3. UMA GESTUALIDADE PARA KATTRIN, PERSONAGEM DA PEÇA MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS, DE BERTOLT
BRECHT
3. A GESTUALITY FOR KATTRIN: A PROPOSAL FOR THE CHARACTER IN BERTOLT BRECHT'S MOTHER COURAGE AND HER CHILDREN
Nara
Keiserman
Resumo
Organizado
na forma epistolar, trata-se de um estudo de Mãe Coragem e seus filhos, de Bertolt Brecht, tendo como foco a
construção de uma gestualidade para a personagem Kattrin, de acordo com os
princípios do épico brechtiano. Investe-se claramente na certeza de que a
teoria brechtiana está indissociada da cena em que
ela se resolve.
Palavras-chave | Brecht | Teatro
épico | Construção
de personagem |
Gestualidade
Abstract
Organized in epistolary form, this study of the play
Mother Courage and Her
Children, by Bertolt Brecht focuses on the construction of a gestuality for the character Kattrin,
according to the
principles of brechtian theories for the epic
theater. It is
based in the certain knowledge that Brechtian
theory is inseparble from stage practice.
Keywords | Brecht | Epic theater | Character
construction | Gestuality
Nara
Keiserman é Doutora em Artes
Cênicas pela UNIRIO e tem Pós-doutorado na Universidade de Lisboa (2010); Professora Adjunta IV na UNIRIO, onde atua na
graduação e no PPGAC.
Nara Keiserman holds a Doctorate in Scenic Arts from UNIRIO and a
post-doctoral work at the University of Lisbon (2010). She is Adjunct Professor IV at UNIRIO, where
she teaches in the Graduate Program in Scenic Arts.
UMA GESTUALIDADE
PARA KATTRIN, PERSONAGEM DA PEÇA MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS, DE BERTOLT BRECHT
Nara Keiserman
Introdução
Este artigo é construído sobre uma
situação ficcional, em que eu é uma
jovem atriz brasileira de um grupo de teatro, que se encontra na Alemanha para
frequentar Seminário, Oficina e Prática de Montagem com um grupo, digamos de
Frankfurt, em que se investiga o trabalho de Bertolt Brecht. A forma epistolar
foi escolhida por possibilitar a espécie de diálogo em que o interlocutor ganha
concretude, e por franquear ao narrador uma linguagem mais próxima da realidade
vivida em situação de ensaios, em que a elaboração da cena se dá em sintonia com as discussões
teóricas.
Uma questão que se coloca é como
e em que medida um capital teórico, relativo ao universo brechtiano, é material eficaz para a composição
gestual da personagem, de modo que fundamente efetivamente as assertivas de
ordem prática, e esteja presente nas escolhas estéticas e no processamento das
ideias. Considerando que os interlocutores imaginados, os atores do grupo de
teatro ficcional, conhecem os pressupostos teóricos, há a opção por uma
economia dissertativa, confiando na ideia de que é na prática que a teoria
brechtiana se ilumina.
As
Cartas
Carta
1 – O teste
Pessoal!
Vocês
podem imaginar minha total comoção! Passei no teste! Não escrevi antes porque
preferi aguardar os resultados, e então alegrar ou entristecer vocês com minha
vitória ou derrota. Está bem, eu sei, apenas o fato de estar aqui já é uma
vitória, etc. e tal.
Mas,
convenhamos, ter um papel para fazer é muito melhor do que ficar assistindo e
anotando. É claro que vou anotar tudo, talvez até mais, porque as coisas aqui
são feitas de maneira absolutamente detalhista e isto requer, exige, não
sobrevive, sem muita anotação – eu, pelo menos, não sobreviveria sem a boa e inestimável
ajuda de lápis e caderno.
Vou
mandando notícias conforme o trabalho for se desenvolvendo, mas não prometo
estabelecer com vocês uma rotina como uma carta a cada três dias, ou qualquer
coisa assim. Acho que vou mesmo é ir mandando o meu diário de ensaios, para que
possam acompanhar o processo conforme for acontecendo. Bem, de algumas coisas
só vou poder falar depois de amadurecidas, então não prometo aquela minha
ordenação de pensamento e pautas a que acostumei vocês neste bom tempo em que
temos - felizes! – trabalhado juntos.
Participaram
do teste para a montagem de Mãe Coragem
praticamente todos os atores que frequentaram o Seminário e a Oficina. Éramos
uns 30, de várias nacionalidades, muitos falando corretamente o alemão, com
acentos variados.
O
teste era “narrar um acontecimento de rua que carregasse um significado
social”. Contei uma cena a que nunca assisti, mas posso bem imaginar, de
policiais desbaratando uma pequena feira de camelôs no centro da cidade, quando
uma pessoa que passava é feita refém. Executei o exercício diversas vezes e a
cada uma, mesmo antes de eu terminar a história, me solicitavam que adotasse
pontos de vista diferentes, contra, a favor de uma ou de outra personagem,
salientando uma ou outra contradição dentro da própria narração, e finalmente,
que o fizesse apenas por gestos, numa espécie de relato géstico, que não fosse
uma pantomima, frisaram. Isto tudo nós havíamos praticado na Oficina, e parecia
simples. Claro que nunca é simples, mas era uma proposta pelo menos conhecida
por todos, o que nos deixou um pouco menos nervosos. O sentido coletivo fora
tão enfaticamente trabalhado já mesmo no Seminário que, mesmo sendo
concorrentes, permaneceu entre nós, durante o teste, um forte sentimento de
grupo.
Bem,
sem querer menosprezar a minha performance em língua alemã, acho que me saí
melhor na gestualidade, porque ganhei o papel de Kattrin, a filha muda da Mãe
Coragem!
Escolhido
todo o elenco, ficou acertado que ninguém leria a peça, que todos já conheciam,
é claro, antes do primeiro ensaio, para não comprometer a ideia da memorização
das primeiras impressões de uma leitura coletiva. Estas impressões, designadas
principalmente a partir de reações de surpresa e espanto, deveriam ser não
apenas o ponto de partida para a construção da personagem numa abordagem que
privilegia sempre a contradição, mas também se constituir numa espécie de
“subtexto” (compreendido
não à moda do mestre Stanislavski, mas como um pensamento crítico do ator), que acompanha o
pensamento do ator durante a representação, auxiliando-o, inclusive, na tarefa
de falar como quem cita e movimentar-se como quem mostra (Benjamin, 1973).
Isto,
de falar como quem cita e movimentar-se como quem mostra, parece-me das coisas
mais difíceis de executar. A tendência de assumir como seu tudo que é da
personagem, o próprio fascínio que esta exerce sobre o ator, o desejo do ator
de agradar ao público através da personagem, de querer que o público goste dele
– tudo isto torna esta proposta um objetivo que requer treinamento e constante,
constante mesmo, atenção. Quero dizer, não se pode simplesmente fazer a
personagem, do tipo act naturally,
porque senão sai isto: natural e descabido na proposta dialética da encenação.
Volto
a escrever depois do tão esperado primeiro ensaio.
Beijos
para todos.
Carta
2 – Primeiras Leituras
Meus
queridos amigos!
Desculpem
ter demorado tanto em escrever. As coisas aqui são tão intensas, fico tão
completamente tomada pelos ensaios, pelo prazer do pensamento partilhado nas
leituras e discussões sobre a peça que, confesso, começo a achar pequenas
demais todas as nossas tentativas de fazermos um teatro inteligente.
Começo
dizendo que essa carta é longa. Transcrevo do meu caderno as anotações que fiz
quando das primeiras leituras do texto.
Não vou ficar chateada se discordarem do que penso, ou se acharem minhas
conclusões limitadas, ou bobas, ou pretensiosas, ou... – POR FAVOR,
DISCORDEM!!!
Eu
tinha gravadas na minha memória duas cenas de Kattrin: quando ela rouba as
botas vermelhas de Yvette e a cena final, quando bate o tambor para acordar a
cidade em perigo, resultando daí a sua morte. Pareciam-me ser as duas grandes
cenas da personagem, e à medida que líamos a peça juntos pela primeira vez, eu
ansiava por chegar nelas. É claro que isto afetou a qualidade da minha atenção
não só na peça como um todo, na fábula propriamente, como nos outros
personagens e nas outras cenas de Kattrin. Por sorte, estas primeiras
impressões não se referem, obviamente, ao pé da letra, à primeiríssima leitura,
senão eu estaria perdida, teria que abandonar tudo, fracassada. Mesmo porque,
as primeiras impressões são, normalmente, confusas, e clareza e precisão é uma
das metas do trabalho.
De
modo que, conforme foram ocorrendo os ensaios de leitura e discussões
subsequentes, pude ir elaborando, cena por cena, aquilo que me chocava, por
inesperado ou contraditório na personagem, ao mesmo tempo em afinava meu
entendimento da fabulação, da composição das cenas por saltos, do comportamento
dos personagens, conforme se relacionavam uns com os outros. Precisava
conhecer, sem dúvida, para poder comentar, criticar, apontar as falhas ou
virtudes, ter a atitude de quem conhece a história toda e, portanto estar em
condições de julgar, de ter uma opinião lúcida e histórica a respeito. Precisava
conhecer para distanciar, para que o espectador, pelo processo do distanciar,
pudesse conhecer. “Tudo vai se concentrar no cultivo das distâncias”, ensina
Gerd Bornhein (1992: p.259).
