CONJECTURES
FOR TRAINING ACTORS
Nara Keiserman
(UNIRIO)
Resumo
Este artigo trata do aproveitamento de elementos
determinados das obras de Meierhold, Stanislavski, Brecht e Grotowski
para a constituição de uma pedagogia do ator num teatro gestual narrativo, em
que o material literário não é dramatúrgico e há um investimento categórico nas
diferentes articulações possíveis entre as instâncias atoriais
de fala e de movimento. Além dos encenadores, a consciência pelo movimento, de Moshe Feldenkrias é referência
basal.
Palavras-Chave | ator rapsodo
| pedagogia do ator | teatro narrativo | gestualidade | teatro gestual
Abstract
This article discusses the use of
certain elements of the works of Meierhold,
Stanislavski, Brecht and Grotowski for the
elaboration of a pedagogy of the actor, considering a
gestural and narrative theater in which the literary material is not
dramaturgical and there is an investment in the different joints between acting
instances of speech and movement. In addition to
the named directors, the “consciousness through movement”, conceived by Moshe Feldenkrais is a reference baseline.
Keywords | actor rhapsodist | actor-pedagogy | narrative drama | gestures | gestural theater
Este texto trata
de determinados pressupostos presentes no treinamento pedagógico do ator
narrador,1
que venho propondo em diferentes lugares: nas encenações do grupo Atores Rapsodos, que dirijo; no Projeto Institucional desenvolvido
na UNIRIO, denominado “Ator rapsodo: pesquisa de
procedimentos para uma linguagem gestual”; em disciplinas optativas oferecidas
aos alunos da Escola de Teatro desta Universidade; em Oficinas livres, que têm
se realizado em contextos diversos. O trabalho está focado na utilização de
material literário não dramatúrgico e nos diferentes modos de articulação entre
as instâncias de fala e de movimento que o ator exerce para a construção de um
personagem narrador e/ou personagem narrado, na constituição de uma cena que
chamo de gestual narrativa.
Todas essas
experiências são indissociadas, incluindo aí meu
trabalho como atriz do Núcleo Carioca de Teatro, dirigido por Luiz Arthur
Nunes, de 1991 a 2001. Exemplos: em sala de aula, no seu encaminhamento
metodológico e critérios de avaliação, tenho em mente as necessidades e
exigências demandadas pela encenação teatral. Ao final do curso, os alunos
organizam em partituras de movimento os recursos corporais experimentados, sob
a forma de cenas teatrais inspiradas em material literário originado de peças
ou de contos. A influência de uma instância sobre a outra se deu concretamente
na montagem de Ionesco!, produto da
Pesquisa, em que o investimento no procedimento principal, o uso de objetos
reais e imaginários, veio do desejo de aprofundamento do já experimentado com
alunos em sala de aula. O exercício de manipulação de objetos como recurso para
a composição corporal de personagens de cunho realista-psicológico, proposto em
sala de aula, passou a ser utilizado para a configuração de significados
diversos, dentro de parâmetros épico-narrativos. As indagações e inquietações
nascidas em sala de aula motivam e norteiam questões teatrais a serem
pesquisadas nos outros lugares. Da mesma maneira, questões investigadas nos
laboratórios improvisacionais que alimentam a
pesquisa, vazam certeiros e produtivos para a sala de aula. A linguagem de movimento utilizada para
a montagem de A vida como ela é, de Nelson Rodrigues, pelo Núcleo
Carioca de Teatro, é uma das unidades trabalhadas nas aulas da disciplina de
Expressão Corporal III e serviu como base na linguagem de movimento utilizada
em alguns momentos na encenação de “Prosa do Nelson”, da Pesquisa; a seleção
das propostas, o modo de conduzir e avaliar o trabalho dos alunos em sala de
aula, dos bolsistas nos laboratórios da Pesquisa e dos atores em ensaios de
criação está contaminado por minhas próprias vivências atoriais.
Há um olhar de diretora que não se aparta do olhar de professora; há uma
didática de professora que perpassa meu modo de dirigir.
Para a Pesquisa, investidos como
bolsistas e/ou colaboradores, assim como para os elencos dos Rapsodos, os atores devem possuir: a compreensão da
necessidade e a capacidade de aquecer o próprio corpo com resultado psicofísico,
ou seja, que possam promover plenamente a sua instalação para o trabalho
criador; a habilidade de transformar em movimento fisicalizado
no tempo-espaço os impulsos gerados pelas mais diversas categorias de
estímulos; a compreensão da emissão vocal como um recurso do corpo, submetida
às mesmas atribuições, fatores e qualidades de esforço, de acordo com a
designação de Laban.
