10. JAQUES CORSEUIL E A CRÍTICA DE
DANÇA NO BRASIL
10. JAQUES CORSEUIL AND DANCE CRITICISM IN BRAZIL
Beatriz
Cerbino
Resumo
O crítico e jornalista de dança Jaques Corseuil escreveu, por
quase trinta anos, para diversos periódicos, entre revistas e jornais,
contribuindo para a construção de um ideal de dança cênica nacional, assim como
para a formação de um público específico para a área. Seus escritos – entre
críticas, matérias e perfis de bailarinos – formam um importante acervo da
memória da dança no Rio de Janeiro e no Brasil.
Palavras-chave | Jaques
Corseuil | Crítica de dança | História da dança | Memória | Balé
nacional
Abstract
For almost 40 years, the dance
critic and journalist Jacques Corseuil wrote for various venues, including
magazines and newspapers, contributing to the construction of a national ideal
of dance as well as to the formation of a specific audience for the area. His
writings – including reviews, texts and profiles of dancers – form an important
patrimony of dance memory of Rio de Janeiro and Brazil.
Keywords | Jaques Corseuil | Dance review | Dance history | Memory | National ballet
Beatriz Cerbino é Doutora em História pela UFF, com
estagio de doutoramento (visiting scholar) na
Universidade de Nova York, no Programa de Estudos da Performance. Ela é professora da Universidade Federal
Fluminense/UFF, no curso de Produção Cultural e no Programa de Pós-graduação em
Ciência da Arte/PPGCA.
Beatriz
Cerbino holds a doctorate in History
from Universidade Federal Fluminense/UFF, and held a doctoral
research/visiting scholar fellowship in the Department of Performance Studies
of the Tisch School the Arts, New York University. She is a professor at the Federal University Fluminense (UFF) in the
undergraduate program of Cultural Production and in the Graduate Program in
Science of Art/PPGCA.
Este texto vincula-se à pesquisa do CNPq Anatomia de um pensamento: os escritos de Jaques Corseuil, e contou
com o apoio do bolsista PIBIC/UFF, Igor Nunes Campos, aluno de graduação do
curso de Produção Cultural. Uma primeira versão desse texto foi apresentada no
VIII Encontro Nacional de História da Mídia, em abril de 2011.
This essay is part of a CNPq (National Counsel of Technological and
Scientific Development) research project, with research assistance from Igor Nunes Campos (PIBIC/UFF grant), an undergraduate student in
the Cultural Production Program. A
first version of this essay was presented at the VIII National Meeting of the
History of the Media, in April of 2011.
JAQUES CORSEUIL E A CRÍTICA DE DANÇA
NO BRASIL
Beatriz Cerbino
Uma breve
apresentação
A crítica de
dança no Brasil passou por diferentes momentos em sua constituição como campo,
desde a descrição do que era apresentado em cena, como os textos publicados na
primeira década do século XX, até o entendimento mais amplo e democrático do
que pode ser entendido como um espetáculo de dança.
O papel
desempenhado por Jaques Corseuil nesse processo é essencial, pois seus escritos
formam um importante e valioso painel de como a dança era percebida nas décadas
de 1940 e 1950, não só na cidade do Rio de Janeiro, onde escreveu nos mais
representativos periódicos locais, mas também no Brasil, já que se tornou uma
referência do conhecedor de dança, especialmente de balé, no país.
As ideias que
apresenta e defende em seus textos são fundamentais para se entender o contexto
sócio-cultural da dança da época, e como os ideais por ele defendidos podem ser
percebidos nos corpos em movimento. Uma escrita corporal que Corseuil defendeu
enfaticamente: para além de um bailado nacional, era preciso criar um corpo
nacional.
O jornalista
e crítico Jaques Corseuil
Corseuil
(1913-2000) publicou sua primeira matéria na revista Cinearte, em 15 de janeiro de 1938,
ainda assinando como CF, uma abreviação para Inácio Corseuil Filho, seu nome de
batismo. No ano seguinte, passaria a assinar seus textos apenas como Jaques, e,
a partir de 1940, como Jaques Corseuil, nome que se tornaria uma referencia no
meio da dança nacional. Identidade construída ao longo dos anos e firmada tanto
pelo profundo conhecimento que tinha da dança, especialmente balé, quanto pela
amizade que estabeleceu com os profissionais da área.
