REVISTA COMPLETA. Ano 09. Número 02: Edição dezembro de 2011.
DOI:
https://doi.org/10.9789/1679-9887.2011.v9i2.%25pResumo
É com grande prazer que lhes apresentamos este novo número de Psicanálise & Barroco em Revista, agregando agora ainda mais artigos de excelente qualidade para estudo, pesquisa e deleite de nossos leitores. Estamos em franco processo de reformulações e com isso também nossa equipe reformulou-se, como podem verificar em nossa ficha técnica. O caráter transdisciplinar de nossos artigos se intensifica fazendo com que nossa interlocução com diversas áreas se reafirme cada vez mais intensa. Participam desse número, sobretudo, psicanalistas, psicólogos, filósofos e advogados. O abrimos com o belíssimo artigo de Andrea Duarte e Edson de Sousa Humor e suspensão: oscilação entre o peso e a leveza em Hilda Hilst. Neste artigo, os autores fazendo alguns cruzamentos entre alguns textos dessa importante escritora brasileira e dados biográficos da mesma, revalorizam sua obra ao fazê-la dialogar com a psicanálise e com a utopia em seu aspecto político de ultrapassagem. Longe de conferir à utopia um caráter negativo, como é tão freqüente encontrarmos, os autores propõem que transpor imagens, significações, posições de estruturas, alterar a posição do sujeito faz parte da potência do pensamento utópico. Nessa mesma perspectiva, o riso e o humor são resgatados no limiar existente entre aparentes contradições, que no tragicômico revelam a incômoda proximidade entre a angústia e o riso. Destacam que o enlaçamento do risível e o erótico, presentes na obra da escritora, põe em cena o real do sexo, a moralidade e o real da morte que suspensos da sua gravidade funcionam, sobretudo como um trampolim para o riso, o que bem pôde ser percebido pelos autores, sobretudo a partir da interpretação teatral da atriz Suzan Damasceno na montagem do livro A Obscena Senhora D da escritora, obra largamente comentada no artigo. Na sequência, fazendo dialogar o estilo de Freud com o estilo em Freud, o texto O estilo e a criação artística em Freud, pelas mãos do poeta, de Luis Vinicius do Nascimento, Maria das Graças Dias e Denise Maurano, focaliza o estudo do termo estilo, abordando a questão da criação artística nos escritos de Freud. Certamente não foi à toa que o pai da psicanálise, em 1930, foi homenageado com o Prêmio Goethe, a maior honra acadêmica alemã, destinado ao reconhecimento do trabalho de intelectuais como Lukaks, Plank, Hermam Hesse e outros. A outra vertente desse trabalho foi investigar propriamente a relevância que Freud conferiu ao estilo. Os autores destacam que é curioso que embora encontremos uma larga literatura acerca do estilo em Lacan, o tema do estilo em Freud é bastante mais raro. Como conseqüência das proposições do artigo, uma interessante articulação entre a estética e a ética psicanalítica é sugerida em sua conclusão. Vale à pena conferir. No esteio da articulação entre a estética e a psicanálise, tão recorrente em nosso periódico, o artigo A histeria masculina em Pablo Picasso, de Antonio Garcia Neto, discute a questão-tema do trabalho, privilegiando um estudo da vida e contextualização da produção do artista, focalizando, sobretudo aspectos evidenciados pelas telas Les Demoiselles d´Avignon, La Lecture e Mulher no Espelho. O autor sugere uma relação entre a paixão avassaladora tão presente na vida de Picasso e a decomposição do corpo feminino, como reveladora de sua divisão frente à mulher, ora tomada como um sujeito, ora como objeto de suas telas e de seu desejo. As formas que lhe são impressas evidenciam o furo, o vazio, “a marca incontestável de algo que não existe”, e que reitera o desencontro e a insatisfação. A temática da histeria masculina, pautada pela menção à questão fantasmática da dúvida quanto a ser homem ou mulher, é remetida à utilização das cores azul e rosa na tela Mulher no Espelho. Valorando positivamente a histeria, e ressaltando sua versão masculina, o estudo visa sublinhar sua presença marcante na sociedade moderna. Também focalizando a conexão: arte e psicanálise, o estudo de Carine Peres e Marcos de Medeiros, Cartas a Vincent, é apresentado propriamente em estilo de carta. Nelas, os autores passando por questões biográficas fundamentais da vida de Vincent Van Gogh, tomam como sintomática a produção do pintor, de aproximadamente 30 auto-retratos. Sublinhando a importância dessa repetição temática, sugerem através dela a busca pelo artista, da constituição de uma imagem corporal, que, como sempre, toma por base o Outro, essencial para a constituição da própria subjetividade. A complexidade e a dor evidenciada nessas telas bem demonstram a tragicidade que envolveu suas produções a qual é sensivelmente comentada pelos autores do estudo. Mudando nosso foco agora para a filosofia, o artigo Walter Benjamin e o mito das representações denunciadas pela linguagem, de Angela Baggio Lorenz, buscou identificar no estudo