ENTRE O LIMIAR E A PASSAGEM: TEMPO DE ESTÁGIO NO PROFESSOR DE TEATRO

BETWEEN THE THRESHOLD AND THE PASSAGE: INTERNSHIP TIME WITH THE THEATER TEACHER

Vilma Campos

(UFU)

É preciso ter paciência com as lagartas,

se quisermos conhecer as borboletas.

Ruth Rocha

Resumo

O texto focaliza o período de estágio no processo do se tornar professor. Um dos pontos de partida para essa reflexão é uma breve análise do projeto Relatos de estágio fontes, procedimentos e desdobramentos, que permitiu uma sistematização preliminar nos relatórios de estagiários do curso de graduação em Teatro da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Palavras chave | formação de professores | professor de teatro | práticas de ensino | estágio

Abstract

This text focuses on the period of training during teacher academic education. One of our starting points to reflect on such a subject is a brief analysis of the research project Relatos de estágio, fontes, procedimentos e desdobramentos (accounts of period of training, sources, procedures, and developments), which has made possible to systematize previously the reports delivered by student-teachers of Drama graduation at the Universidade Federal de Uberlândia.

Keywords | teacher education | drama teacher | teaching practices | teaching training.

 

 

 

Introdução

As Práticas de Ensino e os Estágios Supervisionados são componentes fundamentais dentro de um curso de Licenciatura das mais diversas áreas de conhecimento. Nesta seara, há a possibilidade de os estudantes irem a campo de trabalho num investimento sistematizado dentro do processo de aquisição do papel de professor. Como nos diz Riani: “Quando entram em contato com a realidade, vão surgindo as angústias, as apatias, incompreensão e frustrações. Tudo isso leva os alunos a sérios desencontros e desencantos” (1996: p. 22).

Na realização dos estágios, vários universitários percebem concretamente o que significa a opção por um Curso Superior que tem como modalidade a Licenciatura. Relutâncias fazem parte do processo por motivos de natureza diversa. De um lado, há uma responsabilidade inerente ao ato de ensinar; de outro, complexidades provenientes das próprias adversidades recorrentes do meio em que acontecem os estágios. Apesar dos paradoxos e da distância entre as expectativas dos aspirantes a professores e a realidade do cotidiano do ofício, o momento do estágio é singular.

Os dispositivos legais para o estágio, na legislação brasileira, podem ser encontrados desde 1933. As nomenclaturas diversas, como Prática Educativa, Treinamentos Profissional, Prática Pré-Profissionalizante, lançam luzes sobre uma preocupação que transparece com relação a esse momento. As ambigüidades, controvérsias da legislação e problemas de ordem sócio-econômica provenientes do estágio supervisionado foram objetos das reflexões de Dirce Camargo Riani (1996). Questionamentos com relação ao modo de realização do estágio supervisionado, não anulam o reconhecimento da importância desse período:

As atividades dos estágios estabelecem uma interação e uma integraçãoentre ensino, pesquisa e extensão, o que confere maior abrangência e relevância social às ações do currículo acadêmico e leva os alunos a conhecerem suas possibilidades e limites (RIANI, 1996).

Os cursos de licenciatura no decorrer do tempo buscam meios para enfrentar a problemática intrínseca ao período de estágio. Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), é possível perceber que a temática está na ordem do dia, já que as ações vão das iniciativas operacionais até a preocupação com as matrizes curriculares. A criação de um Núcleo que gerencia o contrato do estagiário dos diversos cursos da instituição, numa tentativa de fazer cumprimento aos avanços legais, é uma iniciativa do primeiro tipo. A inclusão dos Projetos Integrados de Prática Educativa (PIPE),1 como componente curricular comum a todas as licenciaturas e que antecede ao estágio propriamente dito, revela um esforço institucional no sentido de ir preparando o licenciando gradativamente sobre os aspectos pertinentes às ações didático-pedagógicas e aos diversos âmbitos de sua atuação profissional.