Na matéria de
1938, foram apresentados os bailarinos Vera Grabinska
(?-1986) e Pierre Michailowsky (1888-1970), casal que
colaborava com pequenos ensaios coreográficos para a História do Cinema
Educativo, projeto desenvolvido pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo
(INCE), criado em 1937, que utilizava o cinema como meio de educação. O foco do
texto, contudo, não era o cinema, mas a dança, a carreira desses bailarinos,
desde sua formação na Rússia até a chegada ao Brasil, e seus esforços para a
“educação rítmica da mocidade brasileira, desenvolvendo vocações” (Corseuil,
1938).
Aos vinte e
cinco anos, Corseuil já assumia uma postura que, longe de ser neutra, defendia a
dança como um meio para educar o gosto popular para o que considerava belo e
para apreciar a arte brasileira, e que se tornaria mais incisiva ao longo do
tempo. A partir de então escreveu regularmente, durante vinte e três anos, ora
em períodos alternados ora simultâneos, para revistas como Brasil Musical, A
Cena Muda, Cinearte, Ilustração Brasileira,
Rio, etc., além dos jornais Correio
da Manhã, Diário Carioca, Folha Carioca e O Globo.
Havia na
imprensa carioca, nesse período, críticos que, além de escrever sobre artes
plásticas, música e teatro, suas principais funções, também produziam textos
sobre dança: Antonio Bento (1902-1988), do Diário
Carioca, Mário Nunes (1886-1968), do Jornal do
Brasil, JIC, como
assinava João Itiberê da Cunha, e Eurico Nogueira França, do Correio
da Manhã, Mário
Domingues, do Correio da Noite, D’Or,
pseudônimo de Ondina Ribeiro Dantas, do Diario
de Noticias, Grock, da revista O Cruzeiro, e Ruben Navarra, do jornal A
Manhã, entre outros.
É nesse contexto que a atuação de Jaques Corseuil, um dos primeiros críticos
especializados no assunto, deve ser compreendida.
Formado em
direito e funcionário de carreira do Banco do Brasil foi um ávido consumidor de
cinema e espetáculos de teatro e de dança, uma formação que o habilitou a
ocupar o posto de jornalista e crítico de dança dos jornais e revistas com os
quais colaborou. Profundo conhecedor dessa arte, Corseuil também estabeleceu uma
rede de sociabilidade com um grande número de bailarinos, o que o permitiu ter acesso
a informações sobre temporadas e repertórios a que poucos tinham acesso,
compartilhando-as depois com seus leitores.
Sua vasta e
ampla atuação pode ser acompanhada nas entrevistas e nos perfis de bailarinos por
ele publicados, além da cobertura e críticas das companhias que se apresentavam
na cidade do Rio de Janeiro. O espaço conquistado por Corseuil na imprensa é um
importante indício do crescente interesse pelo tema, de uma preocupação com a
formação de um público para a dança no país e também com a construção de uma
memória da dança que aqui se fazia e era apresentada, processos nos quais a sua
participação foi fundamental.
A circulação desses
ideais nos periódicos para os quais escrevia chama atenção para o público atingido,
as classes média e alta da sociedade carioca, e que tinha nessas publicações a
representação social e simbólica de seu comportamento: lugares e eventos a
serem frequentados, assim como o consumo de objetos e de bens culturais (Mauad, 2000), entre esses os espetáculos de dança.
A produção
crítica
A produção de
Corseuil pode ser elencada em três tipos distintos: críticas, matérias e
perfis. É importante observar como, para ele, a dança era o ponto de partida e
de chegada de sua observação e produção textual. O desempenho dos bailarinos e
a coreografia não estavam a serviço da partitura musical ou da cenografia, como
de hábito acontecia nos textos dos demais críticos; mas, ao contrário, para
ele, era a dança que determinava sua perspectiva crítica. Essa visão
diferenciada capacitou-o como um dos mais importantes pensadores da dança do
Brasil, nas décadas de 1940 e 1950.