Nas
discussões trazidas pelas leituras, noto que não se colocam questões de base
como: o teatro que se quer fazer, com que objetivos e para quem; o efeito de
distanciamento como recurso para a sua concretização; do gestus sendo a possibilidade da representação materializada dos
conteúdos – essas noções, já estabelecidas e discutidas à exaustão no
Seminário, formavam como a estrutura sólida sobre a qual a edificação das cenas
e dos personagens vão sendo construídas.
Não
se discute a eficácia do efeito, mas em que momentos e com que recursos
provocar o distanciamento, estranhamento, alienação. Também não se discute a
qualidade dos adereços, que serão, por princípio, reais, já usados, com a marca
do homem em seu uso. A discussão é: quais os objetos que esclarecem, por
exemplo, a classe social da personagem, a relação social entre os personagens e
como usar o objeto, para que ação e com que gestos. Servindo-me do tripé:
fábula, gestus e distanciamento,
parto para a construção da minha Kattrin.
A
partir da fábula, sem que haja de início uma preocupação específica de cada um
com o seu personagem, vai sendo analisado o que se quer mostrar, exemplificar,
chamar a atenção do espectador, para que dali ele possa tirar um ensinamento -
não esquecer que o prazer maior do homem da era científica vem do conhecimento.
A
passagem da fase de leituras à cena se dá a cada vez que um episódio parece já
não oferecer mais nenhum material produtivo para ser discutido – produtivo no
sentido de possibilitar a elaboração de gestus
que cumprissem sua função de esclarecedores das relações sociais. Não são jamais
atividades estanques: ler, discutir, improvisar e marcar. Voltamos ao texto
sempre que necessário e a volta para a cena acontece num mesmo fluxo de
pensamento sempre dialético, indagador. Tanto numa situação quanto na outra,
algumas palavras parecem proibidas, mas não o tempo todo - dogmatismo é a única
atitude terminantemente proibida. Observações do ator como: não é natural, não é como eu sinto, parece
falso são exemplos do que deve ser evitado – indicam que o ator está
conduzindo seu trabalho na direção errada, rumo à identificação com a
personagem. Outras, ao contrário, parecem sempre bem vindas: estranho,
produtivo, esclarecedor, histórico...
Os
procedimentos das primeiras semanas de ensaio me mostraram que só a partir dos
pequenos gestos, de um trabalho sobre detalhes, é que eu poderia chegar a uma
visão completa e dialética de Kattrin. Isto porque aqui não se trabalha com
generalizações, ou seja, não é útil para o ator, não serve como ponto de
partida, porque não o impulsiona na composição das ações que fazem a personagem
aparecer materialmente, no nível da concretude desejada. Não há uma compreensão
generalista da personagem, por se levar em conta suas contradições e a própria
dialética dos acontecimentos, cuja resolução não é nem mesmo apontada pelo
autor; é uma dialética que nem sempre se resolve pela síntese.
O
que se pode apreender sobre as relações sociais a partir das ações de Kattrin –
parece ser um ponto de partida produtivo. A primeira pergunta que elaborei foi
qual a função da personagem na peça para depois elaborar um título específico
para Kattrin a cada cena, o que poderia indicar uma sequência de gestus da personagem. Quando, em casa,
me pus a escrever sobre a tal função geral, cheguei a isto:
Mãe
Coragem é o centro de uma constelação ao redor da qual transitam seus filhos e
outras personagens. Se a cada uma delas é atribuída uma virtude (sem conotação
moral, estamos numa guerra), a de Kattrin é a de oferecer um contraponto,
expondo de maneira extremamente clara a contradição essencial de Anna Fierling,
entre ser Mãe ou Coragem. Kattrin, a princípio, precisa de uma mãe, por ser uma
mulher fragilizada por sua mudez vivendo em meio a uma guerra, na qual se vê
envolvida diretamente pelos interesses comerciais de Coragem. Comparando com os
irmãos, Kattrin é a única a oferecer um desenho com algum traço menos
tipificado. Sua ação demonstra sentimentos fortes de amor fraterno e maternal -
??????
E
aí parei, com todas estas interrogações na cabeça. Minha conclusão me pareceu
completamente inútil e mesmo superficial, óbvia. Mesmo que esteja correta, não
me serve, ou oferece muito pouco material que possa ser convertido em
gestualidade. A partir disso, ou de posse disso, como poderia eu passar para o
palco? A verdade é: não me trazia nenhuma pista para as ações da personagem.
Lembrou-me aquele diretor que tivemos, não preciso dizer o nome, que depois de
ouvi-lo filosofar horas sobre a peça, perguntávamos: “Legal, mas por que lado
eu entro?”.
Noto
que há uma espécie de passo a passo, que leva o ator por uma construção
paulatina, detalhada e indutiva da personagem. Então, calmamente e cena por
cena, algumas importantes e outras menos importantes, o que é uma das marcas
deste tipo de construção épica, lá fui eu anotando tudo o que me estranhou,
espantou, ou pareceu produtivo para a composição de Kattrin, para depois
transformar o material assim colhido em gestos reveladores. Detive-me nas cenas em que ela aparece.
Carta
3 – Análise do texto
Queridos
amigos!
Vou
direto ao assunto profissional, que me trouxe até aqui, tão longe de casa! É
claro que morro de saudade de todos! Eu disse que a carta anterior era longa?
Preparem-se para essa!
Mesmo
afiadíssima na língua alemã, não pude dispensar a leitura da peça em português.
Utilizei a tradução de Geir Campos, na Edição da Paz e Terra do Teatro
Completo, volume 6 (p. 171 –266). Todas as citações do texto referem-se a esta edição, fica
mais fácil para vocês me acompanharem. Aí vão as falas que me impressionaram e
alimentaram minha compreensão, sempre focada em Kattrin, cena por cena em que
ela aparece:
“Cena
1 – Primavera de 1624. Em Dalarne, o
General Oxenstjerna recruta tropas para a campanha da Polônia. A vivandeira
Anna Fierling, conhecida pelo apelido de Mãe Coragem, fica sem um dos seus
filhos”.
“Sargento:
De onde vem a moral, pergunto eu?” (p. 175). Diz isto defendendo a guerra como
a única possibilidade de organização social. E mais adiante: “Como tudo o que é
bom, a guerra também é difícil, no começo” (p. 176). A peça é uma crônica da
Guerra dos Trinta Anos, e a moral, a ética da guerra já aqui se estabelece.
“Mãe
Coragem: Eu atravessei o fogo da
artilharia de Riga, com cinquenta pães na carroça; eles já estavam dando bolor,
não havia tempo a perder, eu não tinha outro jeito” (p. 177). Para Mãe Coragem, seus negócios são mais importantes que
a própria vida. O ato heroico que lhe rendeu o nome de Coragem se justifica
pelo perigo da falência.
Numa
rubrica, há a indicação de que Kattrin e
Queijinho divertem-se com a maneira
como a Mãe Coragem explica ao Sargento o fato de seus três filhos terem nomes
diferentes (p. 178). O humor é uma das chaves da peça, eles parecem satisfeitos
com o tipo de sociedade familiar criada para eles por sua mãe.
“Recrutador:
A guerra dá lucro e dá glória”, para convencer Mãe Coragem a permitir que seu
filho Eilif o acompanhe. De novo, os benefícios, a moral da guerra.
“Mãe
Coragem: O tenente é noivo da minha filha” (p. 180), ameaçando o Sargento. É
mentira, e deve ofender profundamente Kattrin. Mostra um aspecto da sua relação com a Mãe.
No
episódio de tirar a sorte, em que Mãe Coragem mistura papéis dobrados, uns em
branco e outros em que desenha cruzes que, se tiradas indicam a morte, na vez
de Kattrin tirar um, é a própria Mãe Coragem quem o faz. Encontra a cruz e
recomenda: “Kattrin, de agora em diante não seja nunca boazinha demais, nunca
mais: há uma cruz no seu caminho” (p. 184). Outro aspecto: Mãe Coragem faz tudo
por ela, no lugar dela, determinando inclusive a sua sorte. E mais: não vale a
pena ser generoso quando se vai morrer logo, fica-se sem a devida recompensa,
ou, nada se faz sem esperar por uma recompensa.
Rubrica:
“A muda Kattrin salta da carroça e
solta uns gritinhos roucos, quando vê Eilif ser levado pelo Recrutador” (p. 186). Mostra uma atitude atenta e
participante de Kattrin, ótima indicação para a atriz. Parece estranho:
Queijinho não vê, ou vê e não reage?
Questão:
quando e como o espectador se dá conta da mudez de Kattrin? A atriz pode agir
como se simplesmente não tivesse o que dizer, ou como se quisesse falar e não
pudesse. O que é mais interessante para a fábula?
Sargento,
para Mãe Coragem depois que Eilif se foi: “Você queria viver às custas da
guerra, sem se meter nela, nem você nem os seus: mas de que jeito?”. A questão aponta
a grande contradição de Mãe Coragem, que parece ser o cerne da questão da peça.
Rubrica:
“Queijinho e Kattrin atrelam-se ao varal da carroça e puxam-na” (p. 186). Imagem forte, duas crianças,
eles devem ser muito jovens, substituindo animais.
“Cena
2 – Nos anos de 1625 e 1626, Mãe Coragem, acompanhando o exército sueco,
atravessa a Polônia. Em frente à Fortaleza de Wallhof, torna a encontrar o
filho Eilif. Venda oportuna de um pato e dias de glória do filho corajoso” (ainda p. 186). Kattrin não está
nesta cena.
“Cena
3 – Três anos depois, Mãe Coragem é aprisionada com parte de um regimento
finlandês. Seu filho é salvo, e é
salva a carroça, mas Queijinho é morto” (p. 194).