da Representação nas produções iniciais do filósofo, entre 1918 e 1921, a diferença fundamental entre os conceitos de Vorstellung e Darstellug. A autora argumenta que na controvérsia entre um Romantismo que privilegia o Eu solitário e um Iluminismo que tende ao universal, Benjamin não se conforma e quer apreender as coisas tais como são, via um desvelamento do objeto. Por essa via inicia seu projeto para uma filosofia vindoura questionando o modo pelo qual os conteúdos são dados e as possíveis formas de apreensão dos mesmos. Reconhece a experiência como possibilitadora da representação do objeto, mas da mesma forma, reconhece que os indivíduos são limitados pela sua própria história, razão pela qual os fatos devem então ser continuamente desvelados, o que impõe uma severa crítica das certezas e um olhar atento à linguagem. O leitor já pode perceber que essa discussão longe de se limitar ao campo da filosofia, tem igual importância tanto para o campo da psicanálise quanto para o da Memória Social. Na seqüência destacamos o criterioso artigo de Anna Hartmann Nietzsche e Wagner: arte e renovação da cultura, no qual a autora além de analisar a complexa relação do filósofo à arte wagneriana, destaca a atualidade da estética musical de Nietzsche, fazendo uma interessante análise de uma curiosa passagem do filme A vida dos outros de Florian Henckel. Nesse contexto o trabalho destaca ainda uma relação que nos é preciosa entre música e palavra, já evidenciada por Wagner em sua valorização da filologia como um conhecimento capaz de fecundar a experiência artística. As afinidades entre esses dois gênios na abordagem da filologia, da música e da arte grega, não impediram que desde o início Nietzsche já alertasse para o risco de que a arte pudesse vir a servir de meio de reforma e regeneração moral, o que desde sempre abominou e que veio a se constituir como germe do distanciamento que culminou na ruptura definitiva entre ambos, já que veio a condenar o projeto wagneriano de fundar uma nova cultura com princípios nacionalistas alemães. Fazendo um afastamento, não muito grande, do âmbito das discussões filosóficas, para o campo das práticas jurídicas situamos o artigo A clínica psicanalítica do ato infracional de Christiane da Mota Zeitoune no qual é problematizada a questão do atendimento de adolescentes em conflito com a lei em cumprimento da medida sócio educativa. A partir de uma pesquisa realizada em uma unidade do DEGASE, a autora postula que o envolvimento do adolescente no ato infracional é uma questão que deve ser relacionada ao encontro com o real do sexo, circunstância em que se evidencia toda a dificuldade do jovem em se apropriar do atributo fálico. Nesse sentido, é argumentado que há, no contexto social, dois vetores significativos, o afrouxamento no âmbito dos laços familiares e todos os atrativos que levam ao consumo exacerbado, que são verdadeiros obstáculos no que diz respeito à possibilidade de o jovem subjetivar a lei, de modo a inscrever a castração. Esses aspectos são considerados na explicação do porquê o jovem, ao invés de produzir um sintoma neurótico, faz ato. Quando isso ocorre, o sujeito produz um tipo de resposta que o exclui, mas que tem consequências. Uma das consequências, demonstra a autora, é “o impasse com a castração”. Conclui-se que o atendimento individual ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa associado com a prática de conversação com seus familiares, com profissionais são estratégias importantes para dar um tratamento ao gozo e do mal-estar presente em instituições dessa natureza onde se encontram esses jovens.Enveredando por essa trilha, focalizando a questão relativa ao pai, destaca-se o artigo Pai não declarado de Rafael de Melo Costa e Maria Alzira Marçola, em que um dos autores apresenta questões acerca de um atendimento clínico realizado em uma estudante, no setor de atendimento ao estudante da Universidade Federal de Uberlândia que, ao ser indagada sobre o pai, responde: pai não declarado. Essa enunciação foi o ponto de partida para as reflexões tecidas acerca do pai e sua função para entender o trajeto das representações coletivas às individuais acerca do pai e da paternidade, passando pelo terreno dos mitos, romances e acontecimentos cotidianos. Os autores elegem uma lógica para se debruçarem sobre uma declaração de paternidade nesses termos, destacando, de forma cuidadosa e criteriosa, aspectos das novas configurações familiares no contexto atual produzidas em decorrência de valores econômicos, sexuais, entre outros. Enfim os autores concluem que por “mais declarado que o pai esteja na mitologia e na literatura, essas se prestam a apoiar a ficção que o explica” Não obstante, na clínica é pressuposto que cada sujeito se apresente com uma declaração individual sobre sua paternidade ao contrário de outros campos de produção cultural nos quais encontramos uma vertente universal da paternidade.
