart – era na verdade
uma ópera chamada Os sete pecados capitais,
e foi uma experiência muito estranha, porque fomos convidados pela New York
City Ópera, uma companhia de ópera, e foi a primeira vez que Anne dirigiu uma
ópera e nenhum de nós era cantor de ópera - nós não fomos contratados para
cantar, eu prometo. Esta ópera foi escrita por Kurt Weill e Bertolt Brecht e se trata mais de uma sequencia de canções do que uma
ópera completa, [ela] tem apenas um ato. Então, tem um prólogo e sete cenas,
cada uma apresentando um pecado, com um epílogo no final. Ao todo eram nove
cenas, certo?
Nós fomos para o
trabalho e... Oh, eu deveria contar que havia uma soprano, e ela contava a
história dos sete pecados capitais.
Portanto, o nosso trabalho como atores era o de contar a história através dos
nossos corpos, era como se fôssemos atuar em um filme de cinema mudo, quase no
mesmo estilo, esse tipo de estilo expansivo, o vaudeville. Então, nos ensaios,
nós trabalhamos muito, muito rapidamente, espontaneamente, fisicamente. Eu
realmente acredito que nós nunca poderíamos ter feito esse espetáculo se nunca tivéssemos
trabalhado juntos antes. Não poderíamos ter feito isso se não nos conhecêssemos
uns aos outros; foi ali que o treinamento em Viewpoints realmente mostrou a que veio.
Anne tem uma
frase, ela diz apenas: “Cinco, seis, sete, oito, VAI!”
E
foi exatamente como nós trabalhamos. Nem sempre, mas nessa produção foi
exatamente assim. No primeiro dia nós trabalhamos no prólogo, no dia seguinte
trabalhamos no primeiro pecado... A única coisa que tínhamos,
como não éramos cantores, era uma espécie de arquétipo. Então você era a “coquete”,
e você era o “chefe”, e você era o “amante”, e eu era o “poeta” - tínhamos um
arquétipo para trabalhar; só isso. E em cada cena nós criamos relações, sobre
as quais nunca falávamos, mas que eram criadas fisicamente, porque se eu estou
interpretando o poeta eu tenho uma ideia de como eu poderia me relacionar com o
chefe - e assim nós nunca conversávamos sobre as relações, nós só trabalhávamos
fisicamente e a cada dia criávamos uma cena diferente.
Lembrei-me de uma
citação do Stanislávski que eu realmente amo, ele disse: "você deve
ensaiar uma peça em duas semanas ou dois anos". Pois bem, basicamente a
gente fez essa em duas semanas.
O que é
interessante nisso é que nós não tivemos tempo para ficar presos nas nossas
cabeças; foi uma das maiores lições de atuação que eu já tive, trabalhar nessa ópera. Porque por ir, “cinco, seis, sete,
oito: - VAI!", o meu corpo fez escolhas que, provavelmente, a minha mente
nunca teria imaginado.
Agora, não me
interpretem mal, houve conversa, porque a meio caminho, a gente ficou
emperrado. O que nós criamos, para onde estamos indo, como vai acabar? E estava
certo ao ficar emperrado, naquele momento, porque no meio dessa ópera, a canção
do meio, era a capela. Portanto, há uma estrutura, na ópera, que
significa que tudo depois desse momento vai mudar. Veja só, lá estava a
estrutura nos contando sobre a atuação, de certa forma. Assim, após cerca de
dez dias, onze dias, nós montamos a peça, e voltamos para o começo.
Aqui foi a
segunda lição de atuação: tive que rever as
escolhas malucas que eu tinha feito, e que cada um tinha feito, no começo daqueles
ensaios. E eu tenho que dizer que nós não editamos muito, tentamos manter o que
tínhamos feito, e para mim a lição de atuação era: como fazer aquilo ter vida,
como fazê-lo respirar. E é isso, para mim isso se relaciona com o treinamento
em Viewpoints, que pede para que a
gente se mantenha desperto dentro de uma estrutura.
Acho que isso é
suficiente. Obrigado.
Links
para ouvir esta palestra no Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=UNCNCTRbQYs
(parte 1)
http://www.youtube.com/watch?v=jP68Cmrai0c
(parte 2)
http://www.youtube.com/watch?v=_9v6zxwdVXY
(parte 3)
Notas
1 Mary Overlie
(1946) idealizou “Os Seis Viewpoints”,
que compreendem: Espaço; Forma; Tempo; Emoção; Movimento e História. Disponível
em: <http://www.sixviewpoints.com/Theory_3.html>. [N.E.].
2 Donnie Mather não
cita o viewpoint
físico da Repetição, conforme Anne Bogart e Tina Lindau.
Observe-se ainda a ausência de cinco viewpoints
vocais, que compreendem: Altura; Dinâmica; Aceleração/Desaceleração; Silêncio e
Timbre. Ver com detalhes em: LANDAU, Tina and BOGART, Anne. The Viewpoints book: a practical guide to viewpoints and composition. New
York: Theatre Communications Group, 2005. [N.E.].
DONNIE
MATHER é ator, professor e co-fundador do Collective Intelligence
Arts. Como ator, foi artista associado à SITI Company
de Anne Bogart (2000-2007). Começou sua relação com a SITI Company em 1995,
treinando por muitos anos em técnica Viewpoints e no Método Suzuki, e,
ao final, atuando em muitas das produções da companhia. Passou três temporadas
no Shakespeare Theatre of New Jersey (1999-2001). Como professor vem ministrando cursos em New
York University, Columbia University, Bard College,
The New School, Fordham
University, University of Puerto Rico e em Bogotá, Colombia.
Tem Bacharelado em Teatro com um minor
em Dança na Western Kentucky
University e faz atualmente parte do corpo docente do Atlantic Theatre Conservatory (New York)
como instrutor de movimento.