Editorial
É com
grande prazer que, após a publicação de treze números impressos, o periódico
científico e artístico O Percevejo, do antigo Programa de pós-graduação
em teatro, PPGT, hoje PPGAC (Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas), da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, vem à luz com o
primeiro número em versão on-line.
Esta nova
versão eletrônica foi estudada não só para melhor se adequar às exigências do Qualis de periódicos da CAPES, mas também para usufruir das
possibilidades oferecidas pela tecnologia gratuita do SEER (Sistema Eletrônico
de Editoração de Revistas) fornecido pelo IBICT.
A nova proposta de
periódico manterá o conceito de Dossiê temático, dedicado, em cada número, à
publicação do resultado de pesquisas desenvolvidas por equipes integradas por
docentes e discentes pesquisadores de nossa instituição e de pesquisadores
associados de outras universidades brasileiras e estrangeiras, bem como por
docentes livre-pesquisadores. Estará também receptiva
a trabalhos de artistas que atuam na área. A contribuição de artigos de temas
variados, para além do Dossiê, serão aceitos para integrar uma “sessão
livre”,após apreciação pelos pares.
Na escolha do Dossiê
deste primeiro número on-line, nos
agenciamos com as palavras do sábio grego Bias de Priene,
ao afirmar que “é preciso que o povo lute pelas leis, tanto quanto pelas
muralhas da sua cidade”. E damos início à nova aventura a partir do tema A
CIDADE COMO SUPORTE DA CENA, para a qual foram selecionados artigos de
pesquisadores de universidades brasileiras e de pesquisadores estrangeiros,
esses em versão integral bilíngüe, tendo como referência comum a questão das
artes cênicas em diálogo com aspectos do espaço da cidade. Apresentamos também
as sessões Tradução e Entrevista, que, neste número, se
alinham com a proposta do Dossiê. Os textos, aqui reunidos e divididos em três
segmentos, lidam de formas distintas com o binômio arte-cidade, mas conservam o
entendimento da questão urbana como complexo fenômeno artístico-cultural. A
questão urbana, sobre a qual, a pesquisa em artes tem se movimentado
com forte compromisso e como campo de questionamento das relações existentes
entre a realidade e o sujeito.
No primeiro segmento, Tensões e
Revelações, a cidade surge a partir de reflexões
sobre as práticas artísticas, em intervenções realizadas sobre e sob o tecido
urbano – configurado como contemporâneo –,
no qual os princípios de harmonia e unidade pensados pela modernidade foram
sendo paulatinamente desmontados, nas ultimas décadas do século XX. E é por
esse percurso, sob ângulos que perpassam categorias filosóficas,
historiográficas e urbanísticas, quando as atividades artísticas tencionam-se
vivamente entre o gesto poético e o político, que nos interessamos. Para tal,
contamos com a contribuição de Zalinda Cartaxo (UNIRIO), que retoma a categoria estética do sublime no contexto contemporâneo, ao
discutir as poéticas da arte nos espaços públicos, frente à fragilidade humana
e às catástrofes naturais. Em uma perspectiva política explícita, Andre
Carreira (UDESC/CNPq), por meio da abordagem de conceitos como fluxo, ambiente
e repertórios de usos, consagra a interdisciplinaridade entre artes cênicas e
os estudos de urbanismo e a geografia cultural. A recuperação da experiência
cênica do espetáculo A morte de Danton,de
George Büchner
realizado num canteiro de obras do Metro, é considerada como precedente das
ocupações do espaço público carioca, no texto de Lídia Kosovski (UNIRIO), e
identificada com os primeiros anos
da trajetória artística do encenador Aderbal Freire-Filho. Segue o ensaio de Biange Cabral (UDESC), que conceitua o teatro no espaço
urbano como
um lugar praticado – sob a perspectiva de
Michel de Certeau –, ao descrever a cidade como um
lugar a ser apropriado pelo uso. Encerra o
segmento, o estudo de Eloísa Brantes Mendes (UERJ),
sobre a ação performática de levar água para os chafarizes secos do Rio de
Janeiro, ponto de partida para a Intervenção Urbana realizada pelo
Coletivo Líquida Ação, num gesto de restauração efêmera do monumento como
memória viva da cidade.