Atuando como docente na licenciatura em Teatro, tenho percebido aspectos dessa problemática do momento do estágio, que são semelhantes aos encontrados pelos profissionais em formação das outras áreas das Humanas ou das Exatas. Porém, há aspectos que são perceptíveis enquanto específicos da área, como o histórico tão recente da inclusão da linguagem teatral em contextos escolares, com desdobramentos bastante localizados. A própria constituição da natureza teatral, com necessidade de um olhar pormenorizado para o espaço de trabalho, ou a percepção do grupo de alunos, enquanto matéria são aspectos que precisam ser relevados enquanto genuínos na linguagem teatral.

No meu percurso de orientação de estágios, venho me sensibilizando com as problemáticas e as possibilidades de trabalho, embalada nas descobertas desses aprendizes. Presenciei alguns momentos em que estagiários compartilharam experiências por meio de um texto escrito, ou de um enunciado oral, indo além da descrição ou da análise, revelando experiência de um momento de iniciação daquele que vivencia a luminosidade do real e não a sombra refletida, como no mito da caverna em Platão. Para tal configuração rara, o estagiário experimenta e aceita a crise com o desejo de ir além dos limites antes estabelecidos. Para reconhecer a estampagem presente no estágio, a reflexão de Ana Angélica Albano2 sobre as práticas pedagógicas em arte tem sido inspiradora, percebia como são todas doces, tão preocupadas em aplainar caminhos, em retirar arestas”.

Como atentar de maneira perspicaz ou como adentrar o estágio supervisionado do professor de Teatro como construção humana, social, histórica, estética e pedagógica? Como contribuir deveras com um momento específico de uma formação que está num limiar e que pressupõe uma passagem para a investidura de um papel?  Metamorfoses estão implícitas. No presente texto, ao me deter nesse momento do estágio supervisionado em Teatro, não me será possível adentrar a totalidade das questões formuladas. O exercício será o de compartilhar algumas das reflexões oriundas de dados do projeto Relatos de estágio: fontes, procedimentos e desdobramentos, no Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia3 (UFU), em Minas Gerais, como um dos mecanismos para adentrar o universo do período do estágio supervisionado.

Do contexto ao projeto: fontes e procedimentos

O Curso de graduação em Teatro da UFU, é recente, foi criado em 1994 com três professores de Teatro que por motivos diversos não se encontram mais no quadro docente. Em 1998, contava com dois professores efetivos, sendo um deles da área de Pedagogia do Teatro.4 Somente em 2003, houve uma ampliação com a contratação de mais quatro professores efetivos para as áreas de Processos Criativos e Teoria do Teatro. Em 2005, houve a segunda efetivação para a área de Pedagogia do Teatro.

Assim sendo, no histórico do curso de Teatro, os componentes de Prática de Ensino que são responsáveis pelos estágios supervisionados contaram com a contribuição de professores de caráter temporário, cuja atuação não pôde exceder ao período de dois anos. Essa limitação estrutural e temporal interfere na configuração dos estágios do curso.

O reconhecimento do curso de Teatro pelo MEC aconteceu em 2004.  Só em 2005, houve a aprovação do processo de desmembramento do antigo Curso de Educação Artística para curso de Teatro. O processo de reconhecimento do curso e de elaboração do Projeto Político Pedagógico intensificou os debates entre os docentes, muitos deles, recém efetivados. Houve um fortalecimento do curso ao se garantir as especificidades da licenciatura e proceder à necessidade legítima da inclusão da modalidade bacharelado. Na licenciatura, houve inclusão no currículo, de disciplinas relacionadas à aprendizagem em teatro, além de um comprometimento sobre a forma de realizar a ampliação da carga horária do estágio supervisionado, indo além da questão quantitativa garantida pelos moldes legais.  

Considerando que conceitos, procedimentos e atitudes do processo de se “tornar professor” têm seu espaço privilegiado nos momentos de estágio supervisionado, interessei-me por lançar um olhar mais cuidadoso para com esse período. Apesar da rotatividade de docentes na orientação dos estágios supervisionados e das dificuldades dos primeiros anos de funcionamento de curso, que provavelmente devem ter trazido algumas limitações nos componentes de Prática de Ensino, percebi a pertinência em ler os vestígios deixados pelos relatórios dos estagiários arquivados no curso de teatro. Com o desejo de construir o presente, numa Prática de Ensino em Teatro que pudesse ser fundamentada a partir da realidade já encontrada no passado e desejando dar alguma parcela de contribuição no momento de realização dos estágios supervisionados, pensei numa forma de viabilizar a consulta a esse arquivo.

