O RELATÓRIO GOLDMARK E A ENFERMAGEM FRENTE ÀS DOENÇAS ESTIGMATIZANTES (1923)
DOI:
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2010.v0i0.%25pKeywords:
Enfermagem em Saúde PúblicaAbstract
INTRODUÇÃO
As primeiras décadas do século XX no Brasil foram demarcadas pela República Velha, neste período os governos estaduais eram fortemente controlados por grupos oligárquicos, tendo destaque para o Estado de São Paulo, que obtinha supremacia econômica decorrente do café e o Estado de Minas Gerais, o mais populoso membro da federação, ou seja, tinha maior poder de influenciar nas votações (DEL PRIORE, 1952, 306).
Essa política parecia favorecer pequenos, médios e grandes coronéis, mas na prática essa política contrariava grande parte da população. Nesse período o Brasil e em especial a Capital da República, enfrentava epidemias e endemias.
A tuberculose no Brasil era fatal em metade dos indivíduos acometidos, devido principalmente às más condições de vida da população brasileira nessa época e à aglomeração nos cortiços comuns no centro do Rio de Janeiro. Por ser uma doença transmissível, o estado responsabilizava a população pela sua disseminação. Foi criado em 1920, o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Nesse momento Carlos Chagas foi nomeado diretor do DNSP e traz a enfermeira Ethel Parsons, para criar um serviço de enfermeiras no DNSP e uma escola de enfermagem. Essa estratégia ficou conhecida como Missão Parsons e perdurou no Brasil por 10 anos com o patrocínio da Fundação Rockefeller (SAUTHIER & BARREIRA, 1996, p. 66).
Com a Reforma Carlos Chagas foi instituído o primeiro organismo governamental de combate à tuberculose, sediada no Rio de Janeiro e denominada Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose tendo como primeiro dirigente Plácido Barbosa. A inspetoria tinha como objetivo criar dispensários e sanatórios, onde seriam realizados o tratamento, a medicalização e a profilaxia da tuberculose.
A situação dos doentes mentais também não era das mais confortáveis, como também, não fora contemplada por esta Reforma, possivelmente, por este grupo estar sob a responsabilidade do Serviço de Assistência a Psicopatas, e este ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Nesse momento havia um grande preconceito em relação ao trabalho da enfermagem nos hospitais psiquiátricos, por ser uma atividade degradante e insalubre. Esse preconceito também se dava pelo estigma das doenças mentais, devido à agressividade dos doentes, à superlotação e insalubridade dos hospícios.
Em 1919, teve início uma pesquisa sobre a situação da enfermagem nos Estados Unidos, a qual resultou no Relatório Goldmark em 1923, e nesse mesmo ano chegou à Escola de Enfermeiras do DNSP (SILVA JÚNIOR, 2003, p.01), porém sua repercussão ocorreu no ano de 1927. Este relatório foi elaborado por um comitê especialmente criado para o estudo da Educação em Enfermagem, o produto gerou um impacto sentido mundialmente; vindo a influenciar o estabelecimento e a evolução de um modelo de Enfermagem anglo-americano.
Desse modo, considerando a política de saúde brasileira da época, a presença e a atuação da Fundação Rockfeller junto à reorganização do DNSP e o andamento do estudo que resultaria no Relatório Goldmark, é que buscamos, a partir das informações documentais elucidar questões referentes ao cuidado de enfermagem nas situações relativas à tuberculose e doenças nervosas e mentais; organização da enfermagem de saúde pública no início da década de 20, do século XX, no Brasil.
OBJETIVOS
- Analisar as recomendações do Relatório Goldmark para o ajuste na formação das (os) enfermeira (os) em duas áreas especiais, a da tuberculose e as de doenças nervosas e mentais;
- Caracterizar o ensino nas ações de enfrentamento contra a tuberculose e as doenças nervosas e mentais nos cursos e escolas de enfermagem, no Distrito Federal, no ano de 1923.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de natureza histórico-social, embasada na análise documental, e esta se apoiará na proposta metodológica de que um texto é sempre portador de um discurso, e que assim considerado, não poderá ser visto como algo transparente (CARDOSO E VAINFAS, 1997, p.377).
Como fontes primárias serão utilizadas o Relatório Goldmark e outros documentos que caracterizem aspectos do ensino em cursos e escolas de enfermagem, no Distrito Federal, que serão explorados nos seguintes acervos: Arquivo Setorial Maria de Castro Pamphiro – EEAP – UNIRIO; Biblioteca do Ministério da Fazenda – RJ; Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery – RJ; e os acervos particulares de pesquisadores, situados no Rio de Janeiro.
As fontes secundárias referem-se às produções em História do Brasil, Saúde Pública, História das Escolas de Enfermagem.