Os fundamentos
das propostas do trabalho de treinamento do ator rapsodo
são formados por uma rede de saberes formatada pela escolha de elementos
específicos das obras de Meierhold, Stanislavski, Brecht e Grotowski
– referências seguras e inevitáveis quando se trata dos processos formativos do
ator ocidental. Além desses, como uma espécie de premissa para o ator, de
condição que torna possível o ato atorial, está a
atitude de atenção possibilitada pela prática dos exercícios de Moshe Feldenkrais, que tem uma
grande influência em minha formação como atriz e como professora.2
A atitude de auto-observação, que a
prática dos exercícios de Feldenkrais favorece, remete às idéias de:
dualidade do ator, elemento do Método de Stanislavski
que evidencia, no desempenho atorial, a coexistência
do ator e do personagem; Brecht, quando fala da atitude de observador à sua
própria interpretação, característica do modo de representação do ator chinês;
auto-espelho, que Meierhold recomenda para o ator
como um modo de se ver de fora, da perspectiva do público; controle: qualidade
imprescindível para o ator mencionada pelos três encenadores citados e que
entendo como sendo o domínio pleno do aparato expressivo, gerando a capacidade
do ato criador autônomo.
Para que as Ações
Físicas (STANISLAVSKI), o princípio da Biomecânica (MEIERHOLD) e o Gestus (BRECHT) alcancem a repercussão desejada nos
mecanismos internos do ator é indispensável o tipo específico de atenção e de
percepção adquiríveis através da prática adequada dos exercícios de Feldenkrais. A atenção que seus exercícios pretendem
despertar no praticante deve ser grafada, segundo o autor, com letras
maiúsculas e seguida de asterisco, designando o pleno uso dos poderes que o
estado de vigília possibilita ao homem. Trata-se, portanto, de uma ATENÇÃO*!
Quando Feldenkrais aponta a via do movimento
como caminho seguro para se abordar o ser humano por inteiro, de tal modo que
as mudanças aí efetuadas produzam efeito, refletindo-se nos outros fatores de
sensação, pensamento e sentimento, isso confirma a importância de uma formação
pedagógica do ator com ênfase na corporeidade. O trabalho corporal do ator possibilita
o treinamento de todo o seu aparato.
Reconheço no Método de Stanislavski elementos que servem não apenas ao trabalho do
ator no teatro de realismo psicológico, mas também em relação à cena de uma
maneira mais ampla, estes sim úteis ao ator rapsodo:
As circunstâncias dadas, sendo aquilo sobre o que se
trabalha, incluindo o discurso literário e a concepção de cena, configuram-se
como um dos pontos de partida possíveis para a construção da linguagem rapsódica.
A concentração da atenção, cujo
uso Stanislavski propõe como garantia para o
estabelecimento da quarta parede, aparece aqui de uma outra forma. Não temos a
quarta parede. O espectador é tido como o ouvinte, cuja presença justifica a
ação narrativa. O ator narrador, mesmo no palco italiano e com a platéia na
penumbra, quando olha para o espectador o faz diretamente.
A atenção*,
sendo uma atitude principalmente senso-perceptiva
resultado da ativação de todos os órgãos dos sentidos, quando transformada em
ação teatral resulta no que Stanislavski chama de contato
e comunicação que o ator estabelece com todos os recursos e elementos da
cena, incluindo os outros atores e os espectadores. O contato atento vai
garantir a irradiação, ou presença efetiva do ator capaz de produzir os
sentidos e efeitos desejados.
A memória emotiva e dos sentidos,
que aponta para a idéia de memória corporal, considero como um pressuposto
inalienável do processo de construção do trabalho atorial
na cena rapsódica. Trata-se da pessoalidade integral
do ator, vista e admitida em toda a sua complexidade. É o que possibilita o
enriquecimento da cena pela rede de diferentes opiniões, pontos de vista e
corporeidades manifestas. Numa diferenciação entre os dois processos, o
dramático e o rapsódico, posso dizer que no primeiro
a memória corporal é canalizada para estabelecer um retrato o mais fiel
possível do personagem e, nessa medida, as particularidades do ator serão
postas a serviço dessa composição, moldadas para ela. No teatro narrativo, ao
contrário, trata-se de valorizar, de expor o ator, cuja experiência não
coincide com a do personagem.