Apresentei no edital PIBEG 2006 (Projeto Institucional de Bolsas de Ensino de Graduação) o projeto Relatos de estágio: fontes, procedimentos e desdobramentos com a meta de transformar os relatórios de estágios dos anos anteriores, que até então serviram apenas como material de avaliação de final de final de semestre, em material de consulta e pesquisa para os estagiários do curso e a outros que se interessassem pelo assunto.

A execução do projeto como pertencente ao PIBEG aconteceu de setembro de 2006 a setembro de 2007, onde foi possível realizar a coleta e análise de cerca de sessenta por cento do corpus de duzentos e trinta e três relatórios encontrados das Práticas de Ensino ministradas entre os anos de 2001 a 2005. Participaram desse período, os estudantes-bolsistas, Laureen Gabrielle Malmman, Lílian Aparecida Rosa e Ricardo Augusto Santos de Oliveira,5 sob a minha orientação. Num desejo coletivo de que os dados dos outros quarenta por cento do material possam ainda ser divulgados, mesmo após a finalização do PIBEG, a equipe tem dado continuidade ao processo de se debruçar sobre o material.

Uma das características marcantes nessa consulta às fontes tem sido a possibilidade de destacar as dificuldades vividas pelos estagiários dentro das Práticas de Ensino. A realidade constatada já tem servido de base para nortear algumas das ações presentes. O trabalho com esses relatórios já tem se refletido nos conteúdos dos componentes curriculares do curso de Teatro ligados à Pedagogia do Teatro nos anos de 2006 e 2007. É perceptível um estreitamento entre o curso e o campo que trabalha com a aprendizagem em teatro.

A primeira parte do trabalho consistiu em organizar o material arquivado tendo como ponto de partida os diários de classe com a divisão em professores e turmas. Foram encontrados relatórios referentes aos anos de 2001 a 2005. Em seguida, o material passou a ser digitalizado ou digitado (quando a fonte era manuscrita). Para o armazenamento foram realizadas as cópias eletrônicas dos arquivos.

Cada relatório recebeu uma ficha contendo o nome do estagiário, da disciplina, do ano e semestre, o nome do professor, local de realização do estágio, qual metodologia utilizada, as maiores dificuldades, descobertas e outras observações pertinentes ao trabalho. Essas fichas serão disponibilizadas quando 100% do material se encontrar digitalizado, uma vez que se pretende ainda trabalhar no sentido de preservar o nome dos estagiários e dos professores supervisores de cada turma. Para tanto, os nomes reais dos estagiários serão substituídos por nomes de personagens e dramaturgos como Julieta, Hamlet, Édipo, Shakespeare. No caso dos professores supervisores, serão utilizados nomes de atores e encenadores como João Caetano, Procópio Ferreira, entre outros. Durante a execução, foi-se percebendo também a necessidade da confecção de uma tabela geral dos relatórios digitados e fichas realizadas para a visualização do todo.

As reuniões da equipe, ora se detiveram na discussão da resolução de problemas de ordem operacional, como a disponibilidades de computador e scanner, ora na troca de impressões sobre os relatos e nos ajustes para depurar as anotações nas fichas.

Os encontros resultaram num debate sobre as características desejáveis de se encontrar num relatório, resultando em clareza e eficiência para os mesmos. Foi cogitado se alguns dados dos relatórios deveriam ser orientados por cada professor de Prática de Ensino, a partir do presente, no intuito de se chegar à uniformidade das informações que se entendem fundamental.  Uma turma de oito estagiários de Prática de Ensino I do segundo semestre de 2007, sob a minha supervisão, tem sido observada como experiência piloto das transformações realizadas, a partir de conclusões por ora advindas do processo de discussão com os bolsistas e de seu trabalho de digitação, leitura e realização das fichas.