Um interessante
percurso para se pensar os escritos de Jaques Corseuil é partir dos estudos
sobre memória, percebendo como o passado é experimentado no presente e, com
isso, como seus textos são importantes registros e fontes para o entendimento
da dança que se fazia, e que se faz, no Rio de Janeiro. Ao explicitar suas
escolhas – afinal era ele que decidia o que e quem deveria ocupar o espaço de
suas colunas –, Corseuil estabeleceu o que deveria ser lembrado, reafirmando
com isso seu projeto de dança a ser desenvolvido no Brasil.
A fim de
entender tais questões e como se articulam com a percepção de memória aqui pretendida
é fundamental entender que o passado não se esgota, mas encontra formas de
permanência em diferentes significações e elaborações. Trata-se, portanto, de uma
renegociação que possibilita a emergência de uma nova configuração de tempo e
espaço. Longe de fixa e imutável, a memória está em constante estado de
mudança, aberta a usos e manipulações que a transformam ao longo do tempo,
formulando novas perspectivas do passado. Ao atuar no presente, como uma
construção atual, a memória opera em escalas variadas, tanto no individual
quanto no coletivo, articulando projetos e construindo identidades.
Pierre Nora (1993),
ao elaborar seu conceito sobre lugares de memória, apresenta possibilidades de
se pensar a dança e, consequentemente, os escritos de Jaques Corseuil, a partir
dessa perspectiva. Lugares de construção de uma identidade que se faz por meio
de vestígios, de traços deixados por algo que já não é mais. No seu entender, a
necessidade de criar espaços e símbolos, fabricar monumentos e coisas,
instituir comemorações e datas se deu porque a capacidade de lembrar passou a
ocorrer fora da experiência vivida, o que provocou a ritualização da memória (Cerbino, 2009).
Segundo Nora,
os lugares de memória são de três tipos: materiais, nos quais a memória social se ancora, podendo ser apreendida
pelos sentidos; funcionais, quando
possuem a função de alicerçar memórias coletivas; e simbólicos, em que essa memória coletiva é revelada. Esses
tipos não são excludentes, mas coexistem no tempo, mantendo ativos laços de
pertencimento e, com isso, vínculos de identidade.
Nesse sentido,
é possível entender os textos produzidos por Corseuil como lugares de memória,
a partir dos quais a própria ideia de uma dança brasileira, daquele momento –
1940 e 1950 –, que ele tanto buscou e contribuiu para a formatação, pode ser
percebida.
Entre os
vários periódicos para os quais escreveu destacam-se as revistas Ilustração brasileira e A cena muda, e os jornais Correio da manhã e O Globo, não apenas pelo volume e tempo de colaboração, mas também
pelas ideias ali apresentadas. Para cada um desses veículos, publicou
diferentes colunas e tipos de texto. É preciso ressaltar que um não excluía o
outro, isto é, Corseuil escreveu simultaneamente para veículos distintos, o que
permitiu que alcançasse uma gama mais ampla do público. Igual perspectiva pode
se ter dos textos que publicou de maneira avulsa, ou seja, sem ser um
colaborador constante, em revistas como Sombra,
Vida e Brasil Musical, espaços em que também destacou a necessidade de se investir
em um bailado nacional, além de se pensar os rumos desse balé e a formação de
um público específico.
Uma
estratégia que se mostrou bastante proveitosa, pois assim pode atuar em diversas
frentes, não apenas apresentando os bailarinos e chamando atenção para aquilo
que iria ser mostrado em cena, mas também defendendo suas ideias sobre temas
polêmicos como uma política pública para o setor, o fato do Corpo de baile do Theatro
Municipal pouco se apresentar, e a formatação de um “bailado nacional”, entre
outros.
Corseuil
começou a escrever nos jornais O Globo
e Correio da Manhã em dezembro de 1941.