A
rubrica inicial da cena indica a ação de Mãe Coragem e Kattrin, que estão
dobrando a roupa em cima do canhão. Vejo aí a exposição da vida cotidiana
levada dentro da guerra; a tarefa doméstica, pequena, levada num cenário
histórico amplo, a guerra.
Mãe
Coragem negocia a compra de balas com um Artilheiro. Pergunto: importa à
Kattrin os negócios de sua mãe? Ela presta atenção, acompanha as negociações?
Mãe
Coragem envolve Kattrin no negócio, pedindo a ela que vá pegar o dinheiro para
a compra das balas. A rubrica diz que “Kattrin leva a sacola (com as balas)
para trás da carroça, e o Artilheiro vai com ela” (p. 195).
Maquete da peça Mãe Coragem e seus filhos, exposta no
restaurante Brechtkeller, que fica num sótão da
casa em que morou o casal Brecht-Weigel. Foto: Nara
Keiserman.
Nesta
mesma cena, que poderia ter aqui uma divisão, Kattrin vê a chegada de Yvette
Pottier, descrita como “uma mulher bonita, tendo diante de si um copo de
cachaça” (p.194), conta e comenta suas
aventuras amorosas, suas relações e o que pensa dos homens. Pergunto: como
Kattrin reage a isto, ela que tem, supõe-se, uma visão idealizada do casamento,
uma visão romântica do amor? Ao final do episódio, Mãe Coragem manda a moral:
“Que isso lhe sirva de lição, Kattrin: não me vá arranjar coisa com soldados!
Para concluir: ser muda é uma dádiva do céu” (p. 198).
O
Capelão, ao conhecer Kattrin, refere-se a ela como uma criatura encantadora.
Resposta da Mãe Coragem: “Não é
encantadora, coisa nenhuma, é uma pessoa honrada” (p. 199). É a primeira referência ao possível encanto de Kattrin,
o que para sua mãe significa perdição moral – ou prejuízo nos negócios, já que
não pode dispensar sua ajuda?
Mais
uma vez, a exposição do pessoal em contraste com o social: quando Yvette sai de
cena, Mãe Coragem, o Capelão e o
Cozinheiro vão para trás da carroça e discutem a política, os motivos e a
situação da guerra, enquanto Kattrin veste o chapéu colorido e as botas
vermelhas de salto alto de Yvette, imitando os seus gestos e andar. É
interrompida por tiros de canhão e a volta precipitada de Mãe Coragem e dos
outros. A guerra interrompe, impede os seus sonhos, a sua possibilidade de ser
ou pelo menos de sentir-se feminina, o social massacrando o individual,
tornando-o sem sentido, menor. Mãe Coragem preocupa-se em salvar as suas coisas
e só algum tempo depois é que repara em Kattrin, que está vestida com os
sapatos e o chapéu de Yvette. Obriga-a a tirá-los, sob um “quer que descubram
você, e façam de você uma prostituta?” (p. 202).
Na
função de resolver às pressas a situação, todos tentam salvar a própria pele.
Mãe Coragem, para salvar a filha dos soldados católicos, cobre o rosto de
Kattrin com cinzas: “Não precisa temer, agora não vai lhe acontecer nada” (p.
203). Pergunto: como Kattrin reage a isto?
Novo
episódio na mesma cena: Mãe Coragem encontra os sapatos vermelhos de Yvette,
que Kattrin havia escondido sob as saias. Reafirmando que qualquer
possibilidade de amor na guerra faria dela uma prostituta, Mãe Coragem
determina que Kattrin “espere pela paz, com toda fidalguia” (p. 206). Mais uma
vez, é mencionado que Kattrin é atraente.
Segue-se
um diálogo aparentemente banal entre Kattrin e Queijinho, ele parece
compreender bem a sua linguagem de gestos. Indo até a carroça buscar para ele
um copo de bebida, dá com dois homens, que logo percebe estarem procurando seu
irmão. Queijinho ficara com o cofre do Regimento, e por isso corre perigo.
Kattrin tenta avisá-lo, mas o nervosismo torna seus gestos confusos. Queijinho
não entende e sai. Quando Mãe Coragem volta, Kattrin consegue se fazer
entender. Como na cena 1, Kattrin, a que não fala, é aquela que vê.
Queijinho
é preso e, durante todo o longo episódio, Mãe Coragem negocia a sua soltura,
pelo que pagaria com o dinheiro da venda da carroça para Yvette. Coragem
regateia tanto, por tanto tempo, que acaba por perder o filho. Kattrin e o Capelão estão lavando copos e
areando talheres, até o momento em que Kattrin, “de repente, soluçando corre
para trás da carroça” (p. 216).
Pergunto: quais as ações de Kattrin durante
todo este momento em que vê a mãe negociar a vida do irmão, tentando, também
aí, fazer o negócio mais vantajoso?
Vem,
então, a cena sempre mencionada como um grande momento da atuação exemplar de
Helene Weigel, em que ela diz não conhecer o filho, quando este é trazido morto
para identificação. E Kattrin, que está ali, ao seu lado e que também é
obrigada, pela guerra, a não chorar o irmão?
Preciso
confessar que esta cena, e não apenas esta, deixou alguns de nós com a voz
indisfarçavelmente embargada. Não há como não se discutir a questão da
emocionalidade, sua presença no texto, como o ator deve lidar com ela, e o que
se espera do espectador nestes momentos. Vou parar um pouco para isto, mais
adiante.
“Cena
4 – Mãe Coragem e a “Canção da Grande Capitulação” (p. 217). Kattrin não está.
“Cena
5 – Passados dois anos. A guerra estende-se a territórios cada vez mais distantes.
Num viajar sem descanso, a pequena
carroça de Mãe Coragem atravessa a Polônia, a Morávia, a Baviera, a Itália, e
outra vez a Baviera. Ano: 1631. A vitória de Tilly, em Magdeburgo, custa a Mãe
Coragem quatro camisas de oficiais” (p. 222).
Mais
uma vez, a contradição entre o social e o individual, na última frase do título
desta cena.
Enquanto
Coragem vende bebida a dois soldados, o capelão chega com a notícia de que há
feridos numa casa de camponeses próxima dali. É grande a aflição de Kattrin.
Nesta cena, torna-se clara a grande contradição, a oposição entre mãe e filha,
entre a personagem negociante, e a personagem humana, se é que posso dizer
assim. Coragem não quer, categórica e claramente, “desperdiçar” um pano sequer
para com ele fazer uma atadura para os feridos. É o desespero de Kattrin que
contrasta com sua firmeza. Talvez as duas atitudes tenham a mesma sustentação,
em chaves opostas. A diferença é que o desespero de Kattrin a fragiliza, e a firmeza de Mãe Coragem a fortalece, mas a
humanidade vence por uma terceira via. O Capelão afasta Coragem do caminho e
apanha na carroça as camisas de que precisam. É a primeira cena em que Kattrin
volta-se contra a sua mãe – “levanta uma tábua e ameaça a mãe” (p. 224) - e a afronta. Quando Kattrin
fica sabendo que há um bebê na casa corre até lá para salvá-lo, e só então
Coragem se mostra a mãe, realmente preocupada com o destempero da filha. O
apelo do texto ao sentimento é inegável. Ao voltar com o bebê, Kattrin o embala
e “balbucia uma canção de ninar...”.
“Cena
6 – Diante da cidade de Ingolstadt, na Baviera, Mãe Coragem assiste aos
funerais de Tilly, General do
Império, morto em combate. Fala-se de heróis e da duração da guerra. O Capelão
lamenta que suas habilidades não
sejam aproveitadas, e Kattrin ganha os sapatos vermelhos. Ano: 1632” (p. 225).
Individual
x social: o balanço das mercadorias x a morte do general. Kattrin participa da
ação de contar as mercadorias, numa gestualidade certamente bem diferente da
utilizada por Coragem, já que a relação de cada uma delas com estes objetos é
oposta. Isso responde em parte a algumas perguntas feitas anteriormente sobre a
participação ou não de Kattrin nos negócios. Penso agora que esta se dá, sim,
mas com uma gestualidade – entendo gestualidade como o recurso corporal para
designar o gestus – que aponte a
oposição, a contradição entre as duas.
Aconselhando
Mãe Coragem sobre a compra ou não de novas mercadorias, o Capelão afirma sua
certeza de que a guerra vai existir sempre, por ser do interesse de
imperadores, reis e papas, fazendo um verdadeiro elogio da guerra (p. 227-229).
A indicação da rubrica dá conta apenas de que “Kattrin parou o que estava
fazendo, e olha fixamente para o Capelão, para em seguida, de repente atirar ao
chão um cesto de garrafas e sair correndo” (p. 229). Penso que, neste episódio,
se trata de compor uma sucessão de gestos e atitudes que a atriz vai
desenvolvendo à medida que ouve o texto que vai finalizar na ação indicada. Não
se trata da elaboração de ações interiores que, através de pequenas nuances
feitas principalmente através do uso do tempo-ritmo, possam explodir nas ações
de parar, olhar e jogar o cesto. Todos os pensamentos que a atriz for
elaborando deverão ser materializados em gestos e atitudes que possibilitem ao
espectador a leitura clara destes pensamentos, que terão um caráter de crítica
social às palavras do Capelão. Atenção: isto eu anotei no meu diário de
trabalho antes de levantar para fazer a cena, não sei ainda como a questão se
resolve na prática.