O reconhecimento dos objetivos do
personagem a cada momento da ação oferece um lastro para a construção da
linguagem de cena, determinando a opção por essa ou aquela qualidade no uso das
diferentes categorias dos recursos cênicos, incluindo os atorais. Mas há outros
objetivos a serem considerados, como os do autor na manipulação que exerce
sobre os acontecimentos, por exemplo. Tornar explícita essa manipulação é um
dos principais objetivos da encenação rapsódica,
tanto para o diretor quanto para o ator.
O tempo-ritmo é, por assim dizer,
condição de existência do gesto, tanto quanto sua circunscrição no espaço. Num
teatro que enfatiza o Movimento, é um recurso imprescindível na composição do
papel.
No teatro gestual narrativo o subtexto,
ou monólogo interior, não é do personagem, mas do ator-narrador, podendo
se constituir de diferentes elementos referentes às motivações e impulsos para
a execução das suas partituras.
Não é útil ao ator narrador, por motivos
óbvios, o que Stanislavski denomina de “o se mágico”
– simplesmente porque o ator narrador não ocupa o lugar do personagem mesmo
quando fala em seu nome; e tampouco a linha
contínua da ação, que, em coerência com o modo épico, pode ter seu fluxo
interrompido. O princípio da lógica da ação aparece, mas encontra
referências fora do personagem. Obedece, em primeiro lugar, a uma lógica da
linguagem de cena adotada e em seguida à da relação estabelecida entre narrador
e personagem narrado.
É preciso deixar claro que na prática
pedagógica que proponho para o treinamento do ator narrador os recursos que os
elementos do Método oferecem já devem estar dominados, sem o que o resultado na
atuação rapsódica se torna ineficiente como
configuração estética e expressiva.
Minha proposta de trabalho criador que
investiga diferentes possibilidades cênicas para o teatro gestual narrativo
encontra afinidades com Meierhold. O princípio de se
ter no ator o veículo principal de comunicação com o espectador e nele o
investimento na fisicalidade como recurso
preferencial para a exteriorização dos sentimentos e/ou opiniões são as
influências mais nítidas. Mais ainda: o pensamento intelectivo como ponto de
partida para a criação, de tal modo que a sua passagem para a expressão fisicalizada se dê por um ato de reflexo imediato, fazendo
da atitude corporal o elemento desencadeador dos significados.
A prática dos Estudos propostos por Meierhold
na Biomecânica desenvolve ferramentas imprescindíveis para o ator rapsodo – e não apenas este – como concentração,
aquecimento muscular e energização intensa. Ali são trabalhados: precisão e
rigor no desenho do movimento; sincronismo com o parceiro; coordenação,
equilíbrio e fluência, envolvendo inteiramente as partes do corpo; movimentos
de torção, giros e saltos; uso de braços e ombros como impulso para movimentar
o corpo todo; transferências de peso com o fortalecimento dos membros
inferiores e da caixa pélvica como centro de equilíbrio; suporte de pesos na
caixa torácica; inúmeras combinações de pontos de tensão diferentes e
distribuídos pelo corpo todo; reação a estímulo sonoro; resposta reflexa a
estímulos corporais complexos.
Comecei a experimentar os Estudos de Meierhold extraídos da revista The
Drama Review3
há cerca de dez anos, de uma maneira muito simples. Lia para os alunos a
descrição dos movimentos, enquanto tentávamos a sua execução. A partir do
momento em que compreendi o seu desenho e mecanismos de esforços passei a
adotar um modo de ensiná-los aos alunos, através de uma espécie de passo a
passo, e mais adiante propondo variações improvisacionais
no modo de execução, em que os movimentos são decupados
e colocados numa ordenação diferente da original. Essa realização, que exige
sincronismo, entrosamento, comunicação e movimentos reflexos, como que puxa a
expressão para fora. Os movimentos convertem-se num vocabulário de movimentos
configurado como recurso primitivo, para sua recriação na elaboração de uma
gestualidade narrativa.
Assim como em relação aos mestres já
citados, não vou me deter sobre as técnicas de representação do ator brechtiano, mas referir-me àquilo que diz respeito ao nosso
ator rapsodo. Há uma diferença de abordagem que é
decisiva. O encaminhamento pedagógico que proponho é aberto em relação ao assunto
dos relatos. A meta em relação ao espectador é fazê-lo participar da construção
da cena através de uma desestabilização da sua atitude de escuta/visão
convencionalmente passiva. A política, concebida nos moldes brechtianos,
não está no nosso agendamento como investimento direto.