Ainda nessa trilha concernente à função paterna deparamo-nos com a problemática da toxicomania analisada, de forma bastante clara no texto Compulsão à repetição e adicção de Olívia Barbosa Miranda que faz reflexões importantes sobre a adição considerando a rubrica dos novos sintomas a partir do quê relaciona a compulsão à repetição ao conceito de gozo. O argumento principal do trabalho consiste em interrogar como a clínica psicanalítica opera em tais circunstâncias, ou seja, quais são os limites da prática em sujeitos que se apresentam movidos pelo imperativo de gozo pela ingestão de substâncias químicas. Por fim, a autora conclui que embora a Psicanálise não tenha até então fornecido uma explicação para a adição já que esta se constitui como um grande obstáculo para a prática clínica, ainda assim, resta à Psicanálise oferecer a esses sujeitos que dificilmente abrem mão da relação repetitiva com o consumo de substâncias químicas uma via de acesso, por mínima que seja, ao desejo. No contexto de uma pesquisa voltada para a elaboração de uma dissertação situa-se uma interessante reflexão acerca do masoquismo produzida por Mariana Machado Rocha Lima e Sonia Leite no artigo Masoquismo e o problema econômico em Freud. As autoras tecem a pesquisa, nas filigranas do texto freudiano no sentido de articular o conceito de masoquismo ao de pulsão de morte, passando pelo ensino de Lacan. O texto destaca que as relações entre esses dois operadores do pensamento freudiano têm importância, no âmbito das estruturas clínicas, especialmente no tocante à distinção entre estrutura perversa e perversão. Embora haja essa constatação as autoras detêm-se em uma cuidadosa pesquisa no intuito de resgatar o significado do conceito do masoquismo, situando a dinâmica relacionada às polaridades sadismo e masoquismo, presentes na obra freudiana, mesmo antes de sua elaboração acerca da pulsão de morte. O fechamento do texto aponta para uma evidência: uma vez seguindo as indicações do texto freudiano é-se levado a concluir que o masoquismo é primordial, o que alude à possibilidade de obtenção de uma espécie de prazer na dor, modalidade de gozo que se encontra na constituição do sujeito. Ao fim das incursões as autoras cuidadosamente salientam que o conceito de pulsão de morte ainda permanece, sobretudo, obscuro em muitos aspectos, mas que esse caráter obscuro deve ser tomado com uma espécie de enigma inquietante a ponto de marcar a continuidade das pesquisas em Psicanálise. Abordando a dimensão da cultura chegamos ao artigo de Cláudio Rezende e Domingos Barroso Do pacto social ao império do gozo, no qual há um interessante diálogo das ideias de Rousseau e Hobbes com as de Freud e Lacan, sendo o eixo matricial da discussão, a constatação de que a formação dos laços sociais dependem da submissão do sujeito à lei da castração. Os autores aventuram-se em aproximar ideias do Direito com a Psicanálise tecendo considerações sobre o capitalismo como o operado que pretende substituir a lei da castração pela lei do mercado, com o objetivo de oferecer ao sujeito a ilusão de uma falsa completude pelo consumo do excesso. De uma maneira criteriosa os autores apontam os efeitos alienantes dessa injunção, embora cônscios de que é impossível pensar o estatuto do humano fora da cultura, ou seja, fora da dimensão simbólica. A conclusão sugerida é a de que o contexto da contemporaneidade ao oferecer inúmeros objetos apresentados na condição de tamponamento da falta, a ponto de vislumbrar um tipo de satisfação imediata, coloca o homem em circuito perverso cujo resultado é o desmentido da castração, mas com o aniquilamento quase completo. Eis o que a sociedade de consumo propõe como inscrição para o sujeito, em uma espécie de nivelamento das singularidades. Da cultura à literatura; do trágico à tragédia situando a crise Carolina Detoni Marques Vieira nos apresenta uma reflexão sobre o tema no artigo intitulado A crise sob a perspectiva de Jean-Luc Marion e uma breve relação com o trágico. A dimensão da atualidade aparece na análise da crise considerando um dos vetores que norteiam as relações entre os sujeitos: a impossibilidade de nomeação os sofrimento psíquico, extraída do quinto ensaio