Por
ordem de sua mãe, Kattrin vai com o Escrevente à cidade buscar mais
mercadorias, o que significa que a guerra promete continuar e seus sonhos de
paz, da possibilidade de uma vida cotidiana estabilizada, estão cada vez mais
distantes. Ainda ouve de sua mãe que “com você, nada pode acontecer. Vá
direitinho, e não se deixe roubar: pense no seu enxoval!” (p. 229). Leia-se: você não é suficientemente desejável nem para
os soldados que anseiam por qualquer mulher, favoreça nosso lucro na guerra,
para que depois você possa usufruir disto, ou seja, o lucro da mãe é a desgraça
da filha: a guerra.
Ao
retornar, Kattrin vem abraçada nas mercadorias, inclusive o tambor que irá
utilizar na última cena, e traz um ferimento na testa. Para compensar o seu
feito, Coragem dá a ela os sapatos vermelhos de Yvette, que havia guardado, e
brinda-lhe com um discurso cujo ensinamento é “quanto mais feia, melhor”, as
bonitas só servem enquanto são bonitas, e quando a beleza acaba são logo
abandonadas – isto para consolar a filha sobre a cicatriz que possivelmente vai
lhe desfigurar o rosto. Pergunto: como reage Kattrin? Qual a gestualidade que
corresponde à rubrica: “Kattrin deixa os sapatos e mete-se na carroça”? (p.
233)
O
espectador é informado, por uma fala de Mãe Coragem que Kattrin teria passado uma
única noite fora, depois do que passou a trabalhar com mais vontade. O que de
fato aconteceu nesta noite não é revelado.
Numa
fala esclarecedora e exemplar do pensamento/linguagem de Brecht, não em relação
à fábula propriamente, mas ao modo como ele a vê, Mãe Coragem esbraveja contra
a guerra que estragou sua filha, matou Queijinho e afastou-a de Eilif. É esta
situação que Mãe Coragem assume como histórica, em resposta à fala do Capelão
que designa como um momento histórico este em que o General está sendo
enterrado. Mãe Coragem conclui a cena com um arrepiante “Maldita seja a guerra”
.
“Cena
7 – Mãe Coragem, no auge da sua carreira de vendedora ambulante”.
Numa
bela contradição, Mãe Coragem inicia esta cena com “Não admito que me falem mal
da guerra” (p. 234) e canta. O Capelão e Kattrin estão em cena. Será que
participam de alguma forma da canção? Como?
“Cena
8 – Nesse mesmo ano, Gustavo Adolfo, Rei da Suécia, morre na batalha de Lützen.
Pesa ameaça de paz sobre os negócios
de Mãe Coragem. Eilif realiza mais uma proeza e tem um fim ignominioso” (p.
235).
No
título, o estranhamento entre duas palavras: ameaça, habitualmente compreendida
como perigo, aqui referida à paz.
Kattrin
passa a cena inteira dentro da carroça. Envergonhada de sua aparência, não quer
que a vejam. Nem mesmo a paz anunciada, que dura poucos momentos, a faz
sair. Quando o Cozinheiro entra na
carroça para falar-lhe, cobre o rosto com um cobertor. Não fica sabendo, assim,
da morte de Eilif. Surge em cena
apenas quando Mãe Coragem anuncia que “a paz acabou de novo. E nós vamos
embora” (p. 248).
“Cena
9 – Já está durando dezessete anos a grande guerra religiosa. [...] No outono de 1634,
encontra-se Mãe Coragem na montanha alemã de Fichtel, longe da estrada por onde
passa o exército sueco. [...] Os negócios vão mal, o jeito é mendigar. O Cozinheiro recebe
uma carta de Utrecht e é despedido” (p. 249).
Kattrin
ouve a conversa entre Coragem e o Cozinheiro, em que ele diz que a proposta de
se instalarem em Utrecht não a inclui. Este é um dos poucos momentos em que se
vê o lado materno de Mãe Coragem, numa fala em que se refere aos sentimentos de
Kattrin. Por sorte, quer dizer, por opção do autor, a personagem não está em
cena. Eu não saberia o que fazer dentro da proposta de uma encenação que pretende
um distanciamento crítico, ao ouvir: “[...] que pesadelos ela deve ter! De noite
eu ouço os gemidos dela, ainda mais depois de uma batalha. O que ela vê quando
sonha, eu não sei” (p. 252).
Kattrin
decide fugir enquanto os dois, Mãe e Cozinheiro, são recebidos numa casa, na
frente da qual mendigavam por um prato de sopa, cantando a Canção de Salomão, que, aliás, também aparece na Ópera dos três vinténs – e aqui é enorme
a tentação, a que vou resistir, de discorrer sobre o uso da música no teatro
épico de Brecht.
A
mensagem de Kattrin é clara. Ela deixa sobre a roda da carroça uma calça do
Cozinheiro e uma saia de sua mãe. Coragem
sai da casa com um prato de sopa para a sua filha a tempo de impedir-lhe a
fuga, não com a fala que se possa esperar de uma mãe, mas com um “Não pense que
eu mandei o Cozinheiro andar por sua causa: eu fiz isso por causa da carroça! [...] por causa dela é que eu
não fui com ele, não foi por sua causa. [...] Agora nós duas vamos em frente!” (p.
255-256). Quais as atitudes a serem assumidas pela atriz quando: sai da carroça
decidida a fugir; coloca em cena as roupas dos dois personagens; é interrompida
por sua mãe; ouve os seus motivos; acata sua ordem?
“Cena
10 – Durante o ano de 1635. Mãe Coragem e sua filha Kattrin andam pelas
estradas da Alemanha Central, no
rastro de tropas cada vez mais esfarrapadas” (p. 256).
Mãe
Coragem e Kattrin puxam a carroça e param diante de uma casa para ouvir uma voz
que canta uma canção. No melhor estilo brechtiano, a letra da canção fala da
segurança e tranquilidade daqueles que possuem uma casa e um jardim, em
absoluto contraste com a casa/carroça e as condições de vida das duas
personagens, que seguem seu caminho.
“Cena
11 – Janeiro de 1636. As tropas imperiais ameaçam a cidade luterana de Halle.
As pedras entram em cena. Mãe Coragem perde a filha e
continua sozinha o seu caminho. A guerra está ainda longe do fim” (p. 257).
Profundamente
tocada pela violência dos soldados de um lado e a fala Da camponesa de outro,
que menciona a presença de crianças na cidade em perigo, Kattrin, num ato de
extrema coragem e desapego à própria vida sobe ao telhado do curral, onde, em
desespero, toca um tambor até que a cidade desperte. É morta um pouco antes de
conseguir o que deseja: salvar as pessoas da guerra. Segundo Jean-Claude
François (In: Bablet, 1970: p.22), este ato de Kattrin não
tem um significado heroico, sendo como um extravasamento de seu grande medo até
então refreado pelos argumentos da mãe a favor da guerra. Ao despertar a cidade
de Halle para salvar os sobrinhos do camponês, ela renega os ensinamentos da
mãe, segundo os quais para obter lucros com a guerra, não se pode ter
preocupações com os outros.
Aqui,
não há como não se comover. A cena é escrita de forma absolutamente dramática,
no sentido de envolver o espectador no drama de Kattrin, na luta que empreende
contra as desgraças da guerra – obstinada, solitária e armada apenas com o som
do tambor.
Como
nas mortes de seus outros filhos, Mãe Coragem não está em cena. Ela sequer sabe
que Eilif está morto.
“Cena
12 – Noite amanhecendo. Ouvem-se tambores e flautins de tropas que se afastam
marchando” (p. 264).
Ainda
na linha do “impossível não se comover”, Mãe Coragem ajoelha-se ao lado do
corpo de Kattrin: “Ela talvez esteja
dormindo”. E canta “Dorme, dorme, bonequinha!” (p. 264). Paga aos Camponeses
para que enterrem sua filha.
Brecht,
ao descrever como Helene Weigel realiza esta cena diz que “ela se pôs a contar
o dinheiro na mão e tornou a guardar uma moeda na bolsa de
couro” (Brecht, 1978:
p. 179). Significado: entre a
Mãe e a Coragem vence a guerra.
A
peça termina com a imagem solitária e guerreira de Mãe Coragem puxando a sua
carroça ao som de tambores e flautins, gritando: “Esperem por mim!” (p.266).
Pessoal,
semana que vem volto ao correio – belíssimo pretexto para um passeio na cidade
fora do trajeto casa-ensaio-casa (temos feito as refeições na cantina do
teatro: salsichas, peixes, batatas, uma maravilha!).
Beijos.
Carta
4 – Títulos para Kattrin
Meus
queridos parceiros,
Passamos
a semana discutindo as cenas e fazendo experimentos com o objetivo de desenhar
cenicamente os títulos. Os resultados foram bastante interessantes. Não sei até
que ponto vão ser usados na montagem, já que criamos personagens que sequer
estão na peça. Essa experiência me animou para seguir com o “Pequeníssimo e
modesto organon para Mãe Coragem, do ponto de vista de Kattrin”, que tenho
enviado para vocês!
Sigo
com a colocação, em sequência, dos acontecimentos que envolvem Kattrin, o que
resulta numa estruturação da peça sob o ponto de vista da personagem, elaborada
em títulos – alguns estão um pouco longos, parecendo efetivamente um resumo dos
eventos. Acredito que sua análise oferece fundamento produtivo para uma
compreensão dialética da personagem dentro da fábula, que inclui a compreensão
da linguagem do autor, para então elaborar uma gestualidade que é, por sua vez,
perpassada pelos entendimentos da atriz.
Cena 1: Kattrin, filha muda de
Mãe Coragem, fica sem um dos seus irmãos. A morte de Kattrin é prevista no jogo adivinhatório de Mãe Coragem. Kattrin substitui o irmão
puxando a carroça.
