A EXPERIÊNCIA DE TRÊS ENCENAÇÕES AO AR LIVRE1
André Barsacq
Tradução: Ana
Beatriz Wiltgen
Revisão: Evelyn
F.W.Lima
A explanação de André Barsacq,
realizada em 11/12/1948, fez parte da quarta e última sessão da Semana
“Relações do lugar teatral com a dramaturgia presente e futura”, sucedendo a
intervenção de Le Corbusier (“O teatro espontâneo”).
A Semana foi realizada como parte da inauguração do Centro de Estudos
Filosóficos e Técnicos de Teatro da Universidade Sorbonne de Paris. O Comitê de
Honra do Centro era composto por Jacques Copeau e
Charles Dullin e tinha como diretores: Gaston Bachelard, Gaston Baty, Louis Jouvet, entre outros. Participaram também da Semana
inaugural Jean Vilar, Le Corbusier, Etienne Decroux, Pierre Sonrel, Etienne Souriau, Raymond Bayer, André Boll,
entre outros. O mediador dos debates foi André Villiers,
diretor do Centro.
Minha exposição não será muito longa. Eu gostaria simplesmente de apresentar
aos senhores o resultado de uma tripla experiência que vivenciei saindo do
padrão habitual de nossa atividade, isto é, do teatro à italiana. Como alguns dos
meus colegas que trabalham no teatro, eu sonho constantemente em sair desta
caixa onde nos confinou o teatro italiano. Eu desconfio um pouco, a priori, das concepções e das teorias
fixas e é isto que, constantemente, me incomoda quando vejo – que me perdoem os
arquitetos aqui presentes – salas nas quais os arquitetos tomam o lugar do autor,
do encenador e do ator querendo impor certas soluções que, provavelmente, não lhes
servirão. Auguste Perret, na sala de espetáculo que
construiu para a Exposição de 1925, previu três palcos que não foram realmente aproveitados. Eu não diria que foi culpa do arquiteto.
Provavelmente, foi daqueles que para ali se dirigiram para realizar suas
montagens. Daí o desacordo entre o instrumental do homem de teatro e o do
arquiteto. Como resolver tal questão? Há pouco, meus ilustres predecessores
neste simpósio evocaram nosso desejo de retorno às origens, isto é, à Commedia dell’arte, às
fontes de inspiração popular. Eu acredito realmente que, embora este tipo de relação
fosse espontâneo na época da Comédie Italienne, o mesmo fenômeno foi produzido no teatro de Perret no qual se buscou encontrar as fontes da Comédie Italienne,
ainda que de uma maneira menos popular. Cabe ao povo encontrá-las e não ao
artista. Infelizmente, tal investigação não se fundamentava sobre qualquer base
popular e nacional e, a meu ver, não obteve nenhum resultado. Logo, o que resta
fazer? Não muita coisa. Mesmo assim, é preciso não se desencorajar e, como
dizia Le Corbusier ainda há pouco, “a vida está
diante de nós e, talvez, a transformação da sociedade leve à transformação do
próprio teatro”. De minha parte, acredito que é preciso retornar às regras bem
mais simples do que as que nos impõe atualmente nossa investigação (que, cabe
aqui dizer, se dirige a certa clientela que não é a mais interessante) e, de
outra parte, a um lugar arquitetural cujo sonho – e sobre isso estamos todos de
acordo desde o início – é de retornar às bases simples da nossa arte dos
tablados ao ar livre.
Porém, se para as companhias iniciantes, para os itinerantes, para
certas trupes amadoras, esta forma de arquitetura teatral – e é assim que
devemos chamá-la, se bem que seja apenas um embrião de arquitetura – é válida,
ela não o é sempre para aqueles casos nos quais se sonhe com um espetáculo mais
total que utilize uma determinada hierarquia no emprego dos elementos e no
aporte de outros, tais como a música, os coros falados, os coros cantados e a
dramaturgia.
Eu gostaria agora de relatar algumas experiências que realizei ao ar
livre porque acredito que, em lugar de construir concreta e definitivamente e
de edificar, portanto, um objeto arquitetural que não serve a grande coisa,
vale mais tentar, pouco a pouco, criar um estímulo, uma atmosfera, uma
ambiência que partirão de experiências sucessivas e levarão tanto os arquitetos
quantos os homens de teatro e os autores a conceber o teatro de uma maneira
diferente daquela da comédia burguesa do século XIX, sobre a qual, de certa
forma, ainda vivemos.
Na minha vida, eu tive a ocasião de vivenciar, com o grande mestre Jacques
Copeau, experiências interessantes que me ensinaram
bastante. Vou contá-las em poucas palavras porque o tempo avança. Parece-me que
poderei beneficiar aos senhores. Na primeira vez que Copeau
foi chamado à Itália, em 1933, tratava-se da montagem de um mistério do século
XV – “Le miracle de Sainte Olive” (“O milagre de Santa Olívia”). Colocaram à nossa
disposição um claustro de um convento e nos disseram: “Esperamos que vocês encontrem
um meio de evocar os lugares como se fazia no século XV, pelos cenários
sucessivos ou mansões nas quais a ação se desenvolverá em alternância”. Copeau disse: “Vamos encontrar outro sistema; já que não
podemos fazer uma sucessão de episódios, concentremos a ação dos espectadores sobre
o centro e o principal elemento de ação dramática”. E assim imaginamos (cf.
figura 1): o claustro era um retângulo. Em seu interior propriamente dito, colocamos
os espectadores sentados sob as arcadas, divididos em duas metades, e, com este
sistema, pudemos alojar 1.500 espectadores. No centro, em torno do poço – que só
se notava pela estrutura metálica – construímos um palco central com um proscênio. De cada lado, dois palcos laterais mais
avançados; depois, duas passarelas que se encaminhavam para o fundo encontrando
o palco central no meio. Posicionamos os atores no fundo, sob as arcadas do
claustro. Eles eram muito numerosos e, como se tratava de um mistério, deviam
se locomover por todo o solo trocando de lugar e de tempo. Os atores estavam
agrupados na parte inferior e, no primeiro pavimento havíamos instalado o
“paraíso”, que era uma necessidade cênica.
Fig. 1
E foi por meio desse sistema que vi um dos espetáculos mais belos de
toda a minha vida – de minha parte posso falar-lhes com toda liberdade já que
não fui mais que um executor, pois foi Copeau quem
montou todo o espetáculo. Graças a este sistema tão simples pudemos chegar a
uma hierarquia dos lugares cênicos: todas as cenas importantes se desenvolviam
sobre o palco central e as secundárias sobre os pequenos palcos acessórios. Tivemos, assim, esse “mistério” sobre o qual eu falei em uma das
minhas conferências sobre teatro, pelo fato de os figurantes se vestirem atrás
das arcadas do claustro, ao fundo, e de, consequentemente, escutarmos seus rumores e adivinharmos sua
presença. Estes personagens chegavam pelos pequenos caminhos laterais em plena
luz como se fossem projetados, adquirindo relevância pelo fato de virem de
longe, de uma espécie de bruma, de mistério, antes de se desvelarem à vista do
público.
Os procedimentos eram bem simples: quando um rei se apresentava – rei de
Castilha ou rei da Itália – vinha acompanhado de dois
porta-estandartes com duas bandeiras dos países em questão. Era o suficiente
para evocar os lugares; não era necessário representá-los com um cenário. Havia
uma curta cena secundária que se passava em um albergue: bastava, então,
colocar um albergueiro e um banquinho para que a ilusão fosse perfeitamente
criada. A orquestra e os coros que estavam de um lado e de outro, na parte
superior do claustro, acompanhavam com a música
a ação que se desenvolvia continuamente e, pelo procedimento bem simples de
troca de lugares, nós dávamos ao espectador ilusão suficiente para que ele
pudesse seguir a ação e se interessar a cada etapa de seu desenrolar.
Copeau e eu
empreendemos a mesma experiência, dois anos mais tarde, só que por um problema mais
vasto e mais ousado: a encenação de “Savanarole” (“Savanarola”) na Piazza de la Signoria, em Florença.
Eis, grosso modo, como ficou a
disposição da Pizza (cf. figura 2).
De um lado, o Palazzo de la Signoria. No ângulo direito, a Loggia dei Lanzi diante de uma grande praça onde passavam os bondes.
Esta versão de “Savanarole” não havia sido
escrita para aquela encenação e sim destinada ao grande palco da Ópera de Paris.
Nós trabalhamos bastante e acredito que tenhamos chegado a um resultado bem
interessante, justamente pelo emprego da hierarquia dos lugares.
Fig. 2
No centro, construímos um tablado para o qual se subia por meio de um tablado
mais baixo e duas pequenas escadas avançadas. Organizamos o espaço reservado ao
público, pois nos foi pedido alojar 4.000 espectadores. Tivemos que montar as
arquibancadas em anfiteatro até chegar a 23 metros de altura. Ali pudemos
alojar esses 4.000 espectadores. A cada ângulo, havia torres sobre as quais
colocamos refletores que iluminavam os lugares. No centro da loggia, a orquestra; à esquerda os coros
falados, à direita, os coros cantados. Ainda à direita, a grande fachada do Palazzo della Signoria com um pequeno balcão que servia à encenação em
determinado momento. Sob as arquibancadas havia circulações que passavam
debaixo das torres de iluminação e por onde chegavam os figurantes.
Utilizamos o conjunto da seguinte forma: o tablado central, a uma altura
média de 3 metros e meio, servia aos personagens principais: Savanarola, monges e grandes personagens. O tablado
inferior, intermediário, servia aos personagens de menor importância, a Piazza, ela mesma, servia às evoluções da
multidão. Em um determinado momento, quando o povo de Florença era conclamado
às armas, os trompetes subiam sobre o tablado central e soavam o alarme. Então,
de todos os lados e pelas circulações, chegava uma multidão mesclada de todas
as cores que fervilhava sobre a Piazza e, finalmente, se reunia por manchas de cores amarela,
verde, vermelha e azul. O espetáculo era notável. Tudo acompanhado pela música
e pelos coros falados. Os diferentes espaços de representação se iluminavam
sucessivamente e, mais uma vez, pelo milagre desses lugares históricos, o
conjunto atingia uma verdadeira grandeza. Haviam nos dito que seria preciso
colocar microfones. Não sei por quê. Os altos muros? A própria Piazza? Escutava-se,
porém, o menor ruído e não era minimamente necessário amplificar a voz dos
atores. A encenação pôde igualmente se desenvolver com mudanças de lugares pelo
aporte de alguns acessórios e estes três planos diferentes, esta hierarquização
de atores. O resultado foi considerável nessa praça tão vasta e o problema
sobre o qual falava há pouco Le Corbusier, dos
grandes espaços e da acústica visual, me pareceu ter sido resolvido, porque
essas plataformas sucessivas faziam com que os personagens mais importantes
ficassem visíveis, enquanto a grande massa anônima da multidão se encontrava no
solo e somente era notada pelas manchas coloridas.
Houve uma última experiência desse gênero que realizei com Copeau em outro lugar histórico igualmente belo, o pátio do
Hospice de Beaunne, “Le miracle du pain
doré” (“O milagre o pão dourado”). Evidentemente,
todas essas experiências foram interessantes. Elas não são absolutamente conclusivas
no sentido que todas encenaram textos antigos e milagres medievais, com música
e coros, grandes multidões e deslocamentos do lugar cênico. Mas, podemos
esperar que, um dia, o teatro contemporâneo saia dos pequenos espaços nos quais
a ação é remetida à época atual.
Fig. 3
Em Beaune, tínhamos mais ou menos o mesmo que
em Florença com “Le miracle de Sainte
Olive”: pátios embelezados, certamente, mas parecidos
em sua estrutura aos pátios dos albergues do teatro espanhol. Um claustro é, em suma, um pátio de albergue com
arcadas. No pátio do Hospice de Beaune,
era o mesmo problema: tratava-se de criar o “céu”, a “terra”, o “inferno” e o “paraíso”.
Perguntamo-nos onde colocaríamos o “inferno”. Então, fizemos os diabos saírem
do poço que se encontra do lado direito do pátio (cf. figura 3). Em seguida, o “céu”.
Ele deveria estar, obrigatoriamente, no alto. Então, nós o apoiamos contra a balaustrada
superior do claustro e esta construção se comunicava com o tablado inferior por
duas escadas laterais. Em seguida, havia uma casa na qual se passava a ação
central: ela era representada por uma plataforma sobrelevada de forma octogonal
que ocupava o centro. Esta plataforma era circundada por uma plataforma mais
baixa que representava a rua e à qual subia-se a partir do pátio através de
degraus. À frente e à esquerda, uma pequena plataforma sobrelevada para o
narrador do espetáculo o qual comentava a ação.
É tudo. Deveria haver um doente no leito. Então, pegamos uma cama do Hospice de Beaune – uma dessas
belas com grandes cortinas vermelhas. A Virgem ficava no alto, rodeada por dois
anjos. No primeiro pavimento do claustro, os coros falados e cantados com a
orquestra. E o mesmo efeito que em Florença: um pouco de mistério com o rumor
dessa multidão que se adivinha nos bastidores dos quais sairá algo que se
apresentará aos espectadores. A circulação na plataforma que representava a rua
se fazia a 30 centímetros de desnível em relação à casa, o que era suficiente
para dar a impressão de que dela se separava. O público estava disposto em
arquibancadas: cerca de 2.000 pessoas. E lá também devo dizer que a acústica
era maravilhosa.
E assim, vejam, aplicamos em diferentes espaços, e solucionando
problemas bastante diferentes, o mesmo método: simplesmente a organização do lugar
cênico pela hierarquia de plataformas, a utilização dos coros no plano
posterior e os bastidores representados pelas paredes existentes no fundo,
visto que se tratava de uma bela arquitetura. Elas por si só davam um ar de mistério e ambiência
dramática. Este é o problema dos novos teatros a serem construídos. Neste caso,
havia facilidades, pois dispúnhamos de um lugar histórico. Mas, evidentemente,
quando se constrói um teatro, nunca se sabe bem qual forma dar a essa parede do
fundo e falta algo que não sei bem o que é para se chegar a provocar essa aura
de mistério e de ambiência dramática. Eu acredito que essas diferentes
experiências, de minha parte, foram úteis para o desenvolvimento do meu
trabalho. Mesmo nos lugares teatrais onde trabalhamos atualmente e que são,
como, provavelmente vocês sabem, caixas disformes: não se sabe qual é o lugar
central, que forma dar a essa espécie de lugar de passagem. Acredito que seja
possível aplicar experiências similares em obras modernas, as quais poderão
interessar aos dramaturgos que, pouco a pouco, poderão levar o teatro a se
desembaraçar de sua atual rotina, tentando descobrir achados cênicos, como
fizemos Copeau e eu, nestas três experiências relatadas.
O que permitiria, pouco a pouco, servir de base à arquitetura teatral futura.
Trechos selecionados da
discussão que se seguiu à explanação de Barsacq
Le Corbusier – Acabamos de colocar em discussão um movimento nascido de um ponto de
vista que difere dos dados acústicos, visto que alude a uma presença
arquitetural. Eu acabo de realizar, na semana passada, uma experiência pessoal
animada por um objetivo semelhante: a de um teatro às margens de uma baía
mediterrânea. O espetáculo aconteceu no interior. Mas, a fachada posterior deste
teatro poderia, por sua vez, servir de fundo do palco. Mais ainda: este enorme
fundo poderia se abrir e revelar o palco do teatro que está atrás. Por
conseguinte, poderíamos conceber dois grupos de espectadores! Um no interior da
sala, o outro nos jardins. E no frescor das noites à beira mar! Duas platéias,
um espetáculo, os camarins dos artistas em comum. Um espetáculo contraposto
talvez?
René Fauchois – André Villiers gostaria de observar, penso
eu, que “Savanarole” era compatível com um contexto
histórico. Eu acredito muito nesta renovação do teatro pelo “ar livre” e, mais
amplamente, pela adaptação da peça ao cenário, senão natural, ao menos
pré-existente. Parece-me perfeitamente possível montar uma peça moderna em um
grande canteiro de obras transformado em teatro por um dia. Seria muito interessante
ver ali um debate operário. E imagino igualmente ações dramáticas em certos
imensos albergues, certas cervejarias, certas grandes lojas de departamento.
Uma peça moderna poderia lá encontrar esta espécie de intensidade que há pouco
tão bem evocou Le Corbusier. Estes personagens da
reconstrução cairiam muito bem na frente de paredes brancas... ainda que diante
de arquiteturas que não amamos! Ao cômico da situação se juntaria o cômico
dessa arquitetura.
André Villiers – Salvo exceção, eu não acredito que seja possível se representar uma
peça moderna nestes lugares improvisados, com a mesma felicidade encontrada nos
exemplos precedentes de contexto histórico. Não é uma questão de cenário, mas,
primeiramente, de escala e de adaptação autêntica.
René Fauchois – Uma resposta nos foi trazida pelos atores italianos que vieram nos
visitar recentemente. Eles representaram peças gregas em cenários romanos (ou
de inspiração romana), em figurinos do século XVI: o resultado foi curioso e
comovente. Evidentemente, há aspectos que podem ser discutidos, mas eles assim
representaram e provocaram emoção.
Georges Jamati – Seria preciso que os autores modernos parassem de conceber um
espetáculo enclausurado e concebessem um teatro amplamente aberto sobre a própria
vida.
Le Corbusier – O homem verdadeiramente construtor, ou seja, o arquiteto, pode
realizar construções úteis, pois é ele quem melhor conhece os volumes. O que
ele pode elaborar é a caixa de milagres, uma caixa que contenha tudo o que os
senhores desejarem. Os diferentes palcos, as diferentes peças nascerão no dia
em que soubermos da existência de uma caixa de milagres. O fato que a caixa de
milagres seguirá formas acadêmicas ou não terá comprometimento algum com o
passado fará com que a experimentação desta caixa exista ou não: seria a escolha
preliminar, a primeira tomada de posição. Penso
que esta tarefa seja possível. A caixa de milagres é um cubo. No alto dela, há
tudo o que é necessário, a luz e todos os recursos técnicos para se fazer
milagres: içamento, manutenção, som. O interior é vazio,
nu e vocês sugerirão, pela criação do espírito, tudo o quiserem à maneira dos atores
da Commedia dell’arte.
René Thomas – Durante esses debates, eu pensei bastante na proposta de Pierre Sonrel. Eu vi no “Formes e Coulers”
um projeto ágil de teatro em construção respondendo aos desejos dos estetas que
definem o teatro atual. Sonrel não deve ter falado tudo
sobre as soluções, pressupostos e preocupações que o nortearam.
Pierre Sonrel – É um antigo projeto de alguns anos que tem o objetivo de colocar
rapidamente a serviço dos que reconstruirão as cidades o que eu chamarei de
salão de festas para todos os fins, podendo servir para reuniões, bailes,
teatro. Em princípio, prefiro evitar as salas para todos os fins, mas elas me
parecem indicadas em casos de urgência; parece-me uma solução útil. Eu direi
como as vejo. É extremamente simples: uma nave central delimitada, um tablado
ao centro demarcado nos quatro ângulos por quatro colunas, com possibilidade de
representação no centro e sobre todo o caminho à volta do tablado. O público
poderia assistir ao espetáculo de um lado ou na platéia que circunda o palco. O
único interesse para o teatro é permitir a experimentação de uma arquitetura
para o dia em que se chegará a constantes e a um teatro mais evoluído, especialmente
dramático. Normalmente, confunde-se o teatro experimental, o teatro de comédia,
o teatro lírico e o teatro de massa. Todos os problemas possuem diferentes
soluções. [...] Eu sei que muitos municípios têm o desejo de possuir salas de
espetáculo e não sabem exatamente o que fazer: uma sala de cinema, festas ou
teatro. Eu conheço bem a mentalidade da maior parte das pessoas que tiveram
seus imóveis destruídos e não quer colocar um tostão na reconstrução. Elas
dizem: minha casa foi demolida, quero que me devolvam tal qual era. É muito
árduo de convencer-lhes de que há alguma outra coisa a ser feita, algo de novo.
André Villiers – Apesar de tudo, nós podemos tirar destes debates certas conclusões.
Em princípio, existe a opinião geral, frente às dificuldades levantadas pelos
autores, encenadores e arquitetos, que não se podem construir concretamente
novos dispositivos cênicos, atualmente. Se fosse preciso, poderíamos
praticamente redigir uma moção sobre este assunto. No momento, estamos
absolutamente de acordo sobre esse ponto. Parece difícil atrelar o futuro a um objeto
arquitetural proposto hoje e no qual não saberíamos exatamente o que colocar. Houve
ontem a tentativa de M. de Montaut de justificar que
tudo é possível, que tudo pode ser feito. Nós o lembramos ser extremamente
perigoso não se levar em conta certas considerações de ordem puramente técnica
que nos escapam. [...] Mas, há outra consideração que ultrapassa as precedentes
e as futuras: é a que nos impõem as análises que fizemos nos dois primeiros
dias com Raymond Bayer da “patologia” da emoção e da morfologia do trágico e com
Etienne Souriau do “cubo” e
da “esfera” e de que os artistas sempre exprimiram intuitivamente os problemas
do contato, da presença humana, do padrão, da “verdade” os quais exigem que
sejamos severos frente a tais soluções esquecidas da essência teatral – quando
vemos os perigos do monopólio do cinema, por exemplo. Esta é, creio eu, uma
segunda conclusão digna de nos determos. Eis uma terceira conclusão, muito
freqüentemente mesmo quando não abordamos o problema da criação coletiva e do
teatro de massa. Começando por uma análise do padrão à italiana, André Boll encontrou o prolongamento das celebrações populares e
Georges Jamati, lembrando a Commedia dell’arte, levantou a questão das
coletividades. Então, chegamos à sensação de que, no lugar de buscar
modificações estruturais do palco atual, deveríamos primeiro considerar os
movimentos do inconsciente coletivo, os fenômenos coletivos por eles mesmos e
então buscar as proporções do veículo para a obra que liberará esta sensação e
este inconsciente coletivo. Se colocarmos esses problemas muito rapidamente,
não teremos perdido nosso tempo e poderemos, por meio de algumas observações,
encerrar nossos trabalhos sobre “as relações do lugar teatral com a dramaturgia
atual e futura”.
1 BARSACQ,
André. L’éxperience de trois mises em scène de plein air. In: Architecture et dramaturgie. Paris: Flammarion,
1950, p. 169-186. O livro é a transcrição dos quatro encontros da Semana
inaugural do Centro de Estudos Filosóficos e Técnicos de Teatro da Universidade
Sorbonne de Paris (1948).