O CUIDADO MATERNO NO MANEJO DA ASMA INFANTIL – CONTRIBUIÇÃO DA ENFERMAGEM TRANSCULTURAL
DOI:
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2010.v0i0.%25pPalavras-chave:
Enfermagem Transcultural. Cuidado da Criança. AsmaResumo
INTRODUÇÃO: O objeto deste estudo são as práticas culturais do cuidado materno no manejo da asma infantil. A asma é uma das doenças crônicas mais comuns no mundo, constituindo-se uma das primeiras causas de hospitalização do Sistema Único de Saúde (III CONSENSO BRASILEIRO NO MANEJO DA ASMA, 2002). O cuidado materno é fundamental no manejo e tratamento da asma tendo em vista que a infância é uma fase da vida na qual o ser humano não tem independência para seu autocuidado. Os questionamentos, para esta investigação, surgem em relacionar as recidivas da asma infantil com a questão cultural materna, o conhecimento dessas mães sobre a doença e que ações são adotadas na prevenção dessas crises. Acreditando que um dos principais pilares da prevenção e controle da asma diz respeito ao processo educativo, é preciso conhecer as características culturais e sociais da mãe-cuidadora da criança com asma para que se possa adaptar procedimentos de intervenção na prevenção e promoção de saúde, enfocando o cuidar com respeito à cultura do indivíduo.
OBJETIVOS: Descrever o conhecimento e o cuidado materno sobre a asma infantil e analisar o cuidado materno no manejo da asma infantil.
METODOLOGIA: Estudo descritivo exploratório. Foram selecionadas 18 mães, acompanhantes de seus filhos, que compareceram ao ambulatório pediátrico de um hospital geral situado do município do Rio de Janeiro. Para seleção dos sujeitos utilizamos como critérios de inclusão mãe de filho com asma que tenha pelo menos seis meses com a doença, que seja a cuidadora de seus filhos com asma e que tenham aceitado participar assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O tempo mínimo de seis meses foi escolhido, pois, de acordo com o III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma (2002), este é um intervalo de tempo suficiente para que a mãe já possa relatar como é cuidar de uma criança com asma. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery juntamente com o Hospital Escola São Francisco de Assis, sendo aprovado sem restrições, protocolo número 60/08. Os dados foram coletados no período de Setembro de 2008 à Janeiro de 2009 utilizando um questionário e uma entrevista semiestruturada. A análise qualitativa seguiu o Método da Etnoenfermagem de Leininger. Foram codificadas três categorias analíticas: 1) Conceito e manejo da asma na visão das mães cuidadoras; 2) Asma como sofrimento e risco para a vida dos filhos; 3) Plantas medicinais, simpatias e religiosidade no cuidado do filho com asma.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: A faixa etária das mães entrevistadas é de 21 a 49 anos. As crianças com asma, estão entre a faixa etária de 2 e 15 anos, sendo sete do sexo feminino e onze do sexo masculino. As mães, em sua maioria (13), ficam a maior parte do seu tempo com os filhos, o que faz com que estejam mais próximas no processo de cuidar dessa criança com asma. A maioria tem renda familiar de 2 a 3 salários mínimos (7).
I - CONCEITO E MANEJO DA ASMA NA VISÃO DAS MÃES CUIDADORAS
De acordo com os depoimentos, constatamos que muitas mães desconhecem ou são inseguras quando questionadas sobre o conceito/significado da asma, o que nos faz acreditar que há falta de informações/orientações por parte dos profissionais de saúde e um serviço de educação em saúde conforme relato de Flor de Lis.
[...] Não sei bem o que é a asma. Não sei falar o que é não, só sei que uma coisa que, não sei explicar [...] (Flor de Lis)
Muitas mães não sabem o significado de prevenção e confundem esta com tratamento da doença. Ao serem questionadas sobre o que elas fazem para prevenção da crise de asma de seus filhos, destacamos as falas de Jasmin e Dália.
[...] Eu faço uso de berotec spray [...] (Jasmin)
[...] O que eu mais faço é nebulização e muito soro para lavar bem [...] (Dália)
Cabe destacar que muitas mulheres falaram do cuidado do ambiente, e isso nos mostra que, mesmo não sabendo conceituar a asma, sabem prevenir como podemos ilustrar no depoimento de Hortência
[...] Os animais que ela tinha, ela tinha coelho, tinha cachorro grande peludo e eu troquei por um pinchier, que é um cachorro de pequeno porte com a pelagem rasteira [...] (Hortência)
Fica evidente a falta de conhecimento das mães sobre o conceito da asma. Faz-se necessário a implantação de serviços de educação em saúde, não só na atenção primária, mas também na secundária e terciária de saúde e realização de capacitação/treinamento/workshop para instrumentalizar os profissionais de saúde para trabalharem com grupos educativos permanentes nas Instituições Ambulatoriais e Hospitalares.
II - ASMA COMO SOFRIMENTO E PERIGO PARA A VIDA DOS FILHOS
As mães desenvolvem sofrimento durante os períodos de crise relatando o medo da perda dos filhos, associando esta doença a um risco de morte, conforme relato de Rosa vermelha.
[...] Com sinceridade, sinceridade, eu já associei ela, assim, como é que eu posso te dizer, a um perigo para mim [...] (Rosa Vermelha)
O sofrimento e a ansiedade materna andam juntos, e, de acordo com Bosi (1998), provavelmente vêm em decorrência das características da asma em sua imprecisão, labilidades, em seu aparecimento inopinado, levando a mãe ao estado de suspensão de expectativas.