Cena 3: Kattrin ajuda sua mãe
nos negócios. Não pode ser mulher como Yvette Pottier, de quem deseja as botas e o
chapéu colorido. Tenta, sem sucesso, avisar seu irmão Queijinho que ele está
sendo seguido. Queijinho é morto, enquanto Kattrin e o Capelão lavam louça e
talheres. Kattrin vê o corpo do irmão morto, e não pode manifestar seus sentimentos.
Cena 5: Kattrin ajuda, contra a
vontade de Mãe Coragem, a salvar camponeses feridos. Embala, no colo, uma criança ferida.
Cena 6: Kattrin ouve o elogio da
guerra. Ajuda nos negócios e ganha uma cicatriz no rosto. Como compensação, ganha de Mãe Coragem os sapatos de Yvette.
Cena 7: Kattrin ouve Mãe Coragem
cantar que os que fogem da guerra são os primeiros a morrer.
Cena 8: Devido à cicatriz,
Kattrin não quer ser vista por ninguém. Perde o irmão, mas, assim como Mãe Coragem, não fica sabendo de sua morte.
Cena 9: Kattrin, Mãe Coragem e o
Cozinheiro estão mendigando para comer. Ouve quando o Cozinheiro propõe a sua mãe a ida
vantajosa para Utrecht, sem a sua companhia. Decide fugir, mas é impedida pela
mãe. Volta a puxar a carroça.
Cena 10: Kattrin ouve, com Mãe
Coragem, a canção que fala da vida em paz.
Cena 11: Kattrin toca o tambor
para salvar a cidade de Halle e é morta a tiros pelos Soldados.
Cena 12: Mãe Coragem paga aos
Camponeses para que enterrem Kattrin.
Concluo:
a personagem de Kattrin é grudada à de Mãe Coragem, como um avesso dela,
constituindo-se em material para o autor apontar várias contradições do
comportamento humano quando tem sua individualidade contraposta a um fundo social que deixa de ser panorama para
se tornar verdadeira personagem, a guerra.
Há três momentos marcantes na
peça, que apontam esta interferência da mãe: é ela quem tira a sorte de Kattrin (chega a ser
a causadora de sua morte? O Camponês diz, na cena 11, que se ela não tivesse
ido à cidade tratar de negócios talvez nada tivesse acontecido); Mãe Coragem a
interrompe no pequeno momento em que se coloca como mulher, usando as roupas e
imitando os trejeitos de Yvette Pottier; suja seu rosto com cinzas,
protegendo-a dos soldados. Mãe Coragem a impede de ser mulher, usando de um
discurso moral incompatível com a situação que vivem, promete-lhe a felicidade
na paz, ao mesmo tempo em que prefere que a guerra continue. Kattrin só pode
ser feliz quando finge: ao embalar uma criança que não é sua, e ao imitar
Yvette Pottier.
Para
a atriz, trata-se de construir uma gestualidade que desenhe a contradição e
também a identidade matriz, sem a qual a contraposição se torna apenas em
recusa, em negação. Em comparação aos demais, cujo objetivo ou visão do mundo
parece se encerrar ali, Kattrin é a personagem que se modifica durante a peça,
que tem sonhos adiante, é quem vê além da guerra, quem parece ser capaz de
imaginar, de vislumbrar a vida num mundo em paz. É em Kattrin que Brecht
permite que apareça um lado mais humano – não é à toa que são dela as cenas que
considero emocionais. A modificação que se opera na personagem é também física,
ela ganha uma cicatriz, envelhece. Por iniciar a peça com alguma juventude, o
envelhecimento de Kattrin pode ser mais nítido que o da Mãe. E, como a Mãe, vai
se tornando esfarrapada. Esta decadência, que certamente o cenário, o figurino
e os adereços apontam, desenhando uma guerra que só pode ser desfavorável para
todos, é parte da construção da
corporeidade da personagem.
Amanhã os ensaios passam a ser
exclusivamente de palco, propostos como experimentos, que não dispensam
discussões e problematizações de conteúdos. A diferença em relação ao que já
fizemos é que agora temos o texto decorado e, a princípio, devemos nos ater ao
texto de Brecht.
Carta 5 – Os ensaios de palco
Amigos!
Direto ao assunto, que ferve dentro e fora de mim! Fui para
os ensaios de palco instrumentalizada com essas ideias básicas para a
corporização de Kattrin:
- interessa um olhar distante, apontando para o desejo do
futuro, MAS Kattrin é a que vê;
- por não falar, seus gestos são fluentes, fáceis, MAS ela
não gosta do que faz, em do que tem para dizer;
- ajuda a Mãe nos negócios, MAS os reprova;
- tem a marca da passividade, MAS corre para ajudar os
outros;
- interessa uma identidade com Mãe Coragem, MAS
principalmente para contrapor-se a ela.
Percebi o quanto o trabalho em cima de contraposições, de
elementos que se contradigam, é de grande ajuda para o ator. Assim, é possível manter um
pensamento ativo na personagem, obriga a decidir um modo de agir, não
permitindo que o ator se deixe levar por uma lógica da ação, mesmo porque ela
não está sempre lá. O lance é: não construir pela lógica, mas pelo
estranhamento. Isto eu pude perceber já nas leituras, é claro, mas na cena é o recurso que, sem dúvida, destrava a ação,
comparável ao “se fosse” de Stanislavski.
Há uma fase inicial do trabalho em que a empatia, o ato
psicológico da identificação nos termos mesmo de Stanislavski, chega a ser
estimulado, como um primeiro passo para a necessária compreensão da personagem.
Se não identificação, propriamente, a atitude de
reconhecimento – que prefiro.
Importantíssimo para dissipar algumas dúvidas ingênuas: não é
preciso, ou melhor, não é para se ter medo das emoções. A personagem está em situação em
que se comove, ou sofre, ou enraivece, e tal. Acontece com Kattrin em momentos muito definidos, cujos títulos
ajudam a clarificar. Nos primeiros ensaios, fui encorajada a fazer as cenas
verdadeiramente envolvida, acreditando – pelo uso da boa e velha “fé
cênica” que aprendemos com Stanislavski –
nos sentimentos despertados. Sempre atenta para o proveito desta experiência:
conhecer para ter uma opinião; ter a vivência para poder narrar melhor; fazer
para depois poder reproduzir. Não se pretende,
evidentemente, erradicar as emoções, os sentimentos, as sensações a favor de
uma inteligência/pensamento desumanizado.
A questão é: os sentimentos do ator não devem,
necessariamente, coincidir com os da personagem, deixando o espectador liberado de um
tipo de pressão identificatória. Assim como o ator, o espectador não precisa,
ou não deve, sentir ou pensar como a personagem, de modo que possa, ele mesmo,
ter o prazer do pensamento produtivo. O que vejo é que há aí, uma espécie sim
de identificação de papéis, ou funções, entre ator e espectador, que é a do
exercício do distanciamento crítico em relação à fábula e seus personagens.
Nos ensaios, antes de serem definidas as marcas, que por
sinal podem ser modificadas mesmo depois da estreia – sempre em função da sua
eficácia junto ao espectador, nosso novo parceiro – e depois da fase empática,
improvisamos sobre as propostas que vocês todos conhecem bem. Estão descritas
em Uma nova técnica de representação,
lembram? Vai da página 160 até a 177, no Teatro
dialético, que lemos, relemos e discutimos animadamente não sei quantas
vezes! Posso garantir que são recursos “prá lá
de” eficientes, para se conseguir a duplicidade
esperada na atitude narrativa do ator do teatro épico – que alguns aqui
preferem chamar de teatro dialético, a denominação que Brecht adotou pouco
antes de morrer.
Executamos os exercícios de:
- introduzir um comentário antes, durante e no final das
falas – para instrumentalizar o ator no sentido de exercer
a duplicidade daquele que se mostra enquanto mostra a personagem;
- passar o texto para o passado – para acentuar o caráter
narrativo;
- utilizar o pronome “ele” – garantindo a não-identificação;
- verbalizar outras alternativas possíveis de ação e texto,
para que cada ação (verbal ou de movimento) apareça como uma decisão – recurso eficaz para a historicização dos
acontecimentos, de modo a evitar que o espectador
pense que só poderia ter acontecido assim, como se fosse parte da essência
eterna do ser humano;
- ver o seu papel feito por outros atores – para o exercício
da observação daquilo que vai ser reproduzido;
Minhas experiências mais produtivas nestas improvisações
foram:
Na cena 3, a situação é: Queijinho quer se livrar do Cofre do
Regimento que está em seu poder e representa um grande perigo para todos se for
encontrado. Kattrin e Queijinho “conversam”, ela oferece um copo de bebida, ele aceita,
ela vai buscar. Ao voltar, encontra-se com os homens que estão atrás dele. Para
que minha atitude (da atriz) fosse narrativa, de quem conhece a história, o que
fiz foi antes de sair de trás da carroça, que representava uma entrada em cena,
eu disse: “agora ela vai levar o copo com bebida para o irmão, vai encontrar
com os seus perseguidores e se assusta, entornando a bebida”. Desta forma, ao
executar estas ações, elas tinham sido antecipadas mentalmente, o que é – quase – a mesma coisa que se tivessem sido
efetivamente realizadas. Eu estava reproduzindo um acontecimento já
testemunhado, minha surpresa não era pretensamente espontânea, como se não
houvesse sido ensaiada, a atriz sabe que na história isto vai acontecer, mas
age com clareza para que o público compreenda que Kattrin foi pega de surpresa
e, por isso, a bebida cai do copo. É este gesto, mais do que qualquer expressão
facial, que ilustra o acontecimento. Meu modo de olhar o copo, quando a bebida
cai, procura um significado estético que é o da atriz que observa o seu gesto –
atitude inspirada no efeito de distanciamento do teatro chinês (Brecht, 1967: p. 104-114) – e não da Kattrin, esta sim perturbada com o que fez.