da obra Prolegómenos à caridade. Nessa análise a autora se utiliza da questão do trágico, passeando pela tragédia para afundar um tema de difícil compreensão: a morte. Após uma profunda pesquisa no sentido de caracterizar e definir a crise a autora conclui que tudo indica que, na atualidade, o homem está lidando com a falta do trágico bem como de recurso ante a certeza da morte. O sentimento de indiferença e monotonia se traduz na aparência de uma falta de crise; dai o sujeito não se engajar em projetos para lutar contra a evidência da morte. Argumenta enfim que “invadidos pelas mortes nos noticiários” devemos lembrar que o sujeito da Psicanálise ainda é trágico e assim ainda é possível interrogar o que pode advir da tragicidade dos dias atuais. Ainda no cenário da atualidade, considerando também uma modalidade de violência reportamo-nos ao artigo Da passagem ao ato ao ato de criação de Gláucia Regina Vianna e Francisco Ramos de Farias que analisa o contexto particular de respostas do homem contemporâneo às constantes exposições a situações traumáticas. Para fins da reflexão, os autores consideram que a experiência traumática é um tipo de vivência que impotencializa tantos os agentes que a produzem quanto àqueles nos quais tal vivência incide. O argumento apresentado pelos autores é o de que o sujeito exposto continuamente a experiências traumáticas pode vislumbrar a prática de atos destrutivos como tentativa de solucionar a situação em que se encontra. Esta seria uma possibilidade, porém sabe-se que existem outras alternativas de cunho criativo. Mas o que faz o sujeito enveredar por um caminho ou por outro? Sem dúvida, as singularidades próprias da constituição histórica de cada têm um peso decisivo em tais circunstâncias. Mas não devemos deixar de fora o cenário de ofertas disponíveis para serem consumidas que são verdadeiros atrativos que inebriam o homem atual, deixando cego diante do visível e plasmado em relação à possibilidade de realizar escolhas que advenham de seu pensamento. Frequentemente opta pela adesão às repostas prontas oferecidas em termos de eficácia e satisfação. O fechamento do artigo apresenta um interessante diálogo extraído de uma passagem entre um suicida e um monge e as consequências decorrentes desse confronto em relação à solidariedade e à destrutividade. Finalizando nossa sequência de textos retornamos a um entrecruzamento interessante da Literatura com Psicanálise no artigo Clarisse Lispector e a escrita do sinthome de Luciana Brandão Carreira Del Nero que focaliza a questão da temporalidade, considerando uma mudança de estilo de escrita de Clarice Lispector. A interpretação da autora segue uma linha de raciocínio pautado no fato de que há em Lispector uma modalidade de escritura na qual a textualidade pode ser retratada em termos de uma escrita de borda em relação, seja ao indizível do limite da limite da linguagem; seja em relação à maneira como determinados escritores promovem verdadeiras torções que rebatem o gozo do sem-sentido. Assim, produzem novidades a ponto de os engajarem nas vicissitudes do corpo. Mas é no tocante à vereda fraqueada por Lispector que esse tipo de torção fica evidente, na medida em que o texto é reduzido a uma letra do gozo que não se reduz a um puro traço de um sujeito. A partir do percurso em obras de Lispector a autora chega a Lacan, em sua tese de que o sinthome é o significante que cria o real de modo a nomear o inominável. Conclui admitindo que a potência poética do sinthome consiste em escavar um lugar nos orifícios da linguagem para alocar o objeto que cai dessa mesma linguagem. No mais, caro leitor, resta ir aos textos, apreciá-los, valer-se deles ao seu modo, como bem lhe aprouver, esse é nosso convite. Por Denise Maurano Mello e Francisco Ramos de Farias
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Publicado
2019-03-31
Como Citar
EM REVISTA, P. e B. REVISTA COMPLETA. Ano 09. Número 02: Edição dezembro de 2011. Psicanálise & Barroco em Revista, [S. l.], v. 9, n. 2, 2019. DOI: 10.9789/1679-9887.2011.v9i2.%p. Disponível em: https://seer.unirio.br/psicanalise-barroco/article/view/8723. Acesso em: 7 nov. 2024.
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