Contando a história da carreira de Nadia Boulanger na regência
Resumo
Resumo: Estudos recentes sobre biografias de mulheres revelam problemas enfrentados pelos autores que contam as histórias de mulheres com trajetórias incomuns, devido à ausência de uma tradição de modelos adequados de narrativa. E os que têm escrito sobre a carreira de regência de Nadia Boulanger no período pré-guerra, encontram dificuldades semelhantes. A solução mais utilizada (e adotada por críticos e biógrafos, assim como pela própria Boulanger) envolve uma reformulação dos modelos de narrativa dominantes, com base nas tradições do romance e enquadrada na estrutura da biografia espiritual ou religiosa, de modo que a protagonista é apresentada como que escolhida para o seu trabalho profissional por um poder divino, poder este para o qual ela presta serviços e sua vida é consagrada. Na história de Boulanger, a música figurou como o poder divino ao qual ela serviu, e tomou o lugar do herói masculino no romance, ou da divindade na biografia espiritual. Para garantir o seu êxito, esta reformulação se apoiou na ideologia da autonomia da música, e da convicção de que ela existe independentemente de uma interpretação. Boulanger e seus críticos podem ser vistos como explorando a possibilidade do discurso de gênero, latente no debate sobre a relação entre maestros, compositores e obras. Esta conceituação da carreira de maestrina de Boulanger e a compatibilidade com uma ampla gama de entendimentos aceitos sobre a natureza, tanto das mulheres como da música, fornecem um contexto convincente para a compreensão do seu sucesso na trajetória da regência.
Palavras-chave: Música e gênero. Regência. Período pré-guerra. Autonomia das obras musicais.
Telling the story of Nadia Boulanger’s conducting career
Abstract: Recent studies of women's biography have revealed that the absence of appropriate narrative traditions poses problems in telling the stories of extraordinary women. Writers attempting to describe Nadia Boulanger's conducting career in the pre-war era were confronted with difficulties similar to those faced by biographers of female authors. The most frequently repeated solution to these problems (adopted by critics and biographers as well as by Boulanger herself) involved a reworking of the prevailing narrative model for women. The model relies on traditions of romance, framed in spiritual or religious biography so that the subject is presented as chosen for his or her life work by a divine power to whose service the subject's life is then consecrated. In Boulanger's story, music figured as the divine power she served, replacing the male hero of romance and the deity of spiritual biography. This reworking was dependent for its success, however, on the ideology of the autonomous musical work and the conviction that music exists independently of its interpretation. Boulanger and her critics can thus be seen as exploiting the possibility for gendered discourse latent in an ongoing debate over the relationship between conductors, composers and texts. This conceptualization of Boulanger's conducting career and its compatibility with a broad range of widely-held beliefs about the nature both of women and of music provide a convincing context for understanding her success.
Keywords: Music and gender. Conducting. Pre-war era. Autonomy of musical works.