III- PLANTAS MEDICINAIS, SIMPATIAS E RELIGIOSIDADE NO CUIDADO DO FILHO COM ASMA
Apesar das mães relatarem desconhecimento e insegurança no cuidado do filho com asma, todas utilizam o saber popular como a utilização de plantas medicinais do tipo xarope, há também simpatias e crenças religiosas que são perpetuadas de geração para geração. Assim, constatamos a importância do cuidado cultural materno quando nos deparamos com o depoimento de Crisântemo que nos informa que faz xaropes para asma utilizando legumes e glicose:
[...] Me ensinaram a fazer tanto com nabo, quanto com beterraba e cebola, corta em rodelas, colocar num prato e colocar açúcar por cima e deixar no sereno, da noite pro dia, e quando for antes das 6 da manha, retirar e dar em colheradas para as crianças, fica em forma de xarope entendeu? [...] (Crisântemo)
Muitas das informantes procuraram não exteriorizar muitos dos cuidados desempenhados, pois, dizem que não podem ensinar a simpatia, senão não vai fazer efeito para o filho conforme depoimento de Girassol: “E outra coisa, simpatia não pode contar quando faz. Se contar pode não ter efeito”.
A fé na cura da doença do filho foi muito expressada conforme podemos ler no depoimento Girassol:
[...] Porque quem cura é Deus e a fé que a gente tem. Não é aquilo que você ta fazendo. Se você tem fé, você pode tomar um copo de água que vai ficar bom [...](Girassol)
Quando o paciente procura um serviço de saúde, é o momento ideal para que haja a troca de informações. É importante que o enfermeiro e outros profissionais de saúde saibam ouvir a história da mãe para com isso construírem juntos um melhor cuidado para a criança com asma.
[...] Nem sempre é possível fazer, ter o cuidado que às vezes os médicos pedem pra gente, fica inviável, não tem como [...] (Hortência)
A fala de Hortência nos mostra a necessidade de ouvirmos os nossos clientes, conhecer a história de vida, as condições do ambiente e financeira já que temos a responsabilidade de prestar uma assistência/orientação de qualidade, suporte, habilitar ou facilitar individualmente ou em grupo a melhoria da condição de saúde.
Ações da Enfermagem na Teoria do Cuidado Cultural (TCC)
Ao final dos depoimentos maternos, foi necessária uma troca de informações com as mães a cerca dos seus conhecimentos sobre a asma e das ações para o manejo desta doença, valorizou-se neste momento, as três formas de atuação do profissional de saúde: manutenção, negociação e reestruturação do cuidado cultural (LEININGER & MCFARLAND, 2006). Em relação à preservação do cuidado cultural, é importante considerarmos, a partir deste estudo, que as crenças religiosas, os valores culturais, o modo de vida devem ser preservados e encorajados no cuidado da mãe ao seu filho portador de asma. Nesta ação de enfermagem, a identidade cultural das mães pode ser trabalhada com as enfermeiras para buscar a congruência e compreensão da sua prática, pois, ao manter as ações do sistema popular, acredita-se que estas proporcionam bem-estar e que se apresentam como mecanismos de enfrentamento apreendidos de como conviver com um filho portador de asma.
Em relação à acomodação (negociação) do cuidado cultural, neste estudo nota-se que embora as mães tenham os seus saberes para cuidarem de seus filhos, é importante a negociação do cuidado em alguns aspectos como a diminuição da exposição à poeiras, fumaça do cigarro, cheiros fortes como perfumes, pela criança, para quem assim, ao evitar o contato com estimulantes, não tenham tantas recidivas das crises de asma. Foi negociado com as mães que, é importante a procura pelo serviço de saúde mesmo com a continuidade das orações. As ações negociadas demandam do sistema popular e também do sistema profissional. Seria importante que os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, continuassem a praticar a acomodação do cuidado cultural realizando ações congruentes com as necessidades das mães que se refletem em suas crenças e valores culturais.
A repadronização do cuidado cultural foi usada com as mães ao propor uma revisão quanto aos pontos negativos da fumaça do cigarro perto dos filhos, bichinhos de pelúcia no quarto, umidade/mofo na casa, e após a revisão, as mães afirmaram que cuidariam mais ativamente desses cuidados quanto ao ambiente em que a criança estaria exposta. Assim, respeitamos as crenças das mães e não a impedimos de ter animais domésticos, móveis estofados, cortinas, como por exemplo, se assim a deseja, mas, buscamos, repadronizar o hábito da cliente, introduzindo em sua cultura o conhecimento dos malefícios dessa prática. O enfermeiro deve articular o cuidado mediante a identificação do cuidado popular e o conhecimento do cuidado profissional.
CONCLUSÃO: A enfermagem é um fenômeno essencialmente cultural que envolve o contexto e o processo de ajuda a indivíduos de diferentes orientações culturais e estilos de vida. Madeleine Leininger fala sobre esse cuidado profissional formalmente ensinado, aprendido e transmitido, assim como o conhecimento de saúde, doença, bem-estar e as habilidades práticas que prevalecem em instituições profissionais e a grande necessidade de atrelarmos com o saber popular para então prestarmos de fato um cuidado coerente com as necessidades do indivíduo. Durante a pesquisa, confirmamos a importância da socialização dos conhecimentos entre o enfermeiro e a clientela, mas, para isso, é fundamental que o profissional saiba ouvir, para que consiga delinear estratégias preventivas que vão sendo construídas no decorrer do atendimento. Diante disso, entendo que faz-se necessário mais estudos sobre o cuidado cultural a fim de garantir a assistência individual e humanizada respeitando a identidade cultural do indivíduo.
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