O procedimento determinado pelo uso do
efeito de distanciamento é a atitude básica que torna possível o desempenho
narrativo. Dito de uma maneira bastante simples, configura-se em cena, para o
ator, como a distância estabelecida entre narrador e relato, sujeito e objeto,
conduzindo a uma atitude crítica de um em relação ao outro.
Brecht recomenda
que seu ator possa falar como quem cita e agir como quem mostra. Compara o ator
ao homem comum que conta uma cena cotidiana a que testemunhou, com o conhecido
exemplo da cena de rua. Esse homem mostra como agiram as pessoas envolvidas,
imitando-as, repete o que disseram reproduzindo o tom, mas nunca pretende se
fazer passar por uma delas. E certamente a sua reprodução traz, mesmo que
involuntariamente, um julgamento, uma opinião. Mas isto é na vida real. Para
que o ator possa se portar desta maneira no palco, Brecht recomenda a
realização de alguns procedimentos, a serem experimentados durante os ensaios.
Entre os
procedimentos brechtianos, configurados como atitude
do ator da peça de espetáculo,4 utilizo nos
ensaios e laboratórios da atuação rapsódica aqui
referida:
– A verbalização
das rubricas – promovendo o exercício de uma duplicidade, para que o espectador
possa perceber a dupla presença (tripla, considerando o autor): do ator que se
apresenta para apresentar o personagem.5
Nos ensaios, o ator diz a rubrica, que é uma fala do autor, e em seguida a sua
(do personagem) própria fala. Na montagem de Ionesco![6]
realizamos uma espécie de radicalização dessa idéia ao levar a rubrica para a
cena, transformada em texto de narração.
– A utilização do
pronome ele no lugar do eu – garantia da não-identificação
psicológica. As falas dos personagens sendo antecedidas por “ele disse”. Em (eu)
Caio, 7
utilizamos o “ele disse” antecedendo todas as frases do autor ditas pelos
atores. Para o ator narrador, esta frase funciona como um subtexto que antecede
todas as suas falas, garantindo para o enunciado verbal a categoria do citativo. Em História
de Amor, conto de Heiner Müller produzido pela
Pesquisa em 2006, manteve-se o uso do pronome “ele”, do original, articulado a
uma aproximação afetiva dos atores com os personagens, somada a um pensamento
crítico explicitado por uma intensa partitura gestual.
– A passagem do
texto para o passado – acentuando o caráter narrativo e enfatizando a atitude
marcadamente épica em que aquele que narra conhece a história toda e por isso é
capaz de ter uma opinião sobre os acontecimentos, podendo interrompê-los para
comentar, analisar. Os textos com que tenho trabalhado são, na sua maioria,
constituídos de fala pretérita, como História
de Amor, por exemplo.
– A atitude
demonstrativa, em que o ator observa sua própria interpretação e permite ao
espectador apreciar a sua técnica – recurso inspirado no teatro chinês,
abordado no conhecido texto Efeitos de distanciamento na arte dramática
chinesa. (BRECHT: 1978, pp. 55-66). Esta atitude, a que me refiro como apresentacional em oposição ao vivencial, é a base do
trabalho atorial no teatro gestual narrativo.
– O ator se
coloca frente ao espectador de forma a tornar evidente que seu papel é o de
comunicar e apresentar alguma coisa. Olha-o diretamente – mesmo mantendo o
palco italiano, Brecht elimina a quarta parede.8
Temos trabalhado em espaços em que a platéia fica no mesmo nível do palco,
eliminando não só a quarta parede como também a separação nitidamente
estabelecida entre palco e platéia, estando esta eventualmente também
iluminada.
– Tudo o que se
refere aos sentimentos deve ser exteriorizado, traduzido em gesto. A atuação
deve revelar os processos interiores.9 A indicação
desse procedimento elimina o engano daqueles que acusam as encenações de Brecht
de emocionalmente frias.
Encontro
nos princípios estabelecidos por Grotowski, e divulgados em seu livro Em busca de um
teatro pobre, elementos chave para a elaboração das partituras gestuais do
ator rapsodo. A radicalidade
de suas experiências tornaria ingênua e simplificadora qualquer tentativa de
apropriação dos procedimentos atorais que concebeu para o teatro que idealizou –
um teatro ritualístico professado por um ator santo, que se oferece diante do
espectador em atitude confessional e de desnudamento.