 

Os relatórios lidos até o momento revelam que os estágios foram realizados em diversos lugares que variam entre escolas municipais e estaduais de ensino fundamental e médio, na comunidade (igreja e condomínio) ou no bloco 3M da Universidade Federal de Uberlândia. Há ainda alguns casos em que o estágio foi feito fora da cidade de Uberlândia.  A faixa etária dos participantes das turmas sob orientação dos estagiários é variada, prevalecendo adolescentes entre 10 e 20 anos. As resistências com relação ao trabalho de Iniciação Teatral com crianças e idosos, com preferência de realização com grupos de jovens estão presentes nos enunciados dos relatórios, demonstrando a pertinência da mudança curricular que está em processo no referido curso e que dá maior atenção para as questões metodológicas e as discussões em voga na área de conhecimento do Teatro para os públicos mais diversos.

O jogo teatral e a improvisação são as metodologias mais utilizadas pelos estagiários, mas nem sempre há uma clareza conceitual para um trabalho sistemático com eles. É também perceptível que os estagiários utilizam o conhecimento prático adquirido nas aulas do curso de teatro, apesar de nem sempre enunciarem a fonte ou autoria dos procedimentos metodológicos, embora haja menções de onde e com quem tiveram o contato com a atividade realizada. Ajustes com relação à realidade dos grupos, faixa etária ou o contexto não têm merecido uma consideração mais atenta nos relatos dos estagiários. Há casos de transposição de dinâmicas de trabalho que os estagiários vivenciaram como alunos da graduação e que são utilizadas na condução do trabalho do estagiário. Tais práticas por um lado têm trazido alguns questionamentos por nem sempre serem as proposições mais adequadas para o meio e o contexto daquele grupo; mas por outro lado, por meio dessas propostas tem sido possível verificar algumas descobertas significativas que têm direcionado algumas opções metodológicas atuais nas disciplinas do âmbito da pedagogia teatral.

Quase todos apontam dificuldades de relacionamento seja com a instituição em que estão realizando o estágio, seja com os grupos, com relação a este último setor principalmente o lidar com a falta de respeito às regras grupais, com grande número de faltas e evasão. Ao mesmo tempo são essas problemáticas as responsáveis pelas assertivas dos estagiários sobre o crescimento e descobertas enquanto professor em formação.

Alguns relatos possuem problemas que dizem respeito ao registro sistêmico da atividade estagiada. Alguns estão incompletos, com relatos superficiais, mostrando o desinteresse do estagiário pela atividade e uma falta de interlocutores para com o texto. Essa constatação tem levado aos desafios sobre o como propor um formato de relatório que possibilite ao estagiário um aprofundamento de suas questões, sem, no entanto enrijecer o formato do texto.  Tais inferências têm levado também a problematizar que a silhueta dos relatórios está diretamente relacionada às formas de acompanhamento de estágio pelo professor supervisor. Os textos provenientes dos semestres mais recentes têm apresentado algumas informações diferenciadas em comparação aos relatórios dos primeiros anos, uma vez que alguns aspectos têm se inserido na Prática de Ensino como a preocupação com a apreciação de produtos artísticos e a própria circulação entre as turmas estagiadas da produção artística realizada nas disciplinas e projetos do próprio curso.

Nesse acervo, há relatórios substanciosos com detalhes da atividade estagiada e do processo de aprendizagem do se fazer professor. São estagiários que estão preocupados em compartilhar com riqueza do dia a dia de sua prática, indo ao encontro de uma tendência de entender o professor como um ser em formação contínua, ou um ser inacabado para usar uma terminologia de Paulo Freire.

