Resumo
O artigo busca
refletir sobre a relação existente entre o espaço e o tempo em diferentes
domínios: o desenvolvimento de meios de comunicação e arte, os conceitos de culturas
tradicionais e modernas e de trânsito na
esfera pública da cidade. Demonstra que mesmo o moderno conceito de tempo e velocidade está
relacionado com um ponto de congelamento no espaço. Também na física moderna a
velocidade é relativa e seguida por uma sombra ou uma espécie de ausência de
consciência que se concretiza numa
categoria de espaço. Isso é mostrado na idéia japonesa de iguse, uma pensamento-imagem que se apresenta como todas as
possibilidades de movimento como uma monada.
Palavras–chave | Media | Arte | Monada | Espaço Público | Cidade
O conceito japonês de iguse
baseia-se na posição imóvel de um
corpo que contém todos os outros movimentos possíveis, como uma casca de noz.
Iguse não significa um único fotograma
que paralisa o filme num determinado ponto e recorta uma parte do fluxo
flutuante. Está mais próximo à ideia de um filme virtual inteiro em uma foto, do
começo ao fim, comparável ao conceito monádico,
popular nos tempos do barroco: cada parte de um mosaico contém, em si própria,
o projeto da figura inteira – obviamente não em apercepção, mas dormente, em percepção – como teria dito Leibniz.1
Em analogia a esse conceito, pode-se dizer que todos
os movimentos referem-se a um ponto imóvel, que enquadra a possibilidade da própria mobilidade. Em vez de se usar o
termo enquadre, pode-se também falar em uma ausência
de consciência do movimento como padrão de referência, na qual todos os
movimentos estão começando ou terminando. Tal configuração pode não ser
estática, claro, e deve ser imaginada se movimentando.
A modernidade pode ser descrita como um tipo de mobilização – no duplo sentido de fazer
mover e preparar-se para a guerra. No paradigma dos antigos gregos e romanos e
do início do cristianismo, o chão – a terra – não está se mexendo, está parado.
Copérnico apresentou uma nova representação do cosmos e a descrição de Newton
do espaço baseada na suposição da gravidade mudou o estado de normalidade do
mundo de estático para móvel. Einstein conseguiu mostrar que até mesmo a
posição fixa do espectador está em movimento e, em relação a sua posição, as
próprias dimensões do cosmos mudam dentro de certos parâmetros.
Ao considerarmos o desenvolvimento da imagem física do
mundo, talvez fique fácil – recordando Lászlò Moholy-Nagy e Walter Benjamin – descrever a expansão da
base materialista da estética desde a imobilidade até o movimento numa sequência como esta:
pintura (e escultura), fotografia, filme, vídeo e objetos
tridimensionais no espaço cibernético, dentro do qual é possível
aproximá-los e distanciá-los.
· A pintura em tela mostra objetos que não podem se movimentar;
· o filme usa a fotografia imóvel e dispõe imagens individuais em ordem
cronológica, assim como fez Edweard Muybridge pela primeira vez na sua cronofotografia ou como Marey e Anschütz, que conseguiram
colocar a sequência de imagens em um filme.
· o vídeo fixa figuras flutuantes numa tira magnética,
· enquanto os novos equipamentos digitais baseiam-se no armazenamento de
dados, mas não mais em forma analógica, o que abre possibilidades inexistentes
nos processos analógicos.
Contudo,
as mais avançadas técnicas modernas de imagem – como se vê em Matrix I (EUA, 1999), dirigido pelos irmãos Wachowsky – voltam-se aos princípios da cronofotografia ao
colocar centenas de câmeras em volta do objeto e conectá-las por meio de um
computador.
Com esses equipamentos, é possível retornar e avançar
com a finalidade de criar um novo tipo de fotograma tridimensional. As câmeras
de alta velocidade são tão rápidas que a imagem composta exibida é, novamente,
uma foto imóvel, mas vista agora por todos os ângulos. Está mais próxima ao
conceito de iguse
que ao recorte do fotograma tradicional.
Como mostra o arquiteto suíço Sigfried
Gideon, os fotógrafos Muybridge,
Marey, Edgerton, Gilbreth e outros influenciaram muitos artistas modernos,
que tomaram o princípio do movimento e o transferiram à pintura imóvel.2
Kandinsky, Duchamp, Delauney, Boccioni, Klee e Miró usaram os princípios do movimento na pintura
estática.
Klee, em especial, tenta mostrar em
seu curso de 1925 na Bauhaus como um ponto começa a
se tornar uma linha e uma linha, a se tornar um quadrado; Moholy
Nagy fez experiências nesse sentido com figuras
tridimensionais.3
A pintura abstrata moderna remete ao espaço imaginário, que não é o
mesmo que o espaço físico real. Ele tem mais em comum com o espaço psíquico, o espaço corporal e o espaço do sonho fora da esfera física
real de tempo e espaço. Esses movimentos são, ao mesmo tempo, internos e
externos.