No entanto, sua presença é tão forte e
sua influência tão decisiva no teatro contemporâneo que mesmo sem uma intenção
determinada ou programática, o trabalho que proponho sofre uma espécie de
contaminação em aspectos referentes a procedimentos como:
– O uso de imagens no trabalho de
treinamento muscular, tornando clara a imprescindível participação da sensorialidade do ator nos atos de aparente pura fisicalidade. Proponho que mesmo os exercícios corporais de
aquecimento sejam realizados em conexão com alguma imagem. Esta pode ser a
visualização do próprio movimento, ou seja, o pensamento se ocupa da tarefa de
compreender, de acompanhar o movimento que está se processando no corpo do
ator. É o pensar no que faz enquanto faz de Feldenkrais.
As imagens elaboradas pelo ator atuam como impulso motivador para o movimento,
a cada momento da sua partitura, tanto no processo de criação quanto nas
repetições.
– O uso das associações abarca as
memórias senso-perceptiva e afetiva. Funciona como o
meio para a auto-revelação do ator, significando uma forte interferência da sua
singularidade expressiva na elaboração do papel.
– O controle no
uso das tensões, considerando que o impulso, conectado com uma intenção,
revela-se por um tensionamento muscular. A prática de utilizar o mínimo de força
necessária durante a realização de qualquer movimento, como quer Feldenkrais, numa atitude atenta e perceptiva, vai
possibilitar ao ator percepção e domínio no uso dos graus de tensão do
movimento, de modo que esta se torne um recurso efetivo para a composição
corporal do personagem narrador, narrador personagem, personagem narrado, etc.
Cada impulso manifesto por um bem determinado tensionamento
numa parte do corpo vai corresponder a outros graus em outras partes do corpo.
Essa composição de tonicidades vai criar a própria tessitura corporal do
personagem. Compreendo o impulso interior como uma ação física ainda não
manifestada no espaço circundante.
– O conceito de pensar com o corpo é parte de uma
idéia de agir antes de pensar – se considerada a divisão entre corpo e mente –
e atua em vários níveis. Um deles encontra eco no Método das Ações Físicas, de Stanislavski, em que a realização das ações físicas é que
proporciona a compreensão completa do personagem. Aparece quando Meierhold sugere que o ator selecione a atitude corporal
para designar um significado e a partir do momento em que ela está
assumidamente presente no seu corpo a contrapartida interior ganha vida.
Ampliando a idéia, significa a conexão direta entre as ações interior e
exterior, com a eliminação do tempo entre reflexão e ação, o pensamento tornado
em ação – como queria Meierhold. Pensar com o corpo é
um objetivo que pode ser alcançado pela prática dos exercícios de Feldenkrais e que recomendo enfaticamente aos atores.
Ampliado o conceito de “corpo”, entendo-o como o próprio “estar no mundo”.
Pensar com o corpo é o único modo de se ter pensamento efetivamente teatral:
elaborado e produtivo, garantia da efetividade do “aqui e agora”, e do
exercício pleno de ver e de ouvir.
Todos os procedimentos acima mencionados
estão presentes no jogo do ator rapsodo, entrelaçados
e estabelecidos numa tal organicidade criadora que muitas vezes a sua origem se
perde como referência processual, convertidos na atitude de trabalho que serve
como pressuposto para o desenvolvimento de uma pedagogia formativa especifica
para o ator de um teatro gestual narrativo.
A Pesquisa “Ator rapsodo:
pesquisa de procedimentos para uma linguagem gestual” está em andamento e tem
se ocupado de materiais literários os mais diversos, o que determina
diversidades também nos encaminhamentos, nos focos de investigação e de
experiências, e ainda nos resultados alcançados, que podem ser tanto sob a
forma de encenação quanto de performance ou eventos teatrais.
Nos últimos dois anos produzimos as
seguintes performances:
Nós somos os propositores, a partir das
Cartas trocadas entre Lygia Clark e Hélio Oiticica. Atores bolsistas: Alexandre
Rudáh e Isabel Chavarri.
Mulheres suicidas, com textos de
Andréa del Fuego, Carola Saavedra, Tatiana Salem,
e outras. Atrizes bolsistas: Andréa Santiago e Natali Malena
de Oliveira.