Para esta mesma cena, quando Kattrin está lavando pratos e
talheres, enquanto a vida de Queijinho está em perigo, a proposta foi, em
determinado momento da ação, que se verbalizasse um o que estou realmente pensando, sendo este “eu” o do ator e não da
personagem. Meu texto: “o que estou realmente pensando é o quanto se pode
negociar a vida humana, o quanto o valor da vida é circunscrito à circunstância
histórica”. Em outro momento da mesma cena: “o que estou realmente pensando é o
quanto a passividade de Kattrin, soterrada por um cotidiano determinado pela
guerra, faz dela cúmplice na morte do irmão”. Estes pensamentos aparecem nos
gestos, tornando-os históricos, imbricados numa situação social – interessa
mostrar que poderiam ser diferentes numa outra situação. A personagem de
Kattrin faria esta mesma ação, tão simples e cotidiana – é o mesmo caso de
pendurar roupas no canhão – de maneira totalmente diferente num outra
circunstância, então: ela lava a louça e não convence Mãe Coragem a mudar de ideia.
Voltando regularmente às anotações que fiz sobre as primeiras
impressões do texto, é para isto que elas servem, observei que algumas questões levantadas
não tinham ainda obtido resposta em cena. Difícil para mim descrever com
clareza como estas questões foram se transformando em ações cênicas marcadas
pela linguagem épica de conteúdo político, apontando para uma compreensão
dialética da história. Na próxima carta, vou
tentar uma descrição razoável.
Beijos.
Carta 6 – Soluções práticas para
questões teóricas
Parceiros!
Precisei de mais alguns ensaios para chegar a tal descrição
razoável. Aí vão as respostas que consegui para questões
que foram me ocupando e mobilizando durante os ensaios.
1) Como e quando o espectador se dá conta da mudez de
Kattrin?
Já mencionei o tal olhar distante. Experimentei, e me senti
impossibilitada de ver ou de ouvir, e não de falar ou com “ar” sonhador. Este olhar serviu-me,
sim, para momentos em que este aspecto da personagem ganha um significado que
interessa à fábula ou a um comentário meu, da atriz. Foi útil, por exemplo,
quando na cena 10 Kattrin e Mãe Coragem seguem determinadas em direção à
guerra, e a “tapada” da Kattrin ainda pensa que pode andar em direção à paz. A
mudez de Kattrin não é de nascença - Mãe Coragem relata para o Capelão que foi
um soldado que teria enfiado alguma coisa na boca de Kattrin, que a deixou
assim. Então: qual é o gesto desta mudez? Pensando em termos de contraponto em
relação à Mãe Coragem, para quem a fala é o seu próprio negócio, seu lucro,
então, como poderia Kattrin falar? Mãe Coragem não vê quando Eilif é levado
pelo Recrutador, na cena 1, mas Kattrin vê e é Kattrin quem encontra os homens
que vão matar Queijinho. Mãe Coragem só vê o filho já morto. Mas continua o meu
problema: qual é a gestualidade – gosto muito da palavra géstica, que
aprendemos com nosso professor (Bornhein,
1992) –
desta mudez, que aponta para um embate entre o falar e o ver, entre estes dois
personagens contrapostos, mãe e filha, em que uma sonha com a paz e a outra lucra com a guerra?
Concluí que o mais interessante seria, durante toda a Cena 1,
manter uma atitude de aparente “normalidade”, de forma a despertar no espectador reações de
estranheza nos momentos em que: Kattrin e
Queijinho divertem-se com a maneira como a Mãe Coragem explica ao Sargento o
fato de seus três filhos terem nomes diferentes –
o som de seu riso não é agradável, como seria de se esperar; Mãe Coragem diz que o tenente é seu noivo, e
Kattrin, então, volta-se bruscamente para o irmão, dando as costas para a sua
mãe, ostensivamente, movendo os lábios com irritação, de forma que o espectador
possa estranhar por que motivo ela, nitidamente contrariada, nada diz;
finalmente, quando Kattrin vê Eilif sendo levado pelo
Recrutador, salta da carroça e com
“uns gritinhos roucos” e movimentos nervosos e desconexos quer avisar Mãe
Coragem – este gesto revelando, enfim, sua
mudez.
2) Como marcar em dimensões diferenciadas as várias
interferências diretas de Mãe Coragem na vida de Kattrin: quando ela própria tira
a sorte da filha; quando a obriga a devolver os petrechos de Yvette Pottier; quando tenta impedir que Kattrin socorra os camponeses
feridos; quando põe cinzas no seu rosto?
No episódio de tirar a sorte com papeizinhos, na Cena 1,
experimentei nos ensaios duas atitudes opostas: uma em que Kattrin, já
sabendo que a mãe agirá por ela, sequer esboça um gesto na direção do elmo em
que estão os papéis, e outra em que Kattrin não só faz o gesto como luta com a
mãe para que esta a deixe tirar sua própria sorte. Esta cena foi improvisada e
seus resultados discutidos inúmeras vezes, por conter gestus clarificadores dos dois personagens. Cheguei a: Kattrin leva
o braço e hesita, retoma o gesto em direção ao elmo, luta com a mãe para tirar
o papel, e perde a luta. De seu lado, Mãe Coragem ignora completamente os
gestos da filha, vai decidida, Kattrin luta sozinha. A sequência significa para
Kattrin: quer decidir sua vida, mas não sabe como, vai tentar, mas sua luta é
em vão, ela é sozinha contra a guerra. A atitude de Mãe Coragem, para Kattrin
quer dizer: sua luta não existe, ninguém a vê.
Coragem, ocupada em desmontar o acampamento, demora a
perceber que Kattrin, que a ajuda na tarefa, está “vestida de Yvette”, na Cena 3. A própria rubrica indica alguma vitória de
Kattrin na sua guerra pessoal contra a mãe: ela fica com os sapatos escondidos
sob a saia. A revolta da personagem finalmente explode, o suficiente para
enfrentar fisicamente a mãe, quando Coragem tenta impedi-la de socorrer os
camponeses feridos, na Cena 5. Em termos de gestualidade, minha construção foi,
no primeiro caso, a construção de gestos e sons curtos, nervosos, retorcidos,
envolvendo o corpo inteiro, já que os movimentos da mãe se dirigem para a
cabeça, quer o chapéu, e para os pés, quer arrancar os sapatos. Na nomenclatura
de Laban (1971: p. 114), este esforço se define
como a ação de chicotear, ou talhar (forte, indireta e repentina) e no segundo,
a firmeza de intenções de Kattrin tornaram seu
esforço na ação de bater, modificando a qualidade indireta em direta, objetiva.
O momento em que Mãe Coragem esfrega cinzas no rosto de
Kattrin é logo após a luta pelo “ser ou não ser” Yvette, na Cena 3. Kattrin
está exausta, age corporalmente como sonâmbula, quase num grau zero de tensão,
de adesão ao chão, de abandono à gravidade. Mas seu olhar vivo, atento,
acompanha Queijinho que está às voltas com o cofre que será a causa de sua
morte. Esse olhar é o da atriz, que conhece a peça, apontando para o que vai acontecer adiante.
3) Qual a gestualidade que designa Kattrin como cúmplice de
sua mãe nos negócios da guerra - ela também tira proveito,
já que é sustentada por eles?
São três os momentos em que Kattrin está diretamente
envolvida na ação dos negócios da Mãe:
Na Cena 3, Coragem negocia a compra de balas com o Artilheiro
e manda Kattrin pegar o dinheiro para a compra das balas. A Cena
6 inicia com as duas personagens fazendo um balanço de suas mercadorias e logo
adiante, nesta mesma cena, Coragem manda Kattrin à cidade com o Escrevente
buscar mais mercadorias, já que a guerra vai continuar, segundo a opinião do
Capelão. Minha composição gestual ficou aqui por conta de uma tonicidade
contrastante dentro de um mesmo gesto, sempre com o foco em tornar físicos
todos os eventos. Exemplo: na locomoção até o fundo da carroça, os pés apontam
para uma direção diferente do peito e o olhar, com ressonância no pescoço,
aponta para o chão. Aqui, mais uma vez me vali de Laban, em sua ideia sobre
partes olhantes e apontantes do corpo (Laban, 1971: p. 93-97). Ao contar as
mercadorias, o olhar é atento, o corpo todo se inclina sobre os objetos, mas a
pouca energia colocada nas mãos e nos braços é desarmonizada com a postura do corpo todo.
A saída com o escrevente traz algumas considerações. Os
atores sabem que esta ida à cidade trará como consequência para Kattrin uma
cicatriz no rosto. Será que deve ser feita de forma que os espectadores percebam que “alguma
coisa de ruim vai acontecer com Kattrin”? É esquisito, porque este é um dos
truques do cinema americano, nos dramas sempre se sabe que algo está por
acontecer. Dá para antecipar qual a personagem que vai morrer na cena seguinte.
O que nos interessa aqui, ao contrário do cinema americano, é que os
espectadores, ao invés de ficarem comovidos, penalizados ou inquietos pelo que
pode acontecer com Kattrin, possam refletir sobre as causas do acontecimento,
sobre o processo que a levou a tal situação e suas consequências e
implicâncias, e se posicionem em relação a isto.