O
segundo segmento privilegiou as Cidades Representadas no teatro, na
dança, no circo . A cidade agora é percebida como tema, pelo viés da partitura
cênica e literária, desenhada na superfície de diversos palcos urbanos, em seus
tantos formatos. Nos corpos e vozes dos atores, bailarinos, dramaturgos, e
poetas, vislumbram-se cidades a partir da emergência de um expressivo universo
autoral, com ênfase nas Residências da coreógrafa Pina Bausch, de Solange Caldeira (UFV), na abordagem
fenomenológica dos ecos do espaço na dramaturgia de Joaquim Cardozo, de Ana
Carolina Paiva (UNIRIO) e nas relações da cidade de São João del Rei com o teatro de revista, de Claudio Guilarduci (UEMG), que interpreta o histórico da construção
de uma edificação ferroviária por meio do texto de uma peça de teatro de
revista. Seguindo o fio condutor,
Evelyn Furquim Werneck Lima (UNIRIO/CNPq) e Niuxa
Dias Drago (UNIRIO) investigam as representações da cidade em obras de William
Shakespeare, Maurice Béjart e José Celso Martinez
Correa, identificando três possibilidades de representação da cidade como
suporte da cena, e Mario Fernando Bolognesi (UNESP/CNPq) discute a formação do
circo moderno numa perspectiva historiográfica a partir das criações de Philip Astley. Como fechamento deste segmento, Kátia Rodrigues
Paranhos (UFU/CNPq) pesquisa a(s) cenas da(s) cidade(s) na literatura dramática
de Plínio Marcos.
O
conjunto de artigos inseridos no segmento Poéticas do Corpo, do Espaço e da
Duração, tangenciam o tema central da cidade, a cavaleiro e em caráter mais
amplo, privilegiando questões que integram
idéias construtoras e amplificadoras das noções de performance, do tempo e do
espaço. No ensaio de Diana Taylor (TISCH-NYU-EUA), a apropriação do conceito de trauma, oriundo da medicina e da
psicanálise, alimenta o conceito de perfomance
contemporânea a partir do atravessamento de um espaço de memória chilena, dos
tempos da ditadura de Pinochet. Já no
ensaio de Patrícia Dias Guimarães (PUC-Livre
Pesquisadora), focaliza-se a poesia em processo de Helio Oiticica, como uma
invenção de linguagem enquanto performance
corporal, questionando a compartimentação entre arte
e não arte e/ou entre meios, gêneros e movimentos artísticos. Fecha o segmento
o ensaio de Wolfgang Bock (BAUHAUS-WEIMAR), no qual
espaço e tempo surgem em diferentes domínios: do desenvolvimento de meios de
comunicação e arte, aos conceitos de culturas tradicionais e modernas e de
trânsito na esfera pública.
Na seção de Entrevista, encontramo-nos
com um diretor que, há anos lida com a cidade em sua cena. Amir Haddad,
entrevistado por Lidia Kosovski (UNIRIO), traz , por mais uma vez, a sua
contribuição ao debate sobre o
espaço cênico e urbano, consagrada na experiência com o grupo Tá na Rua , desde o final dos anos 1970.
Como fechamento da revista,
apresentamos a sessão Tradução, com a publicação de um texto do
teatrólogo francês André Barsacq, A experiência de
três encenaçõe ao ar livre, considerado
referencial na discussão da arquitetura cênica, traduzido por Ana Beatriz Wiltgen (UNIRIO). Já naquele momento, 1950, o autor
relatava o uso de soluções espaciais variadas, existentes no universo urbano,
para experimentação teatral.
Esperamos
que a antiga revista de teatro, crítica e estética, O Percevejo – agora
em seu novo suporte – continue a contribuir para os estudos das artes cênicas e
visuais. Este primeiro número – que inaugura o novo formato – é uma mostra do
que pretendemos oferecer à comunidade de leitores em termos da produção
intelectual de especialistas do Brasil e do exterior, de várias e reconhecidas
instituições de ensino e pesquisa, sobre os mais diversos temas que tangenciem
e ampliem os debates sobre as artes cênicas.
Lídia Kosovski
e Evelyn Furquim Werneck Lima