Primeiros desdobramentos

O momento do estágio é como um fio a ser desembaraçado, por mais que se tenha o reconhecimento de que um professor não se faz apenas nesse momento curricular. Os saberes da docência se fazem na vida e na própria escola, desde o primeiro dia como aluno e também, posteriormente, no exercício da profissão (TARDIF, 2002). O projeto Relatos de estágio: fontes, procedimentos e desdobramentos foi apresentado à UFU, numa opção consciente de seguir a trilha dos professores reflexivos, que valorizam os profissionais como construtores de saberes, a partir de sua interação com outros professores e de sua reflexão sobre essa prática (Shön, Zeichner, Pimenta). Consultar e trabalhar a partir dos relatórios é uma entre as possibilidades de se sentir parte de uma genealogia; por isso há uma preocupação da equipe em finalizar a organização desses documentos para eles possam ser divulgados e manuseados por outros estagiários e professores de Prática de Ensino.

O trabalho a partir dos relatórios de Prática de Ensino em Teatro tem mudado os olhares da equipe executora e se manifestado em sua práxis. Já surgem temas comuns de trabalho a partir do diálogo que se travou com um ou mais textos. Algumas ações concretas são conseqüências desse exercício, como encontros entre as turmas dos estagiários, as trocas de cartas entre os grupos estagiados e o eventual rodízio de estagiários entre as turmas. São algumas das ações que começam a comparecer nas rodas de relatos dos estagiários ou nos textos escritos.

Com relação aos relatórios de estágio dos próprios bolsistas que também são estagiários do curso, é possível verificar maior aprofundamento e envolvimento. Eles têm acesso por meio do projeto a informações e percepções que vão bem além das metodologias de ensino de teatro e da bibliografia diversa. Encontram propostas que se aproximam de suas próprias proposições, podendo promover diálogos com o seu projeto em desenvolvimento e os projetos concluídos e arquivados.  Essa experiência pessoal dos bolsistas do PIBEG tende a se estender aos outros alunos e pesquisadores quando o acervo estiver disponibilizado. Os estudantes poderão usufruir os resultados, consultando os relatórios arquivados através das fichas que facilitarão a pesquisa.

Na minha ação enquanto orientadora de estágios, também é perceptível as interferências do projeto. As discussões geradas pelos estagiários em sala de aula têm se transformado. Elas giravam em torno de problemas de natureza metodológica; lamentações de ordem estrutural do espaço, tempo ou da atitude dos membros do grupo sob condução do estagiário, auto-exaltação do próprio trabalho e ansiedade de chegar a determinados resultados estéticos não pertinentes àquele grupo ou faixa etária. Esses assuntos são relevantes e continuam a se manifestar, mas já tem sido possível perceber nos relatos dos estagiários da turma piloto em 2007, uma reflexão sobre o momento de iniciação do se fazer professor, enquanto momento de passagem e de transformação. O desdobramento desse debate não teria sido possível sem o diálogo a interação com os textos escritos pelos estagiários desde 2001.

Esse exercício parece que vai render muito uma vez que já tem se esboçado enunciados sobre a coerência entre discurso e prática, conjugação entre as atividades estéticas e pedagógicas no próprio sujeito estagiário ou do professor regente, no caso de estágio de observação.

Os debates têm superado a sala de aula, como, por exemplo, a Semana de Pedagogia Teatral do Curso de Teatro que foi realizada em dezembro de 2006 e A sala e a cena evento em novembro de 2007. Foi a partir do manejo com os relatórios dos estagiários que fui me sensibilizando com a emergência de trazer à tona o encontro entre os estagiários e os professores, alargando a organização temporal e física das aulas de Prática de Ensino em outros fóruns.

Um dado que também se destaca nos relatos já verificados é o interesse pelo diálogo entre ensino e encenação, que estão presentes em alguns dos relatórios mais recentes. Essa discussão é importante atualmente para o curso que passa a ter as modalidades de licenciatura e bacharelado, principalmente ao estarmos vinculado a um paradigma que compreende que as ações do docente e a do artista não são excludentes.

Espera-se assim que os egressos e alunos do curso de Teatro possam refletir e/ou construir sua prática pedagógica através da consulta a relatórios de estágio de estudantes que o precederam. Essa prática pretende inibir a entrega de relatórios como um simples exercício de avaliação de mão única do docente supervisor. Na contemporaneidade, faz-se míster ampliar a ferramenta da enunciação escrita como possibilidade de interação entre os sujeitos e os seus textos, a partir do conceito de dialogismo de Bakhtin (2000).