No primeiro colaborou por seis anos, até 1947, e no segundo manteve uma
parceria de vinte anos, tornando-se uma referencia no jornalismo de dança desse
veículo.
Nos seis anos
em que escreveu no Globo, manteve uma
coluna no suplemento O Globo feminino
na qual apresentava bailarinos aos leitores, coluna que a partir de 1943 passou
a se chamar “Figuras do ballet”, divulgando nomes nacionais e internacionais. Com
esse título assumia claramente seu foco de interesse, isto é, escrever sobre os
principais artistas em temporada na cidade, atuando assim como um mediador
entre o público e as personalidades retratadas em sua coluna. Composta
inicialmente de uma apresentação, em que fazia uma breve descrição da
trajetória profissional de seu entrevistado, o texto de Corseuil interessava exatamente
por expor de maneira direta não apenas opiniões e percepções sobre a dança, e a
vida artística de um modo geral, dos artistas ali mostrados, mas também por usar
aquele espaço para fazer críticas à situação da dança cênica no Brasil.
Oferecia tanto um perfil para o leitor, que assim tinha acesso aos principais
fatos da carreira dos seus artistas preferidos, quanto também atuava como um
importante espaço de exposição para as companhias em turnê pela cidade, das quais
seus entrevistados participavam.
Em sua coluna
de outubro de 1943, a primeira a ser denominada “Figuras do ‘ballet’’, Corseuil
apresenta Leda Iuqui (1928), então elevada ao posto de
primeira-bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro mas que, apesar de
ser um dos principais nomes, não recebia papéis à altura de seu talento. Ao ir
além da apresentação do profissional em questão, fica claro como o crítico
usava esse espaço para fazer uma análise da situação da dança na cidade, nesse
caso a situação do corpo de baile da principal companhia de balé do país. O
descontentamento de Corseuil com a direção do Municipal, por não valorizar
devidamente Leda Iuqui, é claramente percebido em seu
texto quando afirma ser Iuqui “uma primeira-bailarina
quase sem papéis” (Corseuil, 1943).
Ao longo dos
anos em que colaborou com O Globo, Jaques Corseuil não deixou de fazer
de sua coluna um espaço de defesa do bailado nacional, mesmo que o bailarino
apresentado fosse estrangeiro, com pedidos de melhores políticas culturais para
a área, e a solicitação de melhores, e maiores, temporadas para os bailarinos
do Municipal carioca. Além disso, havia em sua escrita um permanente cuidado
com a formação do bailarino brasileiro que, segundo ele, deveria se espelhar no
exemplo do profissional estrangeiro a fim de adquirir técnica e qualidade
artística.
No jornal Correio da Manhã, onde escreveu por
vinte anos, de 1941 a 1961, Corseuil manteve, em diferentes períodos, dois
tipos bem distintos de coluna: um dedicado a notícias variadas do mundo da
dança e do balé, e um outro em que, como no Globo,
apresentava as personalidades desse universo. Pode-se dizer, em certo sentido,
que se tratou de uma continuação do trabalho que fazia no Globo, só que dez anos depois, já que no Correio da Manhã sua coluna “‘Personalidades do ballet” circulou de
1956 a 1957. Nessa série, Corseuil teve a preocupação de narrar com detalhes as
carreiras dos bailarinos apresentados, sem deixar de lado, contudo, sua veia crítica
ao fazer pequenos comentários sobre a situação do balé no Rio de Janeiro e no
Brasil. Nomes como Bertha Rosanova
(1930-2008), Leda Iuqui (1922), Maryla
Gremo (1911-1985), Nina Verchinina
(1910-1995), Tamara Toumanova (1919-1996) e Vaslav
Veltchek (1896-1967), entre muitos outros, foram
alguns dos entrevistados por Corseuil e que tiveram grande importância para a
dança no Brasil.