Basta um verniz
para ser feliz, de Marcelo Mirisola e Mulher é tudo igual, de Ivana Arruda
Leite. Atriz bolsista: Karen Coelho.
A Menina e o
soldado, a partir dos livros "Diario de Irak" de
Mario Vargas Llosa e "101 dias em Bagdá", de Asne
Seierstad. Atores colaboradores: Caíto
Guimarães e Mariana Mordente.
Profetas da Chuva, a partir do
livro homônimo organizado por Karla Patrícia Holanda. Atrizes colaboradoras:
Clara Colin e Paula Cavalcanti.
Referências
ARRUDA, Ivana.
“Mulher é tudo igual”. In Falo de Mulher.
São Paulo: Ateliê, 2002.
BRECHT,
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CONRADO, Aldomar (ed.) O
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Civilização
Brasileira, 1969.
FELDENKRAIS, Moshe. Consciência
pelo movimento. São Paulo: Summus, 1977.
FIGUEIREDO,
Luciano (org.) Ligia Clark – Hélio Oiticica: Cartas 1964 - 74. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998.
FUEGO, Andréa del. (2005) Deusemar. www.escritorassuicidas.com.br/
Gordon, Mel. “Meyerhold’s biomechanics”, The
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n.3, (Set.), pp. 77- 89.
GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um
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MARTINS, Karla
Patrícia Holanda (org.) Profetas da Chuva.
Fortaleza: Tempo d'Imagem, 2006.
MIRISOLA,
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SAAVEDRA, Carola.
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Mario. Diario de Irak. Buenos Aires: Aguilar, 2003.
SEIERSTAD, Asne. 101 dias em
Bagdá. Rio de Janeiro: Record, 2006.
Notas
1 Esse assunto foi tematizado em minha tese de doutorado concluída em 2004 no
PPGAC-UNIRIO: “Caminho pedagógico para a formação do ator narrador”.
2 Seus ensinamentos
formam a base conceitual e programática do trabalho que proponho aos alunos
iniciantes, com o alerta de que é uma tarefa a ser praticada para o resto da
vida, e não apenas questões corporais que se resolvem num semestre letivo.
3 Mel Gordon.
“Meyerhold’s biomechanics”, The Drama Review.
MIT Press, New York University School of Arts, 1974, vol.18, n.3, (Set.), pp.
77- 89.
4 A terminologia de
peça de espetáculo é usada para marcar a diferença em relação às peças
didáticas.
5 É diferente, em
seu princípio e objetivos estéticos, da “dualidade do ator” de Stanislavski,
mas muito próximo de Meierhold quando diz que “Ele é dois”, em V Meierhold, O Teatro Teatral, Lisboa,
Arcádia, 1980, p. 224.
[6] Produzida pela
Pesquisa, em 2004.
7 Produção dos
Atores Rapsodos, em 2005.
8 Os atores de Meierhold já
haviam experimentado esse contato direto.
9 Esse é um dos
princípios da Biomecânica de Meierhold.
NARA WALDEMAR KEISERMAN é professora,
atriz, diretora e pesquisadora. Professora Adjunta da Escola de Teatro da
UNIRIO (Gradução e Pós-Graduação), responsável pelas
disciplinas de Expressão Corporal. Mestre em Teatro pela USP com a Dissertação A
preparação corporal do ator: uma proposta didática – tem dias que a gente se
sente e Doutora em Teatro pela UNIRIO, com a tese Caminho pedagógico
para a formação do ator narrador. Desenvolve Projeto de Pesquisa
institucional denominado Ator rapsodo: pesquisa de
procedimentos para uma linguagem gestual. Tem artigos publicados em
revistas especializadas e coordena o GT Processos de Criação e Expressão
Cênicas da ABRACE.
NARA KEISERMAN, PHD is an actress, director and
researcher, Assistant Professor of Corporal Expression at UNIRIO. She has a
Bachelor’s Degree in History and Theater Direction from UFRGS, a Master’s
Degree in Theater from USP, and a Doctorate in Theater from UNIRIO, with her
thesis Caminho pedagógico para a formação do ator narrador. She also heads
the institutional Research Project Ator rapsodo: pesquisa de procedimentos para uma linguagem gestual,
published specialized articles and coordinates the GT Creation Processes and
Scenic Expressions of ABRACE (Brazilian Research and Post Graduation in Scenic
Arts Association).