Optei
por fazer a saída de cena “em direção à desgraça”, utilizando um andamento
rápido e um peso leve, com um impulso nítido no primeiro passo da locomoção,
qualidades contrastantes com o já estabelecido para Kattrin. Na volta, acelerei
o tempo, modificando as outras qualidades.
4) Como chora, ou melhor, não chora na presença do corpo de
Queijinho quando ele é trazido morto?
Com a parte alta do tronco na direção do morto (ela o ama),
os pés voltados para dentro (recusando a situação), no momento em que o rosto de Queijinho
é revelado, sem coragem de olhar, sem poder manifestar seu sentimento, seu
olhar se volta para a mãe, numa mistura de quem acusa e ao mesmo tempo pede
ajuda. Foi o que pensei e experimentei em alguns ensaios, mas não estava
convicta da sua propriedade, faltava uma espécie de autenticidade, uma das
qualidades almejadas para a reprodução dos acontecimentos da fábula. Compreendi
que o que faltava era um pensamento acompanhado do pré-movimento que antecede o
ato de assumir a atitude, manifestado em: vejam como Kattrin se coloca nesta situação e então, formar a atitude – e aí
funcionou. Vocês sabem, tenho pensado a atitude de acordo com o que diz Ingrid
Koudela: “Não apenas o sentimento, também o pensamento é, segundo Brecht,
influenciado pelas atitudes corporais” (Koudela, 1991: p. 21).
5) Há dois momentos em que a personagem age de maneira
impetuosa: quando corre para a carroça ao prever a morte de Queijinho e
quando joga um cesto de garrafas no chão, na fala do Capelão que prevê a
continuação da guerra. Como construir estes
momentos?
Compreendi o primeiro gesto como sendo uma antecipação do
acontecimento, como um anúncio, para o espectador, da morte de Queijinho, diminuindo o seu
impacto do ponto de vista emocional. Ao levantar, meu pensamento era: Mãe
Coragem perdeu muito tempo negociando, medindo em dinheiro a vida do seu filho
(evitei pensar em termos de meu irmão, como garantia para o distanciamento) e
agora Queijinho já está morto, numa atitude que denuncia a passividade, a falta
de ação eficiente sobre os acontecimentos históricos nos quais se pode
intervir. A levantada e a saída de Kattrin, feita num tempo rápido, com
movimentos fortes e determinados, correspondem àquilo que ela gostaria que Mãe
Coragem tivesse feito para impedir a morte de
Queijinho.
Na Cena 6, a saída brusca de Kattrin tem o significado
relativo à fala do Capelão. Ao elogio da guerra, Kattrin responde com uma atitude de
revolta infantil, infrutífera: não quer ouvir falar nisto. É como a criança que
quando não quer ser vista fecha os olhos com força. Serve, mais uma vez, como
contraste com Mãe Coragem. A mesma fala que tira Kattrin de cena, da ação,
impulsiona Mãe Coragem a novos negócios, nos quais vai envolver Kattrin e
graças a que ela fica ainda mais distante da possível realização do seu sonho:
ganha a cicatriz que, como a própria Mãe Coragem diz adiante, na Cena 9, vai
impedir que encontre um marido. Seu gesto de largar no chão o cesto de garrafas
e sair de cena pode ser executado de tal forma que contenha todos estes dados.
Há uma ideia de antecipar, na gestualidade, elementos que mais tarde o texto
vai revelar. Este é um dos exemplos. Fiz o que me pareceu ser uma reprodução
autêntica – esta foi uma das minhas cenas que vi executada por um ator, que
realizou uma espécie de exibição do que seria o padrão do “chilique” feminino.
Para que o Capelão e Mãe percebessem a dimensão do protesto de Kattrin, o que
fiz foi olhar firmemente para um e para o outro, com o corpo inteiro
tensionado, abri ostensivamente a mão que segurava o cesto e sem olhar para as
garrafas caídas no chão, quase tropeçando nelas, executei o movimento de correr
em direções incertas, com a intenção de plasmar
aí a infantilidade, o medo, a desorientação.
6) E a corrida para fora de cena, que ocorre logo depois?
Há, certamente, atitudes diferenciadas em Kattrin quando ouve
a conversa entre sua mãe e o Cozinheiro sobre a ida para Utrecht, da qual ela estaria excluída
pelo Cozinheiro; quando a mãe a impede de fugir, com a fúria de uma leoa que
protege sua cria; quando cede e atrela-se à carroça ao lado da mãe. O que vejo
aí é uma luta intensa que Kattrin trava consigo mesma e contra a situação em
que vive, e é, na peça toda, a cena em que se pode, através de Kattrin, ver com
mais clareza a idéia de que as coisas não precisam ser necessariamente assim.
Kattrin poderia ter ignorado o que ouviu, mas, pelo que ouve, toma uma decisão
fundamental para sua vida: decidida a fugir, poderia tê-lo feito, mas não o
faz; poderia lutar contra a vontade da sua mãe, mas atrela-se, com ela, à
carroça. Toda a gestualidade aí exercida precisa aparecer assim, como decisões,
que apontam uma alternativa possível, deixando antevista outra possibilidade.
Fiz assim: Kattrin ouve de cabeça baixa. Quando decide que vai arrumar suas
coisas e ir embora, seu rosto se revela, modificado pela nova atitude de quem
vai tomar conta de sua própria vida. À chegada de Mãe Coragem, Kattrin não
solta a trouxa imediatamente, mas travam uma espécie de luta de confronto
desenhada no espaço por posturas e locomoções que remetam a dois animais que
medem suas forças. Kattrin tem os passos curtos, o que pede leveza nas pernas,
o tronco levemente avançado, tenso. Os braços armados longe do corpo, elevados
lateralmente, punhos firmas, dedos das mãos afastados, seu olhar mudando
constantemente de direção, sempre diferentes do ponto para onde aponta o nariz.
É espantosamente contraditório o texto de Mãe Coragem. Luta para ter a filha ao
mesmo tempo em que diz para Kattrin não pensar que teria mandado o Cozinheiro
embora por sua causa. É tal o estranhamento, até para Kattrin que, espantada,
começa a ceder, seu corpo – gestos e
desenho no espaço – diminui em tensão, em
enfrentamento, em dimensão: vai parando de se locomover, os braços, soltos,
ficam ao longo do corpo, colados nele, mãos inertes. Quando Mãe Coragem sobe à
carroça e joga de lá as roupas do Cozinheiro, Kattrin está vencida e sua
postura e expressão voltaram a ser a mesma que predomina nas cenas anteriores, passiva e infantilizada: gestos longe do corpo,
largos, assim como os passos, numa dinâmica em que o uso do tempo-ritmo se
altera continuamente, o peso do corpo projetado à frente, pescoço avançado.
7) A questão da voz de Kattrin: algumas rubricas referem à
gritinhos, outra indica que Kattrin balbucia uma cantiga de ninar, ela ri na Cena
11. Como resolver? Que tipo de som é este, qual a sonoridade produzida?
Muito
tentada a uma construção de base psicológica e até naturalista – cheguei a
pesquisar em escolas de surdos-mudos, encorajada pela ênfase dada à observação – o que criei a partir disto resultou numa
atuação canhestra, travada. Achava interessante e esclarecedor a sugestão, para
o espectador, de que Kattrin não falava porque Mãe Coragem o fazia. Observei,
seguindo as rubricas, que o som da voz de Kattrin aparece nos momentos de maior
tensão. Então, compus sempre na contraposição entre som e movimento: na
trivialidade dos gestos fluentes, como na execução das tarefas, na lide com os
objetos, o som é apertado, estreito. Ao contrário, quando o corpo se crispa, o
som é claro, luminoso. Deveria parecer estranho que aquela moça pudesse às vezes parecer normal, como quando
embala e nina a criança ferida, na Cena 5.
Há uma indicação, no texto de Brecht Notas para Mãe Coragem e seus filhos (Brecht, 1970: v.
3, p. 22), que a atriz colocou
uma risada na Cena 9, quando observa o efeito das calças do Cozinheiro
colocadas junto à saia de sua mãe. Esta risada é que se transforma em
gargalhada na Cena 11, no momento máximo de medo e de tensão.
Preciso
esclarecer que há, sim, um modelo sobre o qual se trabalha. Este modelo serve
como ponto de partida, e nunca – mesmo! – de chegada. Não se ensaia para que o
ator chegue a uma reprodução convincente do que o outro ator fazia, por
exemplo. As particularidades de atuação e, principalmente, as novas ideias não
são apenas bem vindas, como estimuladas. O modelo funciona como o dever de casa
de qualquer diretor, que chega ao ensaio com uma sugestão ou indicações sobre a
cena a ser ensaiada naquele dia. Aqui, isto acontece principalmente no âmbito
da espacialização (é dada uma grande importância aos desenhos no espaço, aos
agrupamentos de cena), dos cenários, incluindo a localização dos músicos, dos
figurinos e dos adereços. Brecht diz que “os modelos não foram elaborados para
economizar o pensamento, mas para estimulá-lo; não para suprimir a criação
artística, mas para provocá-la” (Brecht,
1970: v. 3, p. 17). Sem dúvida, senti-me o tempo todo intensamente provocada.
Não há como ensaiar mecanicamente, não há como não buscar, por si mesmo, as
soluções gésticas (corpo e voz) necessárias.
Beijos, muitos, para todos.