Ao apresentar
o perfil e a carreira desses profissionais, Corseuil estabeleceu um importante
espaço de afirmação da própria dança, criando ao mesmo tempo um lugar de memória,
entendendo-o aqui como um lugar do não esquecimento. Essa postura de Corseuil
importa por tornar acessíveis ao público informações sobre esses profissionais,
construindo assim um espaço de articulação do universo do balé com seu público,
não só pela apresentação dos bailarinos, como também das obras por eles
interpretadas.
É
interessante notar, sobre sua coluna de notícias variadas, que a partir de
setembro de 1958 ela deixou de se chamar apenas “Ballet”, como ocorria desde
1954, agregando “Dança” ao título, passando a ser “Dança e Ballet”. Fato que é
um importante indicativo de como Corseuil percebia o universo ao qual se
dedicava a estudar e a escrever desde 1938: por um lado, a dança não se
restringia apenas à técnica do balé, por isso a ampliação do título, por outro,
porém, pode indicar que para ele, Corsueil, o balé era mais importante,
merecendo uma distinção do assunto geral, a dança.
Em sua coluna
de 25 de julho de 1954, ao lado outras notícias ligeiras sobre a dança no
mundo, fez uma calorosa defesa da permanência da bailarina e coreógrafa Nina Verchinina no Brasil, não apenas indagando, mas,
principalmente, apontando a falta de interesse político em realizar investimentos
na área. Fica claro na escrita de Corseuil sua recorrente percepção e
consequente defesa do balé como um dos principais meios para levar cultura às
pessoas. Havia uma grande preocupação com o estado dessa arte no Brasil que, em
sua opinião, enfrentava problemas na qualidade de sua produção pela pouca
atenção e escasso apoio financeiro que recebia dos órgãos públicos. Para ele,
não havia sentido em perder mais tempo:
Aqui
estiveram e tudo fariam para realizar alguma coisa pelo ballet no Brasil, artistas como Igor Schwezoff,
Nini Theilade, Yurek Shabelewski, Nina Verchinina e
Tamara Grigorieva – e ainda este ano, Roman Jasinski e George Skibine. E
ninguém se mexe. Capitais são empregados em tudo, desde futebol e até goiabada.
Mas para o ballet, arte que significa
civilização e cultura, não há a confiança ou o conhecimento necessário. E o
nosso ballet continua a ser um órgão
burocrático. Sustentado quase que exclusivamente para divertir os banquetes e
festas oficiais (Corseuil, 1954).
As palavras
de Corsueil são um interessante, e importante, indício de como o balé sofria
com a falta de investimentos contínuos, dificultando seu desenvolvimento no
país e a formação de novos profissionais.
Na revista Ilustração Brasileira, Jaques Corsueil
escreveu durante quinze anos, de 1942 a 1957, e nesse período publicou tanto
críticas de temporadas, de companhias nacionais e estrangeiras, quanto perfis
de bailarinos. Esses últimos, porém, diferiam dos apresentados nos jornais, já
que na revista tinha um espaço maior, o que possibilitava uma matéria um pouco mais
aprofundada com seu entrevistado.
Porém, é com
as críticas que seu texto na Ilustração
ganha mais peso. Observador atento das mudanças pelas quais a dança cênica
passava no mundo, e no Rio de Janeiro, Corseuil não se limitou a reproduzir
notícias variadas, mas foi capaz de estabelecer uma relação entre a dança feita
no Brasil e pelas companhias estrangeiras, assim como criticar a dança em si –
coreografia, desempenho dos artistas, produção de figurinos e cenários.
Na segunda passagem
do “Original Ballet Russe” no Rio de Janeiro, em
1944, sua crítica publicada no mês de julho ressalta a natureza “útil” da
temporada no sentido de educar o gosto do público para a dança, ao apresentar
obras seminais como Les sylphides,
criada em 1909, por Michel Fokine (1880-1942).