No que tange ao Relatório Goldmark, consideramos, pelo critério de relação temática, o capítulo referente à tuberculose e as doenças nervosas e mentais, o Relatório do Comitê e o Relatório da Secretária, que iniciam o Relatório Goldmark.
A análise e interpretação das informações são realizadas através da busca de nexos entre as informações obtidas nos documentos e a produção historiográfica do tema em questão (Félix, 1998, p. 93). Assim definimos como unidades de análise as propostas do Relatório Goldmark e a organização da enfermagem de saúde pública no DNSP.
RESULTADOS
No ano de 1923 houve a publicação do Relatório Goldmark no Brasil e dentre inúmeras questões ligadas ao ensino da enfermagem destacou a necessidade de um incremento na formação de enfermeiros (as) de áreas especiais como tuberculose, doenças venéreas, doenças nervosas e mentais.
Segundo o relatório Goldmark (1923), nos EUA é aceito como verdade que de 100 pessoas, 90 estão infectadas pela tuberculose, duas têm doença ativa e oito ou nove morrerão. Porém no ano de 1921 essa taxa teve queda de quase 50%.
Em fins do século XIX e início do século XX, no Brasil a tuberculose matava mais da metade dos indivíduos acometidos e sua disseminação se dava principalmente devido às más condições de vida e à pobreza. Para o Relatório Goldmark a principal arma contra a tuberculose era a alteração diária dos hábitos individuais, que se dá através da educação.
A contratação de ex-pacientes para o cuidado prestado a tuberculosos é uma maneira de persuasão norte-americana, visto que estes cuidam com mais compaixão nas reações físicas e mentais do paciente além de trazer incentivo e encorajar o paciente, pelo fato de seguir o tratamento receitado e poder buscar uma vocação.
Concomitante ao fato de essas enfermeiras serem ideais para o tratamento de tuberculosos, poucas conseguem terminar o curso de enfermagem, pois o curso possui muitas horas práticas e elas estão debilitadas em função da doença.
Apesar da necessidade de mão-de-obra no cuidado de tuberculosos, identificada pelo Relatório Goldmark, pergunta-se até que ponto vale à pena formar enfermeiras para uma única especialização. Outros problemas identificados nas instituições de especialização em tuberculose são a falta de professores competentes para dar aulas e supervisionar as atividades práticas e a falta de equipamentos utilizados no ensino. O campo da saúde mental enfrenta maiores problemas que a área da tuberculose, para conseguir instituições preparadas para e equipadas para formar enfermeiras especializadas (RELATÓRIO GOLDMARK, 1923, p 403). Neste momento predomina o modelo asilar, tendo maior preocupação em separar os doentes e não promover um tratamento adequado. Mas com o avanço da psiquiatria e higiene mental a enfermagem tem progredido.
Esse avanço ocorreu também no Brasil nos anos 1920 e 1930, por meio de uma maior movimentação no campo da psiquiatria havendo produção científica nacional. Porém os estabelecimentos de ensino estruturados no modelo Nightingale (do qual a EAN foi precursora no Departamento Nacional de Saúde Pública) não prepararam suas alunas de enfermagem para trabalharem em hospitais psiquiátricos e em programas de higiene mental (KIRSCHBAUM).
Cabe destacar que a EPEE, tinha dificuldades em recrutar moças de família, pois estas teriam que lidar com psicopatas, estando sujeitas a episódios de violência. Devido à grande dificuldade para recrutar alunas, as instituições se viam obrigadas a baixar suas exigências relacionadas à escolaridade para que conseguissem um número mínimo de alunas que se dedicassem aos hospitais para doentes mentais.
Para a medicina moderna a enfermeira psiquiátrica deveria trabalhar como uma cooperadora do médico, pois esta passa maior parte do tempo ao lado do doente, podendo detectar precocemente seus sintomas, facilitando o diagnóstico médico. E para que isso possa acontecer é necessária a menor proporção de pacientes por enfermeira, só assim estas poderão prestar um melhor cuidado e uma melhor supervisão psiquiátrica (RELATÓRIO GOLDMARK, 1923 p. 405).
CONSIDERAÇÕES
Os resultados encontrados até o momento da pesquisa demonstram que no âmbito dessas doenças estigmatizantes, há uma grande demanda por mão-de-obra, porém muitas dificuldades são enfrentadas pelas escolas e pelos hospitais especializados nessas duas áreas da enfermagem. Porém na área das doenças mentais havia um maior preconceito por parte da sociedade em aceitar o cuidado dispensado a doentes psiquiátricos, pois estes eram agressivos e os hospitais especializados nesse assunto estavam em condições insalubres, ou seja, não eram locais para moças de família trabalharem.
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