Quadro no hall de entrada da casa em que morou o casal Brecht-Weigel. Foto: Nara Keiserman
Carta
7 – Uma cena
Meus queridos amigos,
Muita coisa aconteceu desde que mandei a última carta. Temos
ensaiado 8 horas por dia, o que é comum por aqui e impensável no nosso Brasil. É
muito bom! O que de mais importante temos para fazer, do que estar ali,
exercendo nossa arte para falar com o máximo de pessoas possível sobre o que
consideramos importante? Não é isso o que verdadeiramente nos move? O trabalho
está quase pronto.
Quero
descrever uma cena completa, com suas ações, composição géstica – não esquecer
que para Benjamin “o teatro épico é gestual” (Benjamin, 1973: p. 39) –, os pensamentos
elaborados, os significados para o público.
Como confessei numa das cartas, lá nos primeiros ensaios eu
julgava que a Cena 11, a do tambor, era o grande momento de Kattrin. Optei por
não ser esta a cena abordada aqui, por duas razões: uma, que esta cena tem uma
descrição feita por Brecht (Brecht, 1979: v.
3, p. 22-25), com o
hiper esclarecedor título de A pedra
começa a falar. Ao usar este modelo para a Cena 11, por nenhum momento
senti que a minha capacidade de criação tivesse sido tolhida. Minha própria
corporeidade não é afetada, ao contrário, é ela (sou eu!) que se manifesta e
imprime particularidades inalienáveis de atuação. As maneiras de o movimento
percorrer meu corpo será sempre diversa de um outro, o que me garante a
recriação e autoria em todo o ato cênico. O que interessava à cena estava lá,
seria ignorância jogar fora apenas porque não tinha sido eu o seu autor – não
me fere a liberdade de criação, é isto que quero dizer. A segunda razão é a
compreensão que fui adquirindo que esta não é a cena mais importante de
Kattrin, mas
sim a cena em que é uma atitude sua que desencadeia a ação – são coisas
diferentes.
Escolhi
a Cena 6, a partir do momento em que a personagem retorna da cidade, para onde
sua mãe a havia mandado para buscar mercadorias, incrementado seu negócio, já
que a guerra promete continuar, e os negócios só podem prosperar. Num exemplo
de uma das atitudes básicas mencionadas, de ajudar a Mãe nos negócios, mas reprovando-os,
este momento da cena aponta para uma consequência disto. A atuação géstica está
contida em: Kattrin ouve o elogio da guerra; ajuda nos negócios e ganha uma
cicatriz no rosto; como compensação ganha de Mãe Coragem os sapatos de Yvette.
Interessam-me
os dois últimos, que dizem respeito ao momento escolhido para detalhamento e
exposição. No texto, não é mais do que uma página, a 233 e, no entanto, é
decisivo para a determinação de traços marcantes a que Brecht se refere no seu
comentário à Cena 11: Kattrin teria se tornado, “de uma jovem amável e cheia de
vida, numa pessoa ferida e não desprovida de maldade. Seu corpo tornou-se
amorfo e pesado” (Brecht, 1979: v. 3, p. 22-25).
O
que acontece com Kattrin fora de cena, e que a traz de volta “ofegante, com um
ferimento na testa, em cima de um olho, carregando uma porção de coisas:
pacotes, objetos de couro, um tambor” (o
mesmo que usará na Cena 11), marca o
ponto em que ela abandona o sonho. Modifica-se não só o corpo, mas o rosto, não
só pela cicatriz, mas o próprio olhar – o modo, a qualidade do olhar. É a
partir daqui que Kattrin, que não quer mais ser vista, passa a não olhar.
Nas
primeiras leituras, a imagem que eu formava trazia uma Kattrin atônita,
agarrada aos objetos, como quem se agarra a uma possibilidade de vida - o corpo
rígido, o olhar esgazeado. Partindo desta imagem inicial, como de um modelo,
construiu-se a cena. A Mãe a manipula como a um boneco de madeira, ao mesmo
tempo inerte e duro, arrancando os objetos de sua mão com dificuldade, Kattrin
não consegue desfazer a tensão com que se agarra a eles. Mãe Coragem, por sua
vez, tem algum cuidado com os objetos, para não inutilizar nenhum deles. Limpa
a ferida, coloca a atadura – Kattrin não reage. Deixa-se cuidar, indicando sua
incapacidade de se salvar. Na Cena 11,
essa que não consegue se salvar é quem toma a iniciativa de salvar os outros.
Durante
a fala da Mãe, Kattrin permanece assim, em choque, a inércia significando a
consciência de uma passividade, de um pensamento tipo ‘na guerra,
seremos, os pobres, sempre as vítimas’. Olha para o nada, e seu
corpo, depois de colocada a atadura, assume uma nova postura: envergonhada,
desesperançada, ferida, a ingenuidade perdida. Ombros levemente caídos à frente,
arredondando a parte alta das costas, queixo enterrado no peito e os ombros
altos, escondendo o rosto, braços e mãos soltos, as palmas das mãos, voltadas
para trás, rentes ao corpo. Parece ter um leve despertar quando Mãe Coragem
traz os sapatos e os coloca no chão para que ela os calce – é a sua recompensa
por ter, mesmo ferida, trazido as mercadorias. Olha os sapatos sem reação, sem
entender.
À
apologia da Mãe sobre as vantagens de ser feia, o olhar de Kattrin, posto nos
sapatos ergue-se e só agora ganham um tom, ao olhar espantada, com um pequeno
tremor nos ombros acompanhado de um suspiro, que não sugere, absolutamente, um
esgar choroso, significando: você pretende que eu acredite nisto? Em seguida,
ignorando assumidamente o Capelão, e isto aparece ao evitá-lo claramente no
momento em que ele havia se aproximado à sua entrada em cena, Kattrin, andar
apressado e pesado, os passos de tamanhos diferentes, em ritmo descompassado,
mete-se na carroça.
Beijos.
Carta
8 – Finalizando
Queridos
amigos,
Lembro
que logo que começamos a estudar Brecht, tínhamos muitas dúvidas nesta questão
da razão x emoção. Chegamos a imaginar que o teatro brechtiano seria esfriado
pelo pensamento crítico, que de alguma forma era mais fácil para o ator, por
poupá-lo do esforço “viver” a personagem. Equívoco nosso, evidentemente. A
experiência tornou concreta a percepção de uma integridade do ator (da pessoa,
na verdade), que não admite pensamento sem emoção. Acho que andamos confundindo
sentimento com sentimentalismo, isso sim, e atuação verossímil com “carga
dramática”. Algumas das improvisações que fizemos aqui tinham mesmo como
intenção ganharmos clareza a respeito do pensamento (emocionado, emocional?)
não verbalizado no texto. O objetivo era de torná-los parte da composição gestual
(gestos e atitudes) para que se possa ganhar a dimensão humana que interessa, a
da lucidez social do acontecimento historicizado.
Não
posso dizer que acabaram minhas dúvidas. Na verdade, penso que esta é uma das
vitórias de Brecht – seu trabalho não acaba em si mesmo e, por isso, ainda
podemos nos alimentar dele e seguir adiante com alegria.
Aguardem
meu breve retorno, estou tinindo de vontade de trabalhar, o que – vocês sabem –
sempre me dá até mesmo quando leio Brecht.
Quadro
no Berliner Ensemble, mostrando Bertolt Brecht em várias idades. Foto: Nara
Keiserman
Essa
é minha última carta! Quero encerrar nossa correspondência com um trecho da
obra poética de Brecht que no livro Poemas
1913-1956 (Brecht, 2000: p. 266) vem introduzindo os poemas
da Coleção de Margarete Steffin:
Isso é tudo e não é muito, bem sei.
É só para lhes dizer que ainda vivo.
Como alguém que um tijolo levasse consigo
Para mostrar como foi sua casa uma vez.
Queridíssimos
parceiros, assim me sinto: mostrando um tijolo. Se alguém vir o tijolo, já está
bom. Se alguém tomar o tijolo, ainda melhor. Se alguém com o tijolo construir
uma casa...
Beijos!
Conclusão
Considerando
a questão colocada inicialmente como impulsionadora para a elaboração deste
trabalho, tratando de como um pensamento técnico-teórico pode fazer fermentar a
imaginação em direção a uma elaboração de cena ficcional, parece-me que há aí,
sim, uma possibilidade concreta de experimentação.
Se
é
possível
considerar a escrita como um ato concreto, físico, corporal, gestual, então a
execução prática aqui proposta deixa de ser ficcional e se revela produtiva e
eventualmente eficaz.
Referências
bibliográficas
BENJAMIN,
Walter. O que é o Teatro Épico? Um estudo sobre Brecht. CARY, Luz; MOURA RAMOS,
Joaquim José (org.). Teatro e Vanguarda.
Lisboa: Presença, 1973.
BORNHEIN,
Gerd. A Estética do Teatro. Rio de
Janeiro: Graal, 1992.
BRECHT,
Bertolt. Teatro dialético. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
____ Escritos sobre Teatro. Buenos Aires:
Nueva Visión, 1970 (3 vols).
____ Estudos sobre o Teatro. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1978.
____ Mãe Coragem e seus filhos. In_______ Teatro Completo. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1991 (6 vols).
____ Poemas 1913-1956. São Paulo: Ed. 34,
2000.
FRANÇOIS,
Jean-Claude. Mère Courage de Bertolt Brecht. In: BABLET, Denis (org.). Les voies de la création théâtrale, v. 2. Paris: CNRS, 1970.
KOUDELA,
Ingrid Dormien. Brecht: um jogo de
aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 1991.
LABAN,
Rudolf. O Domínio do Movimento. São
Paulo: Summus, 1971.