Enquanto orientadora de estágios quero oferecer oportunidades de problematizar a situação de aprendizagem de se fazer professor de teatro. Pretendo que os estagiários do presente possam se sentir participantes de uma genealogia, registrando seus desafios e suas descobertas também para o futuro, numa tradição de se tornar co-responsável pelo teatro que se ensina e que se aprende.  O crédito é para um professor pesquisador na esteira de estudiosos como Shön e Zeichner, entre outros.

Esta inserção, não exclui, contudo, a relatividade desse momento da formação inicial, pois como nos ensinou Tardif, um professor se forma em vários contextos sociais da família, do sindicato, da igreja e do seu primeiro contato com a escola, enquanto aluno. Esse reconhecimento não exime a especificidade e a importância do momento do Estágio Supervisionado na formação de um profissional da Educação.

Referências

ALARCÃO, Isabel. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto Alegre: Porto Editora, 1996.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

CABRAL, Beatriz. Ensino de Teatro. Experiências Interculturais. Florianópolis, UFSC, 1999.

DESGRANCES, Flávio. Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática pedagógica. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

GERALDI, C.M.G., FIORENTINI, D., PEREIRA, e. m.a (ORG.). Cartografias do trabalho docente: professor(a) pesquisador (a). Campinas: Mercado de Letras e Associação de Leitura do Brasil ALB. 1998.

KOUDELA, Ingrid. A nova proposta de ensino do Teatro. In Sala preta nº 2. Dossiê Teatro e Educação.

NÓVOA, Antônio. Profissão professor. Porto: Ed. Porto, 1995.

PIMENTA, Selma Garrido. O Estágio na Formação de Professores. Unidade Teoria e Prática. São Paulo: Cortez, 1997.

____ Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 2001.

____ Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.

PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. “Além das dicotomias”. Anais do Seminário Nacional de Arte e Educação; 15a Edição-Educação Emancipatória e Processos de Inclusão Sócio-Cultural. Montenegro, RS: Fundação Municipal de Artes de Montenegro, 2000, p. 31-34.

RIANI, Dirce Camargo. Formação do professor: a contribuição dos estágios supervisionados. São Paulo: Húmem, 1996.

SANTANA, Arão Paranaguá. Teatro e Formação de Professores. São Luís: Edufma, 2000.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

ZEICHNER, Kenneth. M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa, 1993.

 

 

 

Notas

1 Projeto Institucional da Universidade como resposta à nova legislação que rege os cursos de licenciatura ampliando os espaços, o tempo e a concepção da Prática Pedagógica.

2 A voz do artista, conferência proferida no Encontro com a Pesquisa: Seminário de Estudos sobre a Imagem — Promovido pelo Lab oratório de Estudos Áudio Visuais-Olho, Faculdade de Educação — UNICAMP -09/março; 2001.

3 Uberlândia é uma cidade de porte médio, aproximadamente 600 mil habitantes, pólo regional do chamado Triângulo Mineiro.

4 As disciplinas do currículum do curso são divididas em três sub-áreas : Pedagogia do Teatro, Processos Criativos e Teoria Teatral. Cabe aos docentes da sub-área de Pedagogia do Teatro orientar os estágios.

5 Na fase inicial do projeto houve as contribuições das alunas Simone Passos e Adriana Moreira.

VILMA CAMPOS, atriz e diretora, é professora do curso de Graduação em Teatro da Universidade Federal de Uberlândia (MG) onde atua na formação de atores e de professores de Teatro. É doutoranda pela mesma instituição no Instituto de História com pesquisa versando sobre a Escola Livre de Teatro de Santo André (SP). Mestre em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (SP), especialista em Educação pela PUC e Graduada em Letras. Possui ainda formação artística na Escola Livre de Teatro de Santo André (SP) de 1990-1992 e 1997-1999.

VILMA CAMPOS is a Professor of Theater at the Federal University of Uberlândia (MG) and a Doctorate Student of History at the same Institution. She has a Master’s Degree in Public Relations and Arts from the University of São Paulo (SP) and completed and acting course at the Free School of Theater in Santo André (SP).