Mais
interessante ainda é a percepção de Corseuil sobre o repertório mostrado pela
companhia, tido por alguns como um “museu”, por demais conservador. Para ele,
no entanto, esta era uma das maiores qualidades do grupo: “museu de fato, mas
museu vivo, do gesto, do movimento, academia ambulante da dança clássica,
conservatório do ballet. E sob o ponto de vista de dança esse repertório tem um
valor documentário, dando-nos as origens do ballet atual”. É nítido o entendimento
do crítico em relação à importância desse tipo de repertório e como este pode
ser percebido como um espaço de permanência, de memória, do balé. Memória no e
do corpo e, por isso, fundamental na produção artística que aqui se fazia.
Outra importante
revista com a qual colaborou foi A cena
muda, onde escreveu durante oito anos, de 1944 a 1952. Mais uma vez,
intercalou matérias com perfis de bailarinos, sendo esses sua principal
produção no veículo.
Com o título
de ”Falando de dança com...”, Corseuil entrevistou vários profissionais,
nacionais e estrangeiros em turnê pela cidade, e invariavelmente começava com a
pergunta “como se fez dançarina(o)?”. Seguia-se então uma série de perguntas sobre
a carreira do profissional em questão, como as melhores e piores recordações,
os melhores papéis, qual gênero preferido, etc. Essa coluna não continha
opiniões do crítico sobre seus entrevistados, como nos periódicos anteriores,
funcionava somente como um espaço de perguntas e respostas, de fato um questionário.
Trata-se, mais uma vez, da utilização do espaço da mídia para a apresentação
desses artistas ao grande público, em uma tentativa de popularizar o balé e
seus profissionais, oferecendo informações ao mesmo tempo em que educava o
leitor sobre esse universo. Busca que Jaques Corseuil nunca deixou de fazer ao
longo de sua carreira como crítico e jornalista de dança.
Na única
matéria que escreveu para Sombra, em
dezembro de 1943, com o título de “Rumo para o ballet”, Corseuil, ao tomar como
exemplo Estados Unidos e Inglaterra, percebeu um importante fator para a
construção do que entendia como bailado nacional: a formação de um público
amplo para a dança. Público que só poderia ser alcançado por meio da “criação de
escolas, grupos e agremiações”, a fim de facilitar o acesso a essa arte. Sua
insatisfação com a falta de incentivo ao Corpo de Baile do Theatro Municipal do
Rio de Janeiro era grande, mesmo com a temporada daquele ano tendo sido um
sucesso1.
Interessante
é sua percepção da necessidade de um envolvimento por parte do espectador com
esse fazer específico, isto é, o público não deveria ficar distante, mas
apreciar e entender a obra como um todo. Entendimento que só seria possível com
o hábito de assistir espetáculos. Para ele o objetivo era claro, não se tratava
apenas de formar bailarinos profissionais, “mas despertar o interesse e a
simpatia de nossos meios por esta arte tão mal compreendida”.
Em maio do
ano seguinte, 1944, na revista Vida,
em sua matéria “O ‘ballet’ brasileiro”, retomou as deficiências que percebia no
então único corpo estável oficial de balé do Brasil. Ao mesmo tempo em que
criticava as poucas apresentações do Corpo de Baile do Theatro Municipal e a
falta de um diretor artístico na casa, ressaltava os pontos que considerava positivos,
como a própria existência dessa companhia e a qualidade demonstrada por seus bailarinos.
Mais do que lamentar a falta de incentivo por parte do poder público, Corseuil
aponta caminhos possíveis para a estruturação de um grupo “sólido e estável”,
como a formulação de um repertório e a prática de aulas diárias, que dariam ao
grupo, segundo seu entendimento, condições de se melhor organizar.
Considerações
finais
As matérias
publicadas por Corseuil apresentavam um pensamento que buscava, além de
compreender a dança como uma elaboração artística e cultural, construir uma
memória dos fatos e personagens que aqui atuavam. Além da preocupação em tornar
a dança acessível a todos, seu trabalho é marcado pela defesa explícita que
fazia acerca da necessidade de constituição de um bailado nacional, isto é,
pelo o que na época era entendido como tal: temas nacionais dançados por
bailarinos brasileiros, com partitura e cenografia de artistas brasileiros.
Interessante observar que a função de coreógrafo era, de um modo geral,
exercida por um estrangeiro, o que, no entanto, não era visto como um problema,
já que na época eram profissionais vindos de fora do país que exerciam essa
atividade. Cabe lembrar que a instalação da primeira escola oficial de bailados
no Brasil havia se dado em 1927, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e a
oficialização de seu corpo de baile em 1936. Estava-se, portanto, em processo
de formação não só de público, mas também de profissionais para a área.
Dois aspectos
chamam atenção na produção de Jaques Corseuil nos veículos aqui elencados: a recorrente
apresentação dos profissionais da dança, chegando a entrevistar o mesmo
bailarino, ou bailarina, nos diferentes periódicos para os quais escreveu, e o
uso de sua coluna para defesa de seus ideais em relação ao balé nacional. Cabe
ressaltar ainda que todos os perfis publicados eram acompanhados de, no mínimo,
uma foto, para associar a imagem ao nome.
Durante os anos em
que trabalhou como colunista nesses diferentes periódicos, Corseuil construiu
uma extensa rede de sociabilidade, o que possibilitou seu acesso a dados e
informações que dividiu com seus leitores. Mais ainda, permitiu conhecer o
universo da dança profundamente, o que poucos críticos no Brasil conquistaram
na época.
Ao escrever para veículos
de grande circulação, alcançando assim um amplo e variado público, Corseuil
buscou ao máximo que podia disseminar informações que, naquele período, não
circulavam tão facilmente. Dados sobre as obras, repertório das companhias e
mesmo detalhes pessoais dos bailarinos eram recorrentes em seus textos. Suas
críticas também possuíam um alto grau de informação, a fim de estabelecer com
seu leitor um diálogo e assim funcionar como um intermediador entre obra e
espectador.
Ao usar seu espaço
na mídia, tanto nos jornais quanto nas revistas, Jaques Corseuil buscava não só
apresentar os profissionais da dança, mas acima de tudo tornar a dança, em
especial o balé, conhecido e apreciado. Um objetivo que resultou na elaboração
de um importante acervo para a dança, que pode ser entendida como um lugar de
memória.
Referências
bibliográficas
BARBOSA, Marialva. História cultural da imprensa: Brasil
1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad, 2008.
CERBINO, Beatriz. Críticas
de dança: considerações preliminares, aproximações possíveis. NORA, Sigrid (org.). Temas
para a dança brasileira. São Paulo: Edições SESC SP, 2010, p. 19-40.
____ Dança e memória:
usos que o presente faz do passado. BOGÉA, Inês (org.). Primeira estação: ensaios sobre a São Paulo Companhia de Dança. São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/São Paulo Companhia de Dança,
2009, p. 33-47.
CHARTIER, Roger. À
beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre:
Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
CORSEUIL, Jaques. Figuras
do ballet: Tatiana Stepanova. O Globo, Rio de
Janeiro, 16 ago. 1946.
____ Leda Yuqui. O Globo, Rio
de Janeiro, 16 out. 1943.
____ No Theatro. Cinearte, Rio de
Janeiro, 15 jan. 1938, p. 12.
____ Rumo para o
ballet. Sombra, Rio de Janeiro, dez. 1943.
____ A temporada do
ballet russo. Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro, jul. 1944, p. 40.
____ A temporada
nacional de bailados. Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro, out. 1946,
p. 24, 25 e 40.
FOSTER, Susan Leigh
(ed.). Choreographing history. Bloomington
and Indianapolis: Indiana University Press, 1995.
MAUAD, Ana Maria. Poses
e flagrantes: ensaios sobre história e fotografias. Niterói: EdUFF, 2008.
NORA, Pierre. Entre
memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em
História do Departamento de História da PUC-SP, N. 10, 1993.
PEREIRA, Roberto. A
formação do balé brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003.
SUCENA, Eduardo. A
dança teatral no Brasil. Rio de Janeiro: MinC/Fundacen,
1988.
1
Para um aprofundamento sobre a temporada de 1943 do Corpo de Baile do Theatro
Municipal do Rio de Janeiro ver PEREIRA, Roberto. A formação do balé brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003.