Além disso, os filmes digitais contemporâneos – como
se pode explicar com Gilles Deleuze – estão deixando de mostrar o mundo
exterior (em movimentação) e apresentando uma tendência a mostrar um mundo
imaginário (baseado em tempo), com novos conceitos físicos e possibilidades,
como atravessar paredes e matéria, como se estes fossem reais.4
Em seus filmes “Wormholes” (1996) e “Mind’s Eye” (1998), o diretor
australiano Gregory Godhard mergulha no tempo e no
espaço.
Dentro
dessa perspectiva, a teoria estética contemporânea – como anarqueologia
da mídia – está novamente interessada nas protoformas
do filme, já que a técnica de filmagem mais recente remete aos primeiros
filmes.5
Seguindo esse ponto de vista, o conceito de mobilidade
também está mudando de movimentos lineares para círculos e anéis que nos levam
de volta ao relacionamento entre tempo e espaço ou o enquadramento do
movimento. Mas a ausência de consciência
do movimento, tal como a chamamos no início, também significa que os filmes
digitais modernos não são mais filmes no sentido de documentação do mundo
exterior – como eram os primeiros filmes. Eles estão mais próximos dos espaços
dos mundos interiores que da realidade dos objetos materiais. Mas nas imagens
dos filmes, o mundo exterior ainda é representado em analogia ao princípio da
realidade, que deve ainda ser interpretado por meio da psicanálise dos sonhos
do indivíduo.
Em um de seus primeiros artigos, o filósofo alemão Ernst Cassirer
argumenta que a noção de estética muda numa sociedade moderna com base em um
conceito de tempo semelhante ao que Kant desenvolveu ao transferir as ideias de Newton. As antigas sociedades fundamentam-se num
conceito mitológico que pertence a uma noção de contiguidade.6
Nesse lugar arcaico, nada se perde: todos os mortos estão presentes, assim como
todas as coisas. Cassirer usa a astrologia da renascença e sua série de objetos
– minerais, plantas, animais, temperamentos, doenças, direções do vento,
caráter humano, planetas e signos astrológicos – como exemplo de uma qualidade
de tempo baseada num plano de movimentação no espaço.
Outro exemplo conhecido desse cosmos é a descrição de Malinowski da troca dos anéis do kula
na Polinésia: os braceletes mwali e os colares soulava
movimentam-se em períodos de 20 anos da esquerda para a direita e da direita
para a esquerda no arquipélago.7
Sigmund Freud mostra também que, em sociedades animistas, a mágica da
semelhança e do mimetismo – conforme se vê, por exemplo, nas cerimônias vuduístas – baseia-se numa contiguidade
de ambas as partes dos objetos influenciados num determinado espaço.8
Cassirer
explica que a relação fundamental de causa e efeito nesses sistemas – que, a
propósito, também inclui as implicações metafísicas do cristianismo, islamismo
e judaísmo, com sua ressurreição de todos os mortos no Juízo Final – baseia-se
em um conceito do espaço mitológico.9Cassirer
afirma que esses sistemas são proto-filosóficos. São, para ele, um passo a mais
em direção ao desenvolvimento da ciência.
Mas essas descrições não podem ser um testemunho de um
nível inferior de conhecimento e, sim, um esclarecimento sobre a relação
constante entre tempo e espaço. Em sua crítica da experiência e metafísica de
Kant, Walter Benjamin tenta explicar que tal conceito espacial – das crianças,
dos bárbaros e dos lunáticos – aproxima-se dos conceitos espaciais da
literatura e arte modernas (e, podemos acrescentar, da imagem digital).10
Esse conceito de espaço está também bastante próximo
do tipo de técnica de Martin Heidegger como Gestell, que não significa
enquadre enquanto armação, mas uma condição invisível de sua aparência que não
faz parte do âmbito técnico propriamente dito.11
Isso significaria que, nos conceitos modernos de
tempo, o espaço está presente como um enquadre, uma barreira, ou como um
momento de ausência de consciência. O que nos leva de volta ao já mencionado
senso de mobilidade como estratégia e preparativos de guerra.
Nesse caso, modernidade e esclarecimento são
confrontados pelos oponentes dialéticos de sua intenção, o que traz de volta a
lentidão, ao mesmo tempo em que o projeto oficial tenta acelerar a sociedade.
Não somente no sentido de arte e filosofia – como mostrou Paul Virilio em seus trabalhos sobre a relação entre guerra,
cinema e a acelerada estagnação no horizonte negativo –, mas também no sentido
de sociologia do espaço público.12
Gostaria de mencionar a pesquisa de meu colega Ivan Illich, que mostrou que a velocidade mais elevada de um
sistema de trânsito – como no conceito do automóvel, por exemplo – afeta a
movimentação mais lenta de outros participantes do espaço público do trânsito,
como ciclistas e pedestres, que têm de contornar autoestradas,
pontes e túneis: o isolamento pelo
trânsito. Seu conceito de velocidade
democrática, da década de 1970, pede uma nova discussão no contexto da nova
mobilização mencionado acima.13
A política pública é decidida no
espaço público. O espaço público não é somente um ambiente estético; ele
envolve também o tráfego “econômico” de distribuições e movimentação pessoal.
Os movimentos físicos são representativos de todos os membros da sociedade. A
violência aqui é um indicador negativo da
democracia na sociedade. Portanto, os índices de acidentes não são apenas
trágicos como na fé cega, mas também
uma expressão do nível de desenvolvimento democrático e de civilização.
A antiga
noção de fé também está presente em outro significado. Nos conceitos modernos
de mobilidade, o espaço é um tipo de recurso que poderia ser consumido, assim
como, no antigo conceito dos Sete Recessos da Grécia, chronos, a alegoria do tempo, come ctônia, a alegoria do material na forma de zeus, a alegoria do espaço e do éter.14
Isso pode mostrar que o espaço é mais do que apenas um recurso. Poder-se-ia
dizer que o espaço público é como uma ausência de consciência cinética da
mobilidade. Ele representa o reverso das estratégias formadas voluntariamente.
Isso traz de volta o interesse por
uma nova lentidão. Também na estética – assim como na comunicação móvel –
precisa-se não apenas do aparecimento repentino, mas também da distância e de
um espaço para reflexões. A necessidade da velocidade está sempre relacionada à
fuga. Mas esse padrão é algo que não pode ser eliminado. Como Franz Kafka o
descreveu:
Quanto mais se força os cavalos, mais rápido acontece – não o levantar
do bloco da base, o que é impossível – mas a ruptura da tira e, assim, a viagem
do alegre vazio.15
1 “Cada parte da natureza pode ser vista como um jardim repleto de
plantas e como um lago repleto de peixes. Mas cada galho da planta, cada parte
do animal, cada gota de seu fluido é novamente aquele jardim ou aquele lago.” (G.W. Leibniz, Neue Abhandlungen über den menschlichen Verstand",
Stuttgart 1993, § 67, p. 29.
2 Cf. Sigfried Giedion, Mechanization Takes Command, Oxford 1948.
3 Cf. Paul Klee, Pädagogisches
Skizzenbuch, Bauhausbücher
Nr. 2, herausgegeben von Walter
Gropius und Lazlo Moholy-Nagy, Munique 1925.
4 Cf. Gilles Deleuze, L’image-mouvement, Paris 1983; L’image-temps, Paris 1983.
5 Cf
Siegfried Zielinski, Archäologie der Medien, Reinbek 2002 e Erkki
Ilmari.
6 Cf. Ernst Cassirer, Die Begriffsform
im mythischen Denken (1922), in: Ders., Wesen
und Wirkung des Symbolbegriffs,
Darmstadt 1956, P1-70. O texto é um estudo básico de sua
teoria das formas simbólicas.
7 Cf. Bronislaw Malinowski, Argonauten des westlichen
Pazifik, Frankfurt/M. 1979, p. 114.
8 Cf. Sigmund Freud, Totem und Tabu,
Studienausgabe, hrsg.
v. A. Mitscherlich et al., Frankfurt/M. 1970 Band IX,
pp. 370-371. Cf. do autor, Astrologie
und Aufklärung. Über modernen Aberglauben,
Stuttgart 1995, pp. 177-186. Outros
exemplos em Cassirer, Denkform, a.a.O., pp. 68-69.
9 “Wenn das
wissenschaftliche Denken bestrebt ist, den Primat des Zeitbegriffs vor dem
Raumbegriff festzustellen und immer bestimmter auszuprägen, so bleibt im Mythos
der Vorrang des räumlichen Anschauens vor dem zeitlichen durchaus
gewahrt." Cassirer, Begriffsform,
a.a.O., pp. 48-49.
10 Cf. Walter Benjamin, Über
das Programm der kommenden Philosophie, Gesammelte Schriften,
Frankfurt/M. 1983, Vol. II, 1, pp. 157-171; pp. 158-159.
11 "Alles
nur Technische gelangt nie in das Wesen der Technik.
Es vermag nicht einmal seinen Vorhof
zu erkennen." (Martin
Heidegger, Die Frage nach
der Technik, in: ders., Die
Technik und die Kehre,
(1962), Stuttgart 1996, p. 46).
12 Cf. Paul Virilio, Guerre
et cinéma I, Logistique de la perception, Paris 1984 ; L’horizon
négative, Paris 1984 ; L’inertie
polaire, Paris 1990.
13 Cf. Ivan Illich, Energy
and Equity, Londres
1974.
14 Cf. Pherekydes von Syros, Heptamychos, in:
Diels, Archiv für
Geschichte der Philosophie
I.; Berichte der Akademie
der Wissenschaften in Berlin, 1897 und Diogenes Lartios, Leben und Meinungen berühmter Philosophen, Hamburg 1990, p. 8-12, sowie
Fritz Mauthner, Wörterbuch
der Philosophie. Neue Beiträge zu einer
Kritik der Sprache (1910/11),
Berlin 1923, p. 498.
15 Franz Kafka, Betrachtungen über Sünde, Leid,
Hoffnung und den wahren Weg, in: Hochzeitsvorbereitungen auf
dem Lande und andere Prosa aus dem Nachlass,
Gesammelte Werke,
Frankfurt/M. 1983, Aphorismus No